PICICA: "À imprensa e
ao torcedor, digo: Não esperem milagres, não acreditem em soluções
mágicas como uma simples troca de comissão técnica ou o aparecimento de
um novo Neymar. Se o planejamento e o trabalho forem executados por
pessoas competentes, apaixonadas e com conhecimento técnico em cada uma
das diversas dimensões do futebol, ainda assim, levaremos pelo menos 10
anos para chegar lá. Uma caminhada de mil milhas começa com um simples
primeiro passo."
Juca Kfouri: o que fica pro futebol brasileiro?
Por Juca Kfouri.*
O que é
pior, o vira-latismo ou o puxa-saquismo? Se o primeiro se confundir com
espírito crítico certamente o segundo é pior, porque mera
bajulação. Comecemos pelo começo: a imagem do Brasil depois da Copa é
muito melhor do que, com carradas de motivos, se imaginava antes
dela. Fez-se, em resumo, um bom anúncio do país. Porque houve a festa
que se imaginava que haveria nos estádios e não houve a tensão prevista
fora dele.
Por incrível
que possa parecer, Joseph Blatter, o poderoso chefão da Fifa, tinha
razão: a sedução do futebol falou mais alto, ainda mais porque,
paradoxalmente, se a Copa não apresentou nenhuma seleção inesquecível,
mostrou jogos formidáveis, como uma homenagem ao país que já foi o do
jogo bonito. Repita-se para suavizar o que virá a seguir: o Brasil
ganhou a 20a Copa do Mundo da Fifa e ainda por cima prendeu
gente dela que há décadas atenta contra a economia popular, um legado
inestimável, exemplar, digno de ser aplaudido de pé assim como a
hospitalidade nacional.
Tamanhas
vitórias não escondem as derrotas e aqui não se fará nenhuma menção,
além desta, à goleada alemã. Por falar nisso, em alemães, nossa Copa foi
muito melhor que a da África do Sul, mas não foi, como organização,
melhor que a de 2006. Claro, da Alemanha se espera perfeição e a
Alemanha esteve perto disso. Do Brasil esperava-se uma catástrofe e o
Brasil ficou longe disso. Contudo, na Alemanha não foram construídos
elefantes brancos como os de Manaus, Cuiabá, Natal e Brasília, cujas
contas jamais serão pagas a não ser que ocorra mais um milagre
brasileiro.
Lá não
morreram tantos trabalhadores, nem caiu viaduto com duas mortes, nem se
desalojou tantas famílias, nem nada custou tanto a ponto de a nossa Copa
ter superado o custo dos três últimos torneios e nenhum estádio foi
invadido por torcedores como o Maracanã pelos chilenos. Tampouco faltou
luz no jogo de abertura. Esquecer tais fatos em nome da imagem externa é
que é o verdadeiro vira-latismo, como se a aprovação estrangeira nos
bastasse.
É verdade
sim que o governo federal, um mês antes de a Copa começar, partiu em
busca de empatar um jogo que perdia por 4 a 0 e que conseguiu vencer,
digamos,por 6 a 5 — o que exige elogios ao ataque assim como críticas à
defesa. Ocorre que há quem queira fazer apenas elogios e outros que só
desejam criticar, todos movidos ou por cegueira partidária ou por outros
interesses.
Não se trata
de negar o sucesso da Copa, mas de dizer que poderia ser melhor. Tudo,
aliás, sempre pode ser melhor, por melhor que tenha sido. Trata-se de
não esquecer o quanto custou em vidas e dinheiro, em desalojamentos e
atrasos, em remendos de última hora, uma porção de coisas para as quais
os estrangeiros não estão nem aí, mas que devem preocupar os que estão
aqui e que, enfim, pagarão a conta. Porque outro legado da Copa é a
consciência de que megaeventos são muito bons para quem os promove e
para as celebridades que gravitam em torno,mas não são necessariamente
bons para quem os recebe, razão pela qual será excelente se os próximos
forem submetidos à consulta popular.
O turista
que veio não se hospedou nos melhores hotéis nem comeu nos melhores
restaurantes, preferiu albergues ou sambódromos, lanchonetes ou
churrasquinhos de gato. Até mesmo os aeroportos inconclusos (o de
Brasília é simplesmente espetacular, registre-se) suportaram bem a
carga,entre outras razões porque o movimento foi menor que o normal
neste período.
Em resumo: o
Brasil ganhou a Copa de virada e o resultado pode ser considerado
excepcional, digno de comemoração para irritação dos vira-latistas. Mas
não foi de goleada como bimbalham os puxa-sacos. Além do mais, se o jogo acabou para o mundo, segue correndo no nosso campo. A um custo que ainda será mais bem apurado.
O resultado
em campo e a eliminação do Brasil não alteram, em nada, a minha opinião
sobre a crise existencial que arrasa o futebol brasileiro há mais de uma
década. O buraco é muito mais embaixo. Os que dirigem o futebol
nacional não deram as caras, se esconderam em ambas oportunidades. Como
de costume, evitaram e evitarão ao máximo falar sobre as propostas para o
futuro pois não entendem bulhufas do que deve ser feito. Entendem de
política, de se manter no poder, de explorar o futebol, de mamar nas
tetas da vaca. E como disse o senhor José Maria Marin na primeira
reunião do Bom Senso na CBF: “Posso afirmar que não temos nada a
aprender com ninguém de fora, principalmente no futebol. Sempre tivemos
os melhores do mundo no Brasil. Já vencemos cinco vezes a Copa”.
Ninguém tem
necessidade daquilo que desconhece. “Coitado”, ele e seus pares achavam
que tudo ia muito bem e que o talento bruto resolveria a questão. Não
fazem ideia de que a Seleção Brasileira é o menor, apenas a ponta do
iceberg (incrível dizer isso depois de tomar de 7), dos problemas do
nosso futebol. Devemos aceitar esta derrota como mais uma das muitas
importantes lições que a Copa nos trouxe até aqui. Se a procura por um
legado era apenas para justificar o excesso dos gastos públicos, agora
passou a ser o último lampejo de dignidade. Então proponho uma solução
ao caos, DEMOCRATIZEM A CBF e salvem o futebol brasileiro.
Campeões,
Bicampeões, Tricampeões, Tetracampeões, Pentacampeões, vocês que
construíram o futebol brasileiro dentro de campo, estão
convocados. Precisamos de vocês, precisamos ainda mais dos que já
provaram sua capacidade fora de campo, gerindo, planejando, vivenciando o
que há de melhor no futebol contemporâneo mundial.
Leonardo,
Raí, Cafu, Juninho Pernambucano, Kaká, Ricardo Gomes, Roque Junior,
Edmilson, Juninho Paulista, Vagner Mancini, Tite, Paulo Autuori e tantos
outros, venham, passou da hora de discutirmos um plano de
desenvolvimento nacional do futebol, de criarmos regras e licenças para
capacitar os novos treinadores, de formar melhor as nossas jovens
promessas, de desenvolver ou resgatar o estilo de jogo brasileiro, de
proteger as boas práticas de gestão, de punir os infratores, de trazer a
família de volta aos estádios de futebol, etc…
Se a CBF não
promove esse debate, montemos a nossa Seleção fora dos gramados para
desbancar a paralisia da entidade e desatar os nós das amarras políticas
que impedem o desenvolvimento, a transparência e a democracia do nosso
futebol.
Não os
queremos apenas para que deem a cara e tenham a imagem explorada como
aconteceu com alguns de nossos companheiros nos últimos anos. Queremos
sua experiência, sua paixão pelo esporte, sua alma vencedora e
incansável para concretizar mudanças significativas a longo prazo.
Acadêmicos, cientistas, estudiosos também são bem vindos, o conhecimento
de vocês é fundamental na construção de um novo rumo.
À imprensa e
ao torcedor, digo: Não esperem milagres, não acreditem em soluções
mágicas como uma simples troca de comissão técnica ou o aparecimento de
um novo Neymar. Se o planejamento e o trabalho forem executados por
pessoas competentes, apaixonadas e com conhecimento técnico em cada uma
das diversas dimensões do futebol, ainda assim, levaremos pelo menos 10
anos para chegar lá. Uma caminhada de mil milhas começa com um simples
primeiro passo.
A presidenta
Dilma Rousseff está convocando o Bom Senso FC para uma reunião na
sexta-feira da semana que vem para dar prosseguimento à conversa
iniciada no último dia 26 de maio, quando se manifestou solidária com o
movimento e convencida de que o legado da Copa do Mundo para o futebol
brasileiro deve ser a urgente reforma de seus métodos de gestão e a
correspondente democratização de suas práticas.
“Agora que
temos os estádios, como fazer para mantê-los lotados?”, pergunta a
presidenta ao mesmo tempo em que responde: “A grande lição da Copa é a
necessidade de reformar o futebol brasileiro”.
Aécio Neves é
amigo de José Maria Marin e o homenageou, escondido, no
Mineirão. Deu-se mal porque o que escondeu em sua página na internet,
Marin mandou publicar na da CBF. Aécio também é velho amigo de baladas
de Ricardo Teixeira e acaba de dizer que o país não precisa de uma
“Futebras”, coisa que ninguém propôs e que passa ao largo, por exemplo,
das propostas do Bom Senso FC.
Uma agência
reguladora do Esporte seria bem-vinda e é uma das questões que devem
surgir neste momento em que se impõe um amplo debate sobre o futuro de
nosso humilhado, depauperado e corrompido futebol. Mas Aécio é amigo de
quem o mantém do jeito que está. Não está nem aí para os que reduziram
nosso futebol a pó.
* Este artigo é uma compilação de textos extraídos do Blog do Juca Kfouri.
Juca Kfouri assina a quarta-capa do livro de intervenção Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas?. Novo título da coleção Tinta Vermelha da Boitempo, o livro está à venda por apenas R$ 10,00, em versão impressa, e R$ 5,00, em versão eletrônica (ebook). Baixe uma amostra grátis do livro clicando aqui.
Confira o dossiê especial sobre a Copa e legado dos megaeventos, no Blog da Boitempo,
com artigos de Christian Dunker, Bernardo Buarque de Hollanda, Mike
Davis, Ricardo Gozzi, Pier Paolo Pasolini, Flávio Aguiar, Antonio
Lassance, Mouzar Benedito, Mauro Iasi, Edson Teles, Jorge Luiz Souto
Maior, entre outros!
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Juca Kfouri é formado em ciências sociais pela USP, colunista da Folha de S.Paulo e apresentador na rede CBN de rádio e no canal televisivo ESPN-Brasil. Com extensa carreira no jornalismo esportivo, foi diretor das revistas Placar e comentarista esportivo do SBT, da Rede Globo e da TV Cultura. Assina a quarta-capa do livro Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? (Boitempo, 2014) e o prefácio do livro Democracia corintiana: a utopia em jogo (Boitempo, 2002), de Sócrates Brasileiro e Ricardo Gozzi.
Fonte: blog da boitempo
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