setembro 19, 2014

"O Anti-Carlismo no Jardim de Infância", (O Último Baile dos Guermantes)

PICICA: "Desde a reeleição de Jacques Wagner ao governo do estado da Bahia, e mais severamente desde a eleição de ACM Neto (Grampinho) para a Prefeitura de Salvador há dois anos, as esquerdas bahianas (ou ao menos de sua capital) parecem perdidas – e, diante disso, têm feito escolhas ao meu ver infantis, para não dizer clinicamente idiotas."

O Anti-Carlismo no Jardim de Infância

 
Desde a reeleição de Jacques Wagner ao governo do estado da Bahia, e mais severamente desde a eleição de ACM Neto (Grampinho) para a Prefeitura de Salvador há dois anos, as esquerdas bahianas (ou ao menos de sua capital) parecem perdidas – e, diante disso, têm feito escolhas ao meu ver infantis, para não dizer clinicamente idiotas.

Estes fatos não comparecem apenas na lógica eleitoral, partidária ou da política formal, senão também em outros campos, como o da cultura – a Terceira-porém-Primeira Beinal da Bahia não foi outra coisa. É certo que resgatar as Bienais interrompidas pelo Regime Militar (e pelo carlismo) é um importante retorno do recalcado histórico – a questão é antes porquê este formato e a que custo.
A idéia da volta da Bienal da Bahia é acalentada desde quando a Secretaria da Cultura era ocupada por Márcio Meirelles; ainda na gestão dele houve o último Salão MAM-Bahia, que seria extinto para dar lugar a Bienal. Só isso gerou um vácuo de quase 6 anos sem incentivos a novas produções artísticas nos museus do estado e sem política de aquisição de obras, o que o Salão MAM incluia.

Não vejo porque, objetivamente, uma Bienal passaria pela extinção do Salão MAM-Bahia: como política de aquisição de obras era limitada, mas a partir dela poderia se desenvolver uma mais robusta; o fato é que com sua extinção nenhuma política de ampliação de acervo surgiu até hoje. O motivo é subjetivo: os Salões MAM-Bahia surgiram sob a longa gestão de Heitor Reis no Museu de Arte Moderna da Bahia. De Heitor Reis pode se dizer tudo: carlista, utilizava o museu como uma extensão de sua casa (inclusive tomando emprestado algumas obras para colocá-las em sua residência pessoal), e tudo isso é execrável; mas também foi o diretor que tornou o Solar do Unhão o que Lina Bo Bardi gostaria que fosse: concluiu o parque de esculturas, criou a Jam no MAM (retomada de modo mais consistente no atual governo, diga-se), popularizou o espaço – e criou o Salão MAM-Bahia.

É preciso sem dúvida opor-se ao que há de carlismo no carlismo, mas também ver o que há nele de linhas contrárias a sua própria força ideológica; não jogar o bebê fora com a água da bacia, e aliás foi este o mote de Jacques Wagner recém-empossado em seu primeiro governo, mais bem sucedido que o atual. No entanto, se preferiu certo narcisismo pueril de refazer Bienais num formato diferente, estilhaçado e espalhado pela cidade e pelo interior do estado. Ora, se as Bienais já são um problema quando há concentração maciça, que dirá quando se pulverizam! – Valeu a tentativa, mas os princípios que a regeram não garantiriam senão seu fracasso.

* * *

Ao longo de seu primeiro ano de governo municipal, Grampinho investiu pesadamente na pedestralização do bairro da Barra, particularmente em sua orla internacionalmente conhecida. Nem tudo ali foi acertado, mas o efeito é que as ruas no entorno da praia do Porto da Barra e do Farol da Barra estão quase sem automóveis (inclusive com limitação de transito apenas para carros cujos proprietários ali residam ou tenham comércio) e pululando de pessoas, congestionadas de gentes – um efeito de democratização maior do que o alcaide esperaria (ou mesmo gostaria), e que pode e deve ser cooptado pela esquerda.

Mas, o que faz certa esquerda ligada aos movimentos pelo transporte coletivo motorizado gratuito? Ataca a medida com frases de efeito perfeitamente vazias: “Grampinho quer transformar a Barra num condomínio fechado!”, como se permitir que o playboy do Itaigara estacione sua SUV na beira da praia fosse socializante e democratizante; “Grampinho retirou ônibus da Barra pra não ter pobre lá”, quando se chega de ônibus até a Centenário e se anda o último quilômetro até o Porto, tal qual em qualquer metrópole, e quando quem mais tem usado as ruas da Barra livres do automóvel não é a classe média alta deste bairro ou de alhures, senão os mais pobres de lá como da periferia (porque, oh!, a maior parte dos pedestres são de baixa renda…).

Não só a esquerda não vislumbra que mesmo um governo de direita pode tomar medidas que se voltem contra si e que sejam a sua revelia socializantes e democratizantes (mesmo autonomizantes até), como focando inimigos fantasmáticos deixa de atacar os reais: como disse acima, a reforma da Barra foi benéfica para todos (particularmente para as camadas de renda mais baixa), mas tem problemas já e desde antes e outros sugirão – é aí que a esquerda deve mirar, mas ela sequer enxerga. Por exemplo: a desmotorização da orla da Barra hipermotorizou áreas antes amenas, como a Rua Afonso Celso, o que compromete o pequeno mas vivo comércio que há nela; a pedestralização da Barra pode fazer os imóveis alí se tornarem ainda mais caros e mais vazios – e não se trata de querer “habitação popular” no bairro, mas sim de regular os preços dos imóveis para eles se tornarem acessíveis e o bairro mais estável, previsível e denso; a despropriação de lotes vazios, usados apenas para camarotes no carnaval, é crucial mas que destino será dado a eles? e que efeitos isso terá alhures (por exemplo, em Ondina, onde reside de fato a força do Axé-System, os camarotes podem ficar ainda mais robustos – o que seria uma desgraça)?

Perguntas reais, que ao invés de serem do-contra são propositivas e que sobrecarregariam Grampinho, fazendo-o vergar. Só que a esquerda não apenas ignora o específico do espaço enquanto comoditie, para usar uma expressão de Henri Lefebvre e Yves Lacoste; trata-se de que no Brasil a esquerda perdeu a sintaxe da esquerda: uma esquerda digna do nome quer vergar o poder, por dentro se possível, por fora se necessário; a nossa esquerda atual quer estar no poder para, sem vergá-lo, usá-lo “para o bem” – e estando fora do poder, não sabe o que fazer para evitar o pior.

* * *

Tanto assim é que só isso explica a escolha do poste Rui Costa para candidatura do PT ao Governo do Estado. Não se trata apenas de que ele não se elegeria – já há relatos de uma “virada” de última hora no interior, o que é típico do estilo de estratégia política (bastante judaica, aliás) do Galego. Se trata de que Rui vencendo, talvez seja uma vitória de Pirro.

Certo que a chapa da reeleição de Wagner, com Otto Alencar de vice, já tinha graves contaminações carlistas (enquanto a de Paulo Souto já quase nada tinha de herança do Malvadeza então) – o que não nos impediu de apoiar e votar nele: Wagner é um político forte o suficiente para fazer uma certa barreira a estas contaminações ainda que internas, Rui não; seus candidatos ao senado então, Lídice da Mata e Walter Pinheiro, vinham de uma esquerda histórica – apenas Otto era um problema, portanto.

E a chapa de Rui Costa é um hospedeiro do carlismo zumbi, ora parasitário: seu vice, João Leão, se pudesse ressuscitava ACM em sessão de mesa branca; e a campanha por Otto como senador se refere a feitos do mesmo quando foi vice-governador do mais caricato dos carlistas, César Borges. Ao mesmo tempo, se olhamos a chapa de Paulo Souto, dela se pode dizer tudo, menos que há carlismo ali: seu candidato ao senado, posto que abjeto, foi um dos mais longevos articuladores do fim do carlismo (é dele a frase, quando da eleição de Wagner em 2006, sobre o prazer de derrotar ACM ainda em vida), Geddel Vieira Lima; seu vice é um anti-carlista histórico que participou da campanha lendária de Waldir Pires ao governo do estado logo após a reabertura democrática.

Não se quer com isso dizer que mais vale a pena, agora, votar na direita em nome de não se ser carlista; antes, que a esquerda, institucional ou não, regrediu e está perseguindo fantasmas: o Cabeça Branca afinal está morto há quase uma década, não deixa herdeiros (sequer Grampinho é propriamente carlista ou quer a herança do avô), e morreu depois de já ter morrido, sadeanamente. Menos ideologia, menos mistificação, e mais visada concreta na realidade e no jogo político não faria mal nenhum, tanto mais por ser este o pleito em que pela primeira vez muita gente que era criança ainda, quando a Bahia fez sua saída tardia da ditadura, agora passa a votar (e não se perca de vista que a geração que fez as Jornadas de Junho de 2013 foi a que cresceu sob Lula e com Lula, mas não tinha chegado a votar nele porque não tinha idade para tal e só agora começa a votar).

Nenhum comentário: