março 29, 2006

A crise da palavra

A crise da palavra precede a atos de ruptura, muito mais graves na ordem institucional. Foi assim no passado, no presente está sendo. Nos dias de hoje os sinais dessa crise estão aparecendo, só não vê quem não quer. Pronunciamentos de representantes da ordem institucional não repercutem mais do que um dia, quando repercutem. Nesta semana juizes do Supremo alertaram para o uso indiscriminado dos pedidos de quebra de sigilo bancário e telefônico, pelas CPI’s, na tentativa de devassar a vida dos adversários políticos, fugindo dos objetivos para as quais essas CPI’s foram criadas. Enquanto isso, questões nevrálgicas da vida nacional ficam à espera do trabalho (muito bem remunerado) de todos os parlamentares.

Como personagens secundários dessa encenação, profissionais da imprensa e ela mesma, a imprensa, intensificam o combate para reduzir a pó todo aquele que num futuro próximo possa ter o menor poder de retomada da ordem democrática. E esse ainda não é o pior dos mundos, ele ainda está por vir.

O escândalo da semana, ou um deles, foi a dança da deputada de São José dos Campos, na Câmara Federal, depois da absolvição de seu colega de partido. A exacerbação desse ato impensado, imbecil, torpe, leva o cidadão menos avisado pensar tratar-se de uma tragédia nacional, um abuso, um desrespeito irreparável. Não é! Os alarmistas agem como se o Congresso Nacional fosse um lugar de respeito. Os alarmistas sabem que a grande maioria dos deputados, ao longo das últimas décadas, não ajudou a construir ali um templo de virtudes. Não exatamente ali, mas em outra casa, no Senado, meses atrás, o conhecido ACM, diante dos microfones, cobrava explicações dos senadores do PT sobre o crime de mando, envolvendo o prefeito Celso Daniel, induzindo o expectador a pensar que o partido em questão tinha responsabilidade sobre o feito. O ACM pedindo esclarecimentos sobre mortes ocorridas, envolvendo familiares? Será que ouvi bem? Esclarecimentos sobre crimes, pedido por ACM? Será que ouvi bem? Isso me parece um paradoxo dos mais graves. Parte importante da história nacional, envolvendo mortes pouco esclarecidas precisa vir à tona um dia e virá, eu sei. Esperar por esse dia a gente espera, agora agüentar a infâmia é outra coisa, eu não agüento, por isso falo, melhor dizendo escrevo.

Colunistas blogueiros agem no dia-a-dia como cabos eleitorais desses que são pagos para escrever ou plantar notícias, inventá-las se necessário. E como tem sido necessário inventar notícias! Neste sábado, como tantos, um blogueiro escreve, “a oposição vai intensificar as criticas ao governo”. O tom é indisfarçável, na verdade quer dizer, “nós vamos intensificar as críticas ao governo”. Um outro articulista, mais uma vez, demite o Ministro da Fazenda, dando hora e detalhes do que está por vir. Não vai acontecer nada disso, e tudo continuará como está, ou seja, parte dessa imprensa vendida, repercutindo factóides, muitos deles inventados, para manter o clima de terror que estamos começando a viver.

Triste Bahia, escreveu um dia o poeta Gregório de Mattos,

Triste Brasil, choramos nós amanhã.

Um outro poeta, também baiano, cantou: poetas, seresteiros, namorados correi, é chegada hora de viver e cantar, talvez as derradeiras noites de luar.

O Brasil sem luz e sem poesia se avizinha, desta feita com a ajuda de parcela significativa de artistas, poetas, jornalistas, blogueiros, que pensam tomar o céu de assalto. Triste Brasil.

Jair Alves – dramaturgo - Brasil

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