setembro 10, 2015

O doutorado informal e a possível mergulhaprendizagem. Por Alex Bretas Vasconcelos (OUTRAS PALAVRAS)

PICICA: "Ao contrário da prática acadêmica convencional, ela requer pesquisadores envolvidos afetivamente com seus temas, dispostos a compartilhar cada descoberta e preocupados com sentido ético de sua aplicação"

O doutorado informal e a possível mergulhaprendizagem


Favim.com-804

Ao contrário da prática acadêmica convencional, ela requer pesquisadores envolvidos afetivamente com seus temas, dispostos a compartilhar cada descoberta e preocupados com sentido ético de sua aplicação 

Por Alex Bretas

Imagine você:

2-1
Você não é só você! Você está inserido num emaranhado de conexões de pessoas que se relacionam contigo, entre si e com outras pessoas:

2-2
Ao ser afetado pelo exemplo do outro, você olha para os lados, enche o pulmão de ar e… toma coragem para mergulhaprender:


2-3
Você persiste no seu mergulhaprender, fazendo disso um processo contínuo, e vai encontrando parceiros no caminho:

2-4
E, a cada mergulho, você se sente mais potente para partilhar sua história, suas sabedorias e entregar ao mundo os frutos da sua jornada.

Você se transforma a cada vez que compartilha seus aprendizados, e isso impacta quem te rodeia. Essas pessoas, por sua vez, começam a influenciar outras:

2-5
Até que, então, mais alguém se inspira pelo seu exemplo, respira fundo e começa a mergulhaprender:

2-6
E assim foi o jeito que encontrei de apresentar visualmente o caminho do doutorado informal, partindo da questão:

Como poderíamos fundar uma nova compreensão de aprendizagem significativa a partir do doutorado informal e de outras referências inspiradoras? No post “O que é um doutorado, segundo quem?”, eu trouxe a explicação de Matt Might a respeito do conceito de doutorado. Procurei utilizar o mesmo método de criar uma sequência simples de imagens, porém destacando o que acredito serem alguns dos principais elementos do doutorado informal a partir de uma metáfora.
Mas, o que é doutorado informal?

O mergulho como metáfora do aprender

É preciso ousadia para mergulhar. Essa coragem vem da curiosidade, de se perguntar: o que será que tem neste oceano? Como será a visão a partir de lá?

Como eu me sentiria mergulhando? Qual deve ser a sensação? Estar genuinamente curioso é um dos pontos-chave do doutorado informal e de vários outros caminhos de aprendizagem que apostam radicalmente na autonomia.Essa ousadia, por outro lado, também tem sede de experiência. Mergulhadores iniciantes anseiam pelo momento em que poderão, finalmente, vivenciar o fundo do mar. A conexão com a ação é explícita desde o início. Isso demanda disposição para sair da zona de conforto e experienciar uma outra forma de perceber e estar no mundo, exatamente como ocorre na aprendizagem.

Após a experiência do primeiro mergulho, é como se a curiosidade se transformasse em inquietação: uma jornada se inicia. A cada imersão, adentramos num espaço novo com perguntas, medos e vontades; a cada retorno à superfície, temos algumas respostas e perspectivas novas, mas ainda mais perguntas. Visto sob essa ótica, mergulhar guarda uma importante semelhança com aprender: ambos são alimentados pela curiosidade, mas acabam por gerar mais vontade de saber. O movimento de imergir-emergir revela, então, a recursividade do processo de aprendizagem — voltar à terra firme nos dá mais “coceira nas ideias” para mergulhar novamente, e mais fundo.

A jornada de se descer cada vez mais no fundo do mar não é uma aventura individual. É preciso sempre que haja ao menos uma dupla que acompanha o mergulhador para checar o equipamento, ajudar a planejar o mergulho e até mesmo doar seu ar caso algo dê errado. Além disso, a dupla vivencia a experiência junto, unindo-se ao seu parceiro para apreciar aquele novo cenário e compartilhar as descobertas feitas.

Parceiros de jornada são essenciais para nos aventurarmos na ousadia de aprender a descobrir e a ver mundos velhos com lentes novas. No doutorado informal, precisamos de gente perto que esteja atenta e que seja capaz de nos afetar. Precisamos de amigos comprometidos com nosso processo de mergulhaprendizagem. “Quando vamos até o fundo do mar, descobrimos que ali jamais poderíamos viver sozinhos. Então, levamos mais alguém. E esta pessoa, chamada de dupla, companheiro ou simplesmente amigo, passa a ser importante para nós. Porque, além de poder salvar nossa vida, passa a compartilhar tudo que vimos e sentimos. E em duplas, passamos a ter equipes, e estas passam a ser cada vez maiores e mais unidas. E assim entendemos que somos todos velhos amigos mesmo que não nos conheçamos. E este elo que nos une é maior do que todos os outros que já encontramos. E isso faz com que nós, mais do que amigos, sejamos irmãos. Faz de nós, mergulhadores”. (Carta aos Mergulhadores — Jacques Yves Cousteau)

Aprendizagem significativa

David Ausubel, um pesquisador norte-americano, propôs na década de 60 que o reconhecimento dos conhecimentos prévios dos aprendizes é um fator-chave para estimulá-los a aprender. Partir da potência e das realidades de cada um para criar oportunidades de reconstruir e recombinar saberes seria, então, a missão dos espaços de aprendizagem. Ausubel propôs seu conceito de aprendizagem significativa no contexto escolar, mas não é difícil perceber a pertinência do que ele afirma não somente para crianças e jovens em escolas, como também para todo e qualquer ser humano.
Não estando restrita à ideia de Ausubel, mas se alimentando dela, uma nova compreensão de aprendizagem significativa universal pode basear-se nos elementos do mergulhaprender: curiosidade, experienciação, recursividade (processo) e cooperação. O doutorado informal — que é o que estou fazendo neste momento com a Educação Fora da Caixa — passa a representar, então, uma jornada de mergulhaprendizagem que se sustenta a partir da livre escolha do doutorando, do que faz sentido para ele.

Reconhecendo sua curiosidade, inquietação ou propósito, qualquer pessoa pode iniciar uma jornada em busca de novas lentes e descobertas e entregar para o mundo algo que seja verdadeiramente significativo para si e para os outros. Em qualquer área, e da forma que for mais recompensador a cada um. O doutorado informal, entendido como uma aventura de mergulhos e aprendizagens, também carrega consigo outro elemento essencial: o empoderamento. Acreditar que o que já somos e sabemos não é só o bastante, mas bastante, é fundamental para mergulharmos rumo aos aprendizados e experiências que queremos — o que retoma a teoria de Ausubel. O mais interessante é que se sentir empoderado (eu posso!) não é somente um passo para se lançar num doutorado informal, é também uma consequência do processo. A cada pequena partilha que o doutorando entrega para o mundo, seu empoderamento e sua emancipação crescem.

É como Joseph Jacotot, o mestre ignorante de Jacques Rancière, descobriu: a partir do princípio da emancipação, aprender se torna uma busca incessante. Mas, para a chama permanecer acesa, é preciso não embrutecer. Nessa busca do mergulhaprender, cada gota precisa ser de sabedoria. André Camargo, numa resposta ao meu texto “O que é um doutorado, segundo quem?” é quem diz: “Pensar a formação humana a partir do cultivo da sabedoria envolve ir além mesmo de buscar um conhecimento vivo. Supõe transferir o foco não apenas da informação para o conhecimento, e do ensino para a aprendizagem, mas do conhecimento para a legitimidade desse conhecimento — como usamos o que conhecemos. Em que medida o conhecimento que conquistamos serve à vida? Eis a questão. Afinal, a história do século XX é a história de como o conhecimento sem sabedoria está nos levando a um colapso sem precedentes”.

A noção de sabedoria, de um conhecimento com consciência conecta-se ao ideal da ecopedagogia: transformar as relações humanas, sociais e ambientais que vivemos hoje. E é bem por aí que os doutorandos informais precisam seguir: de doutores dispostos a deixar tudo como está já temos o suficiente. O caminho, além de passar pela curiosidade, experienciação, persistência e cooperação, também vai nos requerer (e despertar) um punhado de empatia.

———

Diversas ideias contidas neste ensaio partiram de contribuições de outras pessoas que atenderam ao chamado da escrita colaborativa. Minha gratidão aos coautores: Milena Franceschinelli, Sérgio Araújo, Jessé Pacheco, Elena Oliveira, Caroline Bucker e André Camargo. Valeu, gente!





Alex Bretas Vasconcelos

Fonte: OUTRAS PALAVRAS

Nenhum comentário: