setembro 21, 2015

50 anos de solidão, dor e de uma guerra sem fim na Colômbia. Entrevista especial com Francisco De Roux (IHU)

PICICA: "Na Colômbia literária de Gabriel García Márquez, houve um tempo em que os Macondo sequer recordavam os Buendía, um tempo em que o horror da guerra havia passado há gerações. Na Colômbia da realidade atual, os 50 anos de guerra entre militares, paramilitares e guerrilha seguem ininterruptos e contabilizam a gigantesca cifra de 7 milhões de vítimas e quase 2 mil massacres. Para tentar dar um fim aos conflitos armados na Colômbia, representantes do governo colombiano e lideranças das Forças Armadas Revolucionários da Colômbia – FARCs têm se reunido em Havana, sob mediação de Cuba e Noruega, para chegarem a um acordo.

“O que está ocorrendo em Havana, Cuba, é um avanço a passos fortes, o que não correria com a mesma tranquilidade em meu país”, avalia Francisco De Roux, em entrevista concedida pessoalmente à  IHU On-Line. Entretanto, ele ressalta que a resolução do problema é muito mais complexa e que sofre intensa pressão. “Na Colômbia há um grande debate sobre Havana, a oposição política se opõe ao processo que está ocorrendo lá e por isso surgem muitas perguntas do que pode acontecer no dia em que os colombianos, por meio de um referendo, aprovarem ou rejeitarem o Acordo de Havana. Há um grande esforço em persuadir a população para apoiar este movimento, mas não temos certeza de que o país vai apoiar as decisões tomadas. Esta é a dificuldade mais importante”, explica.

Em meio a todas as dificuldades desta negociação, surge uma figura importante que pode ajudar na mediação dos acordos, o Papa Francisco, que desembarcou neste final de semana em Cuba. “Inclusive agora, com a visita do Papa, há muito interesse dos cubanos de colocá-lo à mesa de negociações para que ele contribua com o processo de paz na Colômbia”, considera De Roux. “A Igreja tem tido um papel muito importante com relação às vítimas em Havana. Certamente ela promoveu um salto qualitativo nas conversações quando chegaram ao local das conversas 60 vítimas e se apresentaram diante de todos. Eram vítimas das guerrilhas, vítimas do Estado e vítimas dos paramilitares. Elas demonstraram o que foi a dor humana na Colômbia”, ressalta.

Mesmo o Brasil estando imerso em uma conjuntura crítica, de perda de credibilidade no cenário mundial, Francisco De Roux considera nosso país um exemplo para enfrentar os desafios no continente. “Nós colombianos temos muita esperança no Brasil. Cremos que o Brasil viveu momentos difíceis, como em toda a América Latina, mas é um símbolo para todos nós pelo grande esforço que fez para superar a pobreza. Esperamos que ele encontre caminhos muito sérios para superar a corrupção e esperamos que proteja a Amazônia”, prospecta o entrevistado."

50 anos de solidão, dor e de uma guerra sem fim na Colômbia. Entrevista especial com Francisco De Roux

“O que está ocorrendo em Havana, Cuba, é um avanço a passos fortes, o que não correria com a mesma tranquilidade em meu país”, avalia Francisco De Roux.

Foto: www.vanguardia.com
Na Colômbia literária de Gabriel García Márquez, houve um tempo em que os Macondo sequer recordavam os Buendía, um tempo em que o horror da guerra havia passado há gerações. Na Colômbia da realidade atual, os 50 anos de guerra entre militares, paramilitares e guerrilha seguem ininterruptos e contabilizam a gigantesca cifra de 7 milhões de vítimas e quase 2 mil massacres. Para tentar dar um fim aos conflitos armados na Colômbia, representantes do governo colombiano e lideranças das Forças Armadas Revolucionários da Colômbia – FARCs têm se reunido em Havana, sob mediação de Cuba e Noruega, para chegarem a um acordo.

“O que está ocorrendo em Havana, Cuba, é um avanço a passos fortes, o que não correria com a mesma tranquilidade em meu país”, avalia Francisco De Roux, em entrevista concedida pessoalmente à  IHU On-Line. Entretanto, ele ressalta que a resolução do problema é muito mais complexa e que sofre intensa pressão. “Na Colômbia há um grande debate sobre Havana, a oposição política se opõe ao processo que está ocorrendo lá e por isso surgem muitas perguntas do que pode acontecer no dia em que os colombianos, por meio de um referendo, aprovarem ou rejeitarem o Acordo de Havana. Há um grande esforço em persuadir a população para apoiar este movimento, mas não temos certeza de que o país vai apoiar as decisões tomadas. Esta é a dificuldade mais importante”, explica.


Em meio a todas as dificuldades desta negociação, surge uma figura importante que pode ajudar na mediação dos acordos, o Papa Francisco, que desembarcou neste final de semana em Cuba. “Inclusive agora, com a visita do Papa, há muito interesse dos cubanos de colocá-lo à mesa de negociações para que ele contribua com o processo de paz na Colômbia”, considera De Roux. “A Igreja tem tido um papel muito importante com relação às vítimas em Havana. Certamente ela promoveu um salto qualitativo nas conversações quando chegaram ao local das conversas 60 vítimas e se apresentaram diante de todos. Eram vítimas das guerrilhas, vítimas do Estado e vítimas dos paramilitares. Elas demonstraram o que foi a dor humana na Colômbia”, ressalta.


Mesmo o Brasil estando imerso em uma conjuntura crítica, de perda de credibilidade no cenário mundial, Francisco De Roux considera nosso país um exemplo para enfrentar os desafios no continente. “Nós colombianos temos muita esperança no Brasil. Cremos que o Brasil viveu momentos difíceis, como em toda a América Latina, mas é um símbolo para todos nós pelo grande esforço que fez para superar a pobreza. Esperamos que ele encontre caminhos muito sérios para superar a corrupção e esperamos que proteja a Amazônia”, prospecta o entrevistado.


Francisco De Roux é um colombiano que passou grande parte da vida na região do Magdalena Media, uma localidade de intenso conflito armado na Colômbia. É fundador do Programa de Desenvolvimento e Paz de Magdalena Medio. Graduou-se em Filosofia e Letras na Universidad Javeriana e é mestre em Economia pela Universidad de Los Andes e também pela London School of Economics – LSE (Inglaterra). É doutor em Economia pela Université Paris-Sorbonne (França). É jurado do Prêmio Nacional da Paz (Colômbia), organizado pela Fundación Friedrich Ebert.


Francisco De Roux participou do III Colóquio Internacional IHU, realizado nos dias 17 e 18 de setembro de 2015, na Unisinos, que teve como tema Justiça, Memória e Perdão.


Confira a entrevista.

De Roux durante a palestra no IHU
Foto: Ricardo Machado
IHU On-Line – Como estão as negociações entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARCs?
 
Francisco De Roux – As negociações avançam de uma maneira muito positiva. Foram encerrados os três primeiros acordos: o rural, que diz respeito à transformação do campo na Colômbia, origem da violência no país; o acordo sobre a participação e transformação política para incorporar os que tomaram as armas contra o Estado; e o acordo sobre a produção da cocaína para que deixem de trabalhar para a máfia e trabalhem para o governo com o fim do narcotráfico. Hoje em dia se discute muito intensamente, com a presença dos militares, assuntos derradeiros sobre a reparação às vítimas, sobre a segurança aos ex-combatentes, depois que deixarem a guerra, e também sobre o futuro do exército depois do conflito, o que corresponde, também, sobre como será o fim dos paramilitares. Esta é uma parte central na Justiça Restaurativa.

Havana


O que está ocorrendo em Havana, Cuba, é um avanço a passos fortes, o que não correria com a mesma tranquilidade em meu país. Na Colômbia há um grande debate sobre Havana, a oposição política se opõe ao processo que está ocorrendo lá e por isso surgem muitas perguntas do que pode acontecer no dia em que os colombianos, por meio de um referendo, aprovarem ou rejeitarem o Acordo de Havana. Há um grande esforço em persuadir a população para apoiar este movimento, mas não temos certeza de que o país vai apoiar as decisões tomadas. Esta é a dificuldade mais importante.


IHU On-Line – Há saída para este paradoxo?


Francisco De Roux – Sim, no sentido de que atualmente as organizações populares, a esquerda colombiana e o partido liberal têm ações contínuas no país para mobilizar as pessoas sobre a necessidade de aprovar o acordo. Porém esta é uma saída complexa, que exige muito esforço político para garantir que haverá triunfo.


IHU On-Line – O senhor tem participado das negociações em Cuba?


Francisco De Roux – Eu não participei das negociações como “negociador”, mas estava em Havana como convidado de ambas as partes, a guerrilha e o Estado, para acompanhar e selecionar as vítimas que iriam a Havana. Também houve momentos em que eu conversei com a guerrilha como representante do Estado. Entretanto eu nunca fui um negociador. Os negociadores são, unicamente, as partes que estão na guerra - a guerrilha e o Estado colombiano. São somente eles que negociam.

“Há um grande esforço em persuadir a população para apoiar este movimento, mas não temos certeza de que o país vai apoiar as decisões tomadas”

IHU On-Line – Qual tem sido o papel de Cuba neste processo?


Francisco De Roux – Cuba tem sido muito importante, é um grande facilitador do processo. Tem prestado uma logística extraordinária para realizar os encontros, tem sido muito respeitoso com o governo colombiano e com a guerrilha. Está muito comprometido com que as coisas funcionem, juntamente com a Noruega. Sem dúvida, esses dois países têm cumprido os papéis mais importantes e mais difíceis, como, por exemplo, o que ocorreu quando se suspendeu o cessar fogo unilateral das FARCs e houve muitas dificuldades na Colômbia. Nesse episódio, Cuba foi muito importante para que as negociações continuassem. Inclusive agora, com a visita do Papa, há muito interesse dos cubanos de colocá-lo à mesa de negociações para que ele contribua com o processo de paz na Colômbia.


IHU On-Line – Além do papel de Bergoglio, qual tem sido a participação da Igreja no processo?


Francisco De Roux – A Igreja tem tido um papel muito importante com relação às vítimas em Havana. Certamente ela promoveu um salto qualitativo nas conversações quando chegaram ao local das conversas 60 vítimas e se apresentaram diante de todos. Eram vítimas das guerrilhas, vítimas do Estado e vítimas dos paramilitares. Elas demonstraram o que foi a dor humana na Colômbia.


Por outra parte, os bispos da zona de guerra foram muito contundentes ao se apresentarem. Refiro-me aos que estavam nas zonas de conflito. É importante destacar que na Colômbia não há guerra nas grandes cidades. Pode-se estar em Bogotá, Cali ou Barranquilla e não se percebe a guerra. Mas os bispos que trabalham no campo têm sido muito importantes pela busca da verdade frente ao exército, aos paramilitares e à guerrilha, sobretudo para apresentar a dor das pessoas. A Conferência Episcopal foi mais discreta, pois nos discursos dos bispos ficou claro que eles apoiam os processos, mas colocam pontos de vista distintos sobre o processo.


IHU On-Line – Como o Papa pode ajudar no processo?


Francisco De Roux – O Papa pode ajudar muitíssimo. Eu acredito que a melhor maneira é que ele atue internamente no processo, de forma parecida, ou similar, como agiu na reaproximação de Cuba e dos Estados Unidos. Bergoglio é um político, é um homem que capta os problemas. É muito importante que o Papa consiga persuadir as FARCs a fim de que ela dê passos mais consistentes para ganhar a confiança dos colombianos. Por exemplo, liberar todos os meninos que ainda estão nos exércitos das FARCs e entregar os cadáveres de pessoas mortas nos sequestros. Pode também pedir ao governo que tenha mais audácia para avançar à paz. Pode também falar à oposição política da Colômbia, porque ela é católica e pode mobilizá-la para que contribua efetivamente para a paz do país.


IHU On-Line – Além dos pontos já citados, o que envolve a negociação entre as FARCs e o governo?


Francisco De Roux – Pouco a pouco, o que era uma negociação entre as FARCs e o governo, converteu-se em um processo para terminar definitivamente o conflito armado interno da Colômbia. Tudo está em jogo. Não se discute somente as razões pelas quais as FARCs devem largar as armas, mas também o fim do paramilitarismo. Tentando explicar isso com clareza, é preciso saber que o processo de construção da paz tem dois momentos: o primeiro se chama Peace making, que trata de fazer as pazes, aquilo que está ocorrendo em Havana, para que os atores que estão lutando parem de guerrear, que tirem a guerra da política; em seguida vem a segunda etapa, Peace building, que é a construção da paz e que ocorrerá em nível territorial.


Peace making


Uma questão importante é que no processo de Peace making o grupo que está negociando não pode tocar no modelo da constituição colombiana, pois é feito por poucas pessoas que não têm legitimidade para fazer transformações no sistema. No segundo processo, a Colômbia precisará fazer uma transformação profunda para enfrentar a corrupção. O problema agrário ainda é muito profundo e precisa ser resolvido para enfrentar o problema da desigualdade econômica, de modo que garanta a transformação da política e da justiça. Talvez por isso haja todas estas lutas políticas em nível macro na Colômbia.


IHU On-Line – Do que se trata a Justiça Restaurativa? Como ela pode ajudar nesse processo de Peace building?


Francisco De Roux – Todos os que estiveram na guerra e todos os que contribuíram para que ela existisse causaram muitos custos ao país e essas despesas precisam ser reparadas. A reparação destes custos é necessária para que não fique um sentimento de impunidade na Colômbia. Se a impunidade prevalece, não há segurança jurídica nos acordos e no futuro eles podem ruir, por isso é necessário dar garantias jurídicas aos acordos. Entretanto, não queremos uma justiça de direito penal punitiva, simplesmente porque desse modo não seria possível alcançar a paz. Necessitamos de um tipo de justiça que permita aos que estiveram na guerra, em vez de colocá-los nas prisões, o pagamento dos custos ou a contribuição para a superaração dos custos que causaram, implicando na restauração do país de uma forma muito rigorosa.


As bases jovens que estão nos diferentes grupos guerrilheiros podem trabalhar, por exemplo, no desenvolvimento agrário, mas requerem formação e acompanhamento, o que se pode fazer de uma forma rigorosa durante períodos estabelecidos, participando da reconstrução do país. O mais difícil nesta reconstrução é a Justiça Restaurativa para os grandes militares, os grandes chefes do exército, que certamente precisarão ter algumas restrições à liberdade, sem ser, necessariamente, a prisão, mas, sim, a definição de zonas em que poderão se deslocar. A Justiça Restaurativa tem que ser para todos, não somente para os guerrilheiros, mas também para os paramilitares, os militares, os políticos, os empresários que financiaram a guerra.


“Sem deixar claro o que foi feito e sem definir responsabilidades é muito difícil de avançar”

IHU On-Line – De que maneira esse tipo de justiça pode ajudar na construção da memória e na reconciliação da sociedade?


Francisco De Roux – A memória é um ponto central e absolutamente importante na Justiça Restaurativa. Primeiro porque esta é a forma de compreendermos o mal que fizemos uns aos outros. Segundo porque, se não há verdade, e a memória traz a verdade, é absolutamente impossível que se aceite uma reconciliação das vítimas e, posteriormente, o perdão. Terceiro porque é necessária a memória para que se possam aceitar as responsabilidades.


Sem deixar claro o que foi feito e sem definir responsabilidades é muito difícil de avançar, o que não significa que todos devam ir presos. Essas medidas são necessárias para para que não haja repetição, para que o horror e a barbárie permaneçam vivos e que nunca mais voltem a ocorrer.


IHU On-Line – Como a Justiça Restaurativa pode ajudar na consolidação da democracia na Colômbia?


Francisco De Roux – Trata-se de fazer uma justiça restaurativa a partir dos territórios. O que se pretende é não estabelecer um governo central para todo país, mas, sim, que haja nos distintos territórios governos com intensa participação popular, com uma grande presença das vítimas, para que se reconstruam as coisas. Sem essa reconstrução regional não creio que seja possível avançar democraticamente.


IHU On-Line – O senhor sofreu ameaças de morte? Em que contexto?


Francisco De Roux – Sim, claro que sim. Eu estou envolvido com meu trabalho faz muito tempo. A primeira vez que fui ameaçado, em 1990, foi quando mataram um amigo meu do Movimento 19 de abril - M19. Embora nós dois fôssemos os alvos, eu consegui escapar e sair do país. Isso aconteceu outras tantas vezes, mas isso é normal no tipo de trabalho que eu faço.


IHU On-Line – E essas ameaças vêm de onde, do governo ou das FARC?


Francisco De Roux – No tempo de Carlos Pizarro Leongómez era um momento muito complicado. Havia uma relação de extrema animosidade entre as guerrilhas e os paramilitares e militares. Havia muita desconfiança de todas partes e eu era ameaçado por todos.


IHU On-Line – Como é a relação hoje com esses grupos?


Francisco De Roux – Hoje a situação é muito mais tranquila, senão tranquila, é, pelo menos, de maior confiança. Mas não sabemos o que pode ocorrer a qualquer momento.


IHU On-Line – Há quantos anos o senhor trabalha com esse projeto de paz?


Francisco De Roux – Já faz muitos anos, creio que desde 1982. A guerra na Colômbia tem 50 anos e eu a conheci desde o princípio, mas certamente estive trabalhando mais diretamente junto com meus companheiros jesuítas, do Centro de Investigación y Educación Popular – Cinep, desde 1982.


IHU On-Line – Qual a expressividade das FARC na política colombiana?


Francisco De Roux – A percepção geral da opinião pública com relação às FARC é muito negativa. Um dos grandes desafios das FARC é ganhar a confiança da população. Principalmente por conta dos sequestros que praticaram. Ela fez milhares de sequestros e isto produziu uma rejeição muito grande das pessoas. Porém, muito mais violentos foram os paramilitares. O paradoxo é que o povo é mais compreensivo com os paramilitares que com as FARC. Elas eram um grupo revolucionário que lutava por mudança social, mas a confiança do povo neles é muito pequena, exceto pelos movimentos campesinos e alguns pequenos grupos de esquerda que a respaldam. Atualmente as FARC devem ter o apoio de mais ou menos 1% da população, não mais.


IHU On-Line – A quem os paramilitares serviam?


Francisco De Roux – Eles trabalharam muito fortemente para o governo. Eles começaram a aparecer no começo dos anos 1980, tiveram uma grande articulação com o governo nos anos 1990, o que continuou até o ano 2005. A partir daí o exército começou a tomar distância dos paramilitares e da polícia. Certamente ficaram resquícios, mas a parte mais dura das relações do Estado com o paramilitarismo foi de 1995 a 2005.


IHU On-Line – Hoje esses grupos não têm mais expressividade?


Francisco De Roux – Atualmente o paramilitarismo ocorre criminalmente, chama-se Bandas Emergentes Criminales – Bacrim, e há muita intranquilidade de que haja nesses grupos a presença do verdadeiro paramilitarismo. Eles seguem matando pessoas e estão muito vinculados com a máfia, que é outro grupo importante no caso colombiano. A presença da máfia e da cocaína são aspectos centrais em todo esse processo, porque foi ela quem financiou os paramilitares e a guerrilha.

 


“Acredito que a solução militar é um erro e que ela não tem servido para nada”

IHU On-Line – Caso o acordo entre o governo e as FARC seja fechado, como ficará a questão das drogas na Colômbia?


Francisco De Roux – Em caso de fechamento do acordo, as FARC passam a participar da erradicação manual do cultivo de cocaína e na luta contra os barões do narcotráfico. Isso é o que está previsto. O problema é que o narcotráfico é uma coisa muito mais complexa. Penso que deve haver alguma legalização da coca. Que a torne legal, que se cobre um imposto forte ao cultivo e ao consumo e os recursos, por sua vez, devem ser usados em campanhas profundamente educativas. Acredito que a solução militar é um erro e que ela não tem servido para nada.


IHU On-Line – Como o senhor avalia o fechamento da fronteira entre Colômbia e Venezuela e a expulsão do colombianos?

Francisco De Roux – Me parece um erro por parte de Nicolás Maduro, porque os problemas de fronteira são muito delicados. Na fronteira há a guerrilha colombiana, os paramilitares colombianos e o exército venezuelano. A fronteira é uma localidade de muito intercâmbio de gasolina, que vem da Venezuela muito barata e outros produtos que são subsidiados pelo governo venezuelano e que são vendidos na Colômbia. Ao mesmo tempo a fronteira é muito viva, há famílias vivendo nos dois lados e que convivem diariamente, são os chamados colombo-venezuelanos. Este é um desafio muito sério e região precisa se constituir com uma região de fronteira, por isso estou convencido que a solução não é fechá-la.


Venezuela


O que ocorre é que a situação da Venezuela é muito difícil. Eu penso que o modelo político venezuelano destruiu o mercado, destruiu os incentivos e as motivações econômicas para fazer um país avançar. Além disso, destruiu a moeda local. Acredito que se pode fazer socialismo sem necessidade de destruir o mercado.


Por outra parte, a corrupção alcançou níveis que não conhecemos, muito maiores que aqueles conhecidos no Brasil ou na Colômbia, sobretudo por conta de um domínio militar sem controle. A presença de muitas armas no país elevou a violência, principalmente nos bairros pobres, entre os jovens.


Experiência viva


Eu estive na Venezuela há, mais ou menos, 15 dias. O que vemos é um país extraordinariamente rico, mas onde tudo está escasso. Há filas de pessoas buscando alimentos e muitas lojas fechadas, isso é uma coisa impressionante. O que ocorre com a gasolina é um absurdo, eu precisei viajar de carro por lá e percorri 700 quilômetros com meio centavo de dólar (sic). Por que digo que há uma destruição da moeda? Porque o dólar no câmbio oficial custa oito bolívares, mas na rua, no câmbio irregular, uma pessoa recebe até 500 bolívares por um dólar.



“Nós colombianos temos muita esperança no Brasil”

 


Fronteira


Isto faz com que a fronteira com a Colômbia seja uma coisa tão complicada, porque com uma gasolina tão barata é normal que todos os colombianos queiram comprá-la. Como há escassez de coisas na Venezuela, o governo está subsidiando os alimentos. E os baracheros [a forma como eles designam os contrabandistas], que são as pessoas que ficam na fila e acumulam bens de consumo, não somente os vendem na Venezuela, mas também no Brasil e na Colômbia. Qualquer um pode ter o que quiser, porém muito mais caro. Ainda assim, para os colombianos é muito mais em conta comprar itens dessas pessoas. Os venezuelanos, porém, têm toda a razão de reclamarem, porque isso é muito injusto.


Na Colômbia, exatamente como ocorreu no Brasil, com a queda dos preços do petróleo, o peso colombiano se desvalorizou com relação ao dólar. Agora, no Equador as pessoas têm dólar e todos querem comprar produtos colombianos porque estão desvalorizados com relação ao dólar. O fato é que nós, colombianos, estamos felizes porque podemos produzir mais para vender aos equatorianos. Os venezuelanos, que deveriam estar felizes porque queremos comprar suas coisas, estão furiosos. Mas isso é evidente porque eles não têm fábricas e nós estamos tomando o pouco que eles têm, por isso a crítica é razoável. Entretanto, estou convencido de que fechar a fronteira é um erro, um grande erro, que tem causado muita dor humana.


IHU On-Line – Como está a questão dos refugiados?


Francisco De Roux – Há 1.500 pessoas que foram expulsas pelo governo venezuelano. Mas há por volta de 20 mil pessoas que estavam com muito medo e que foram para a Colômbia.


IHU On-Line – Com relação aos povos originais, quais são os principais conflitos entre os interesses econômicos da Colômbia e as populações em situação de vulnerabilidade social?


Francisco De Roux – Atualmente, um dos grandes assuntos da Colômbia para a paz territorial é chegar a acordos sérios com as comunidades indígenas, com as comunidades afrodescendentes e com os camponeses. Segundo a constituição colombiana, os indígenas devem receber quase 30% do território nacional, cerca de 10% deve ser destinado às comunidades afros e ainda há os camponeses que estão tratando de se organizar. Todos estes confluíram para estas lutas. O problema é que, mesmo entre esses três atores, há muitas divergências, além da dificuldade de tratar isso com os empresários, com as grandes mineradoras, que querem tomar as terras desses grupos para suas atividades. Então estamos em um momento de tensão e conflito.
Isso parece-nos uma questão normal, mas trata-se de um problema ainda sem solução, porque os direitos não foram respeitados. Mas temos uma grande esperança de poder tirar as armas deste conflito a fim de solucioná-lo, mas isso é muito difícil quando se está em uma situação de guerra, porque as armas se metem em todas as partes. Matam-se os indígenas, matam-se os camponeses e matam-se os negros com a justificativa de que são guerrilheiros. Por isso é fundamental terminar com a guerra na Colômbia, para que se possa enfrentar esses problemas que são sérios.

“Esperamos que ele encontre caminhos muito sérios para superar a corrupção e esperamos que proteja a Amazônia”

IHU On-Line – Como está a questão da Mineração na Colômbia?


Francisco De Roux – Felizmente, os processos de mineração diminuíram significativamente por conta da redução dos preços das commodities. A busca de metais diminuiu muito, entretanto a busca por minérios criminais, que estão relacionados à coca e à guerra, que destroem as bacias dos rios com suas máquinas, mostra que ainda temos muito o que fazer para que as mineradoras respeitem a vontade das comunidades. Em nada me agrada a mineração, nem os grandes cultivos agroindustruais que destroem a natureza, a fauna, a flora, as espécies.


IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?


Francisco De Roux – Nós colombianos temos muita esperança no Brasil. Cremos que o Brasil viveu momentos difíceis, como em toda a América Latina, mas é um símbolo para todos nós pelo grande esforço que fez para superar a pobreza. Esperamos que ele encontre caminhos muito sérios para superar a corrupção e esperamos que proteja a Amazônia, de maneira muito especial porque este é o coração do mundo. Esperamos que o Brasil não permita que projetos de mineração e agroindustriais destruam algo que á grande riqueza do Brasil, sua biodiversidade.


Por Ricardo Machado

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  • Fonte: IHU

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