PICICA: "Os movimentos cinematográficos emergem quando culturas específicas vivem momentos de ruptura. Foi o caso do Neorrealismo, preocupado em repensar a identidade italiana após o trauma da Segunda Guerra Mundial, do Cinema Novo nascendo do desejo de criar o reflexo de um país independente e original nos anos 60, da Nouvelle Vague antecipando a turbulência sóciopolítica de maio de 68, do cinema independente nova-iorquino frente ao conflito do Vietnã, nos anos 70."
Hoje, nenhum país vive mutações tão aceleradas e violentas quanto a China. Nenhum cineasta capta essas contradições com mais acuidade e amplitude que Jia Zhang-ke.
“Antonioni me ensinou o que é o espaço; Bresson, o tempo; Hou Hsiao-hsien, a delicadeza”.
Os movimentos cinematográficos emergem quando culturas específicas
vivem momentos de ruptura. Foi o caso do Neorrealismo, preocupado em
repensar a identidade italiana após o trauma da Segunda Guerra Mundial,
do Cinema Novo nascendo do desejo de criar o reflexo de um país
independente e original nos anos 60, da Nouvelle Vague antecipando a
turbulência sóciopolítica de maio de 68, do cinema independente
nova-iorquino frente ao conflito do Vietnã, nos anos 70.
Hoje, nenhum país vive mutações tão aceleradas e violentas quanto a China. Nenhum cineasta capta essas contradições com mais acuidade e amplitude que Jia Zhang-ke.
“Antonioni me ensinou o que é o espaço; Bresson, o tempo; Hou Hsiao-hsien, a delicadeza”. Assim começou a primeira conversa com Jia, no ano da apresentação de “Em Busca da Vida” (“Still Life”), na Mostra Internacional de São Paulo. É na Mostra, e junto com Leon Cakoff e Renata de Almeida, que nasce a ideia de um livro sobre a obra de Jia Zhang-ke. A percepção de que ele se tornou o mais importante cineasta de sua geração – e não apenas na China – despertou a vontade de olhar de perto para o que torna seu cinema tão singular e inovador. O documentário sobre Jia Zhang-ke é a decorrência dessa percepção.
Sensibilidade única para captar o que existe “entre” as coisas, para filmar o conflito entre o homem e o ambiente, o cinema de Jia Zhang-ke oferece a dupla possibilidade de desvendar uma memória não-oficial da China e de refletir sobre o estado presente do país – e, por extensão, do mundo. Sua trilogia de Fenyang (“Xiao Wu”, inspirado em “O Batedor de Carteira”, de Bresson, “Plataforma” e “Prazeres Desconhecidos”) marca o surgimento de um cineasta que tira sua força das transformações que ele viveu à flor da pele, na sua cidade natal, ao norte da China. Seus filmes são o registro urgente dos ecos da Revolução Cultural, dos anos Deng Xiaoping, seguidos da transição brutal para uma economia globalizada.
No extraordinário “Em Busca da Vida” (Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2006), Jia se interessa pelo que acontece com os homens cujas vidas foram abaladas pelos efeitos do desenvolvimento acelerado e pelas migrações internas no seu país. Sua câmera também se volta para o processo de homogeneização que percorre, não só a China, mas a maior parte dos países contemporâneos. Em “O Mundo”, realizado num parque temático próximo à Pequim, onde a Torre Eiffel fica a poucos metros das pirâmides egípcias e do World Trade Center de Nova York, é a implosão da geografia e do tempo que está em questão.
“Um Toque de Pecado”, premiado no último Festival de Cannes, o leva de volta a Fenyang e capta o momento em que as contradições internas de seu país parecem ter ido longe demais. A violência, no filme, é como um último recurso daqueles que não têm voz. Mesmo quando fala de situações extremas, o olhar de Jia é essencialmente humanista, próximo do Kieslovski de “Não Matarás”.
O cinema de Jia é também o ponto de encontro entre a tradição pictórica chinesa e a cultura popular trazida pela música contemporânea. A relação dos personagens de Jia Zhang-ke com o mundo ao seu redor é essencialmente epidérmica, feita de sons, cores, ruídos e sensações dissonantes. Seus filmes nos liberta de uma tradição narrativa derivada do texto, da explicação. O espectador é convidado a habitar o mundo dos personagens, a sentir com eles, a compreender pela cumplicidade e não pela exposição dos fatos. Não olhamos pela janela – estamos imersos na paisagem.
Para o nosso documentário, o diretor retorna à sua cidade natal, Fenyang, o ponto de partida de sua obra. Revisitando as locações dos seus filmes ou os lugares que marcaram sua infância e juventude, Jia nos oferece um olhar pessoal e agudo sobre o seu cinema, o seu país e o estado do mundo. O documentário também traz Jia Zhang-ke de volta aos locais onde ele filmou “O Mundo” e “Um Toque de Pecado”, seu último longa-metragem.
O livro sobre Jia Zhang-ke, a ser publicado pela Mostra de SP e pela Cosac Naify em 2014, trará as conversas gravadas com Jia, além de seus atores e colaboradores mais próximos, em torno de uma obra que se tornou vital para a compreensão da China contemporânea. “Master-classes” dadas por ele, diálogos que registramos de Jia com estudantes de cinema de universidades de Beijing, debates inéditos de Jia com críticos em torno da sua obra e do futuro do cinema, além de uma análise de cada um de seus filmes, farão parte do livro. Textos de Cecília Mello, professora de cinema da USP que desenvolve um trabalho de pós-doutorado em torno da obra de Jia Zhang-ke, também comporão o livro.
O documentário foi rodado na China por uma pequena equipe composta pelo diretor de fotografia Inti Briones, pela produtora Maria Bruno e pelo assistente de câmera João Atala, com o apoio da Xstream Productions, de Jia Zhang-ke.
Leia matéria da jornalista Maria do Rosário Caetano sobre o novo filme de Walter Salles.
Por Walter Salles
Fonte: Revista de Cinema
Hoje, nenhum país vive mutações tão aceleradas e violentas quanto a China. Nenhum cineasta capta essas contradições com mais acuidade e amplitude que Jia Zhang-ke.
“Antonioni me ensinou o que é o espaço; Bresson, o tempo; Hou Hsiao-hsien, a delicadeza”. Assim começou a primeira conversa com Jia, no ano da apresentação de “Em Busca da Vida” (“Still Life”), na Mostra Internacional de São Paulo. É na Mostra, e junto com Leon Cakoff e Renata de Almeida, que nasce a ideia de um livro sobre a obra de Jia Zhang-ke. A percepção de que ele se tornou o mais importante cineasta de sua geração – e não apenas na China – despertou a vontade de olhar de perto para o que torna seu cinema tão singular e inovador. O documentário sobre Jia Zhang-ke é a decorrência dessa percepção.
Sensibilidade única para captar o que existe “entre” as coisas, para filmar o conflito entre o homem e o ambiente, o cinema de Jia Zhang-ke oferece a dupla possibilidade de desvendar uma memória não-oficial da China e de refletir sobre o estado presente do país – e, por extensão, do mundo. Sua trilogia de Fenyang (“Xiao Wu”, inspirado em “O Batedor de Carteira”, de Bresson, “Plataforma” e “Prazeres Desconhecidos”) marca o surgimento de um cineasta que tira sua força das transformações que ele viveu à flor da pele, na sua cidade natal, ao norte da China. Seus filmes são o registro urgente dos ecos da Revolução Cultural, dos anos Deng Xiaoping, seguidos da transição brutal para uma economia globalizada.
No extraordinário “Em Busca da Vida” (Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2006), Jia se interessa pelo que acontece com os homens cujas vidas foram abaladas pelos efeitos do desenvolvimento acelerado e pelas migrações internas no seu país. Sua câmera também se volta para o processo de homogeneização que percorre, não só a China, mas a maior parte dos países contemporâneos. Em “O Mundo”, realizado num parque temático próximo à Pequim, onde a Torre Eiffel fica a poucos metros das pirâmides egípcias e do World Trade Center de Nova York, é a implosão da geografia e do tempo que está em questão.
“Um Toque de Pecado”, premiado no último Festival de Cannes, o leva de volta a Fenyang e capta o momento em que as contradições internas de seu país parecem ter ido longe demais. A violência, no filme, é como um último recurso daqueles que não têm voz. Mesmo quando fala de situações extremas, o olhar de Jia é essencialmente humanista, próximo do Kieslovski de “Não Matarás”.
O cinema de Jia é também o ponto de encontro entre a tradição pictórica chinesa e a cultura popular trazida pela música contemporânea. A relação dos personagens de Jia Zhang-ke com o mundo ao seu redor é essencialmente epidérmica, feita de sons, cores, ruídos e sensações dissonantes. Seus filmes nos liberta de uma tradição narrativa derivada do texto, da explicação. O espectador é convidado a habitar o mundo dos personagens, a sentir com eles, a compreender pela cumplicidade e não pela exposição dos fatos. Não olhamos pela janela – estamos imersos na paisagem.
Para o nosso documentário, o diretor retorna à sua cidade natal, Fenyang, o ponto de partida de sua obra. Revisitando as locações dos seus filmes ou os lugares que marcaram sua infância e juventude, Jia nos oferece um olhar pessoal e agudo sobre o seu cinema, o seu país e o estado do mundo. O documentário também traz Jia Zhang-ke de volta aos locais onde ele filmou “O Mundo” e “Um Toque de Pecado”, seu último longa-metragem.
O livro sobre Jia Zhang-ke, a ser publicado pela Mostra de SP e pela Cosac Naify em 2014, trará as conversas gravadas com Jia, além de seus atores e colaboradores mais próximos, em torno de uma obra que se tornou vital para a compreensão da China contemporânea. “Master-classes” dadas por ele, diálogos que registramos de Jia com estudantes de cinema de universidades de Beijing, debates inéditos de Jia com críticos em torno da sua obra e do futuro do cinema, além de uma análise de cada um de seus filmes, farão parte do livro. Textos de Cecília Mello, professora de cinema da USP que desenvolve um trabalho de pós-doutorado em torno da obra de Jia Zhang-ke, também comporão o livro.
O documentário foi rodado na China por uma pequena equipe composta pelo diretor de fotografia Inti Briones, pela produtora Maria Bruno e pelo assistente de câmera João Atala, com o apoio da Xstream Productions, de Jia Zhang-ke.
Leia matéria da jornalista Maria do Rosário Caetano sobre o novo filme de Walter Salles.
Por Walter Salles
Fonte: Revista de Cinema
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