setembro 19, 2015

“A esquerda europeia representada pelos partidos reformistas e revisionistas está acabada”. Escrito por Achille Lollo (CORREIO DA CIDADANIA)

PICICA: “A esquerda europeia representada pelos partidos reformistas e revisionistas está acabada”


“A esquerda europeia representada pelos partidos reformistas e revisionistas está acabada”
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Escrito por Achille Lollo, de Roma para o Correio da Cidadania   
Sexta, 18 de Setembro de 2015



A crise sistêmica ocasionou nos países da União Europeia situações econômicas anacrônicas e paradoxais do ponto de vista político, ao ponto que muitos partidos da chamada esquerda europeia e afiliados à Internacional Socialista, depois de terem se deslumbrado com as salas do Poder, se comportam da mesma forma que os partidos de direita ou de centro-direita. É sobre esso e muitos outros aspectos que entrevistamos Luciano Vasapollo, economista e professor da Universidade La Sapienza, em Roma, em entrevista que será apresentada em duas partes.

“Acredito que, apesar de algumas exceções, que não escapam de algumas críticas, a chamada esquerda europeia representada pelos partidos reformistas e revisionistas está praticamente acabada. Trata-se de uma esquerda que campeou as ideias do eurocomunismo para depois aceitar a lógica do eurocentrismo, que é uma opção totalmente em antítese com tudo o que a esquerda representou no passado. De fato, o eurocentrismo, mesmo se praticado por quem se diz de esquerda, é sempre um instrumento do neocolonialismo”, analisa.

Em sua explicação, as reformas estruturais apresentadas nas campanhas eleitorais pelos partidos da direita e os da esquerda, como instrumento para favorecer o crescimento, na realidade se tornam o álibi perfeito para novas privatizações, maiores cortes aos serviços públicos, programas de austeridade, ataques ao mundo do trabalho para legitimar as “resoluções objetivas” das excelências da burguesia transnacional europeia e oficializar as políticas antissociais da Troika (BCE, FMI, Comissão Europeia).

Uma situação que, dia após dia, aprofunda nos países da União Europeia a fossa entre os partidos da chamada esquerda e os movimentos sociais e sindicais conflitantes e anticapitalistas, como descreve Vasapollo, também diretor do CESTES (Centro de Estudos da União dos Sindicatos de Base) e das revistas “Proteo” e “Nuestra América”.

Confira, a seguir, a primeira parte da conversa com Luciano Vasapollo.



Correio da Cidadania: Por qual motivo as novas formas de organização e inclusive os comportamentos políticos dos movimentos sociais, estudantis, territoriais e ambientais se situam cada vez mais longe dos partidos tradicionais da esquerda?


Luciano Vasapollo: Hoje, estamos assistindo ao definitivo fechamento de um ciclo político que foi dominado pelos partidos da esquerda reformista e que nesse tempo têm operado uma longa e complexa revisão teórica e política, ao ponto de abandonarem qualquer perspectiva de classe, para depois se tornarem os partidos que não só defendem o poder, mas que o administram.

Os exemplos clássicos desses partidos que se dizem de esquerda, apesar de legitimarem o poder da burguesia transnacional, a repressão social, as guerras expansionistas, a especulação dos banqueiros, e que subscreveram os programas liberais do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, são representados pelo PS francês (Partido Socialista) de François Hollande, a SPD alemã (Socialdemocracia), fiel aliada de Angela Merkel, e o PD italiano (Partido Democrático) de Matteo Renzi.

Acredito que, apesar de algumas exceções, que não escapam de algumas críticas, a chamada esquerda europeia representada pelos partidos reformistas e revisionistas está praticamente acabada. Trata-se de uma esquerda que campeou as ideias do eurocomunismo para depois aceitar a lógica do eurocentrismo, que é uma opção totalmente em antítese com tudo o que a esquerda representou no passado.

De fato, o eurocentrismo, mesmo se praticado por quem se diz de esquerda, é sempre um instrumento do neocolonialismo, com o qual se pretende impor os tempos e as fórmulas da política imperialista e, portanto, fazer com que os comportamentos e os objetivos da esquerda da América Latina, africana e asiática sejam compatíveis com as políticas do neoliberalismo e os programas da Troika.

Correio da Cidadania: O partido Democrático de Matteo Renzi, como o de D’Alema, são filhos legítimos ou ilegítimos do Partido Comunista Italiano (PCI) de Enrico Berlinguer?


Luciano Vasapollo: Devemos admitir que o Partido Comunista Italiano, mesmo não concordando com as políticas reformistas que ele abraçou na década de 50, foi um partido com uma longa história política de resistências revolucionárias e uma grande tradição de lutas, que permitiram a afirmação dos conceitos classistas nas atividades das estruturas de massa do partido e, também, naquelas do sindicato. Por isso, após a evolução histórica do PCI aconteceu um processo de decadência política, sobretudo teórica, que começou muito antes do eurocomunismo. Lembro perfeitamente que a chamada esquerda “extraparlamentar” nasceu no fim dos anos 60 não só para se contrapor ao "poder-poderoso” das Democracia Cristã, mas para reafirmar nas praças, nos bairros, nas universidades e nas fábricas as características do antifascismo do movimento popular.

Na realidade, essa nova esquerda, antagônica e alternativa, nasceu, também, para exercer a crítica, rigorosa e às vezes implacável, à prática revisionista do reformismo do PCI, para depois criar uma nova área política revolucionária e, antes de tudo, classista. De fato, a prática revisionista do reformismo do PCI aumentou em volume, em particular quando Enrico Berlinguer e depois Achille Occhetto foram secretários do partido. Com eles, o conjunto das instituições burguesas se tornou “politicamente aceitável se as mesmas abrissem as portas do poder ao PCI”.

Uma lógica que, em seguida, foi aplicada cientificamente para que as portas do poder se abrissem para Romano Prodi, Massimo D’Alema, Giorgio Napolitano, Enrico Letta e por último Matteo Renzi. Hoje, muitos lembram com saudade de Berlinguer, por causa das maneiras abusadas e arrogantes de Renzi, porém, os mesmos não admitem que o PD de Renzi, tal como o de D’Alema ou de Prodi, enquanto partido de poder, interagiu com as multinacionais e gerenciou os interesses da Troika. Por isso o DS (Democratas de Esquerda) e o PD (Partido Democrático) são um produto histórico da continuidade do reformismo político que ficou acentuado com Berlinguer.

Correio da Cidadania: Se na Itália o PD virou um instrumento político do sistema capaz de garantir o controle social, qual é a situação no resto da Europa?


Luciano Vasapollo: O que aconteceu na Itália, em geral, se repetiu em todo o mundo e não só na Europa. É suficiente lembrar o que aconteceu ao Partido Comunista Francês, bem como ao espanhol, que ao enfileirarem-se no eurocomunismo assinaram a própria autodestruição, inclusive por que já haviam renunciado a ser um partido de classe revolucionário. Haviam abdicado da estratégia da ruptura revolucionária. Enfim, haviam decidido ficar longe do conceito “revolução”, para poderem mostrar formalmente sua renúncia à tomada do poder e, consequentemente, se tornarem compatíveis com as instituições do sistema capitalista. Pois, como falou Fidel Castro, “a revolução é o sentido do momento histórico”.

Hoje, no momento histórico, nesse contexto internacional onde as relações de força são desfavoráveis não só pelos comunistas, pelos revolucionários, mas também pelo movimento internacional dos trabalhadores, nós falamos de socialismo possível e do que é realmente possível fazer em termos de transição ao socialismo, aqui e agora. Eles, os ex-socialdemocratas que agora se tornaram neoconservadores e falsos progressistas de esquerda, falam de políticas de austeridade, de programas neoliberais cada vez mais antiproletários e antioperários.

É verdade que no passado houve numerosos momentos históricos de ruptura, com a realização de revoluções socialistas e outras que depois foram derrotadas. Porém, hoje as condições são diferentes e estou convencido de que neste momento estamos passando pela fase da reconstrução de uma nova esquerda europeia anticapitalista e revolucionaria, porque a esquerda tradicional ficou esgotada, visto que há muito tempo se recusa até a debater o modo de produção capitalista.

Consequentemente, essa esquerda não tem mais perspectivas políticas e, antes de tudo, não tem mais uma estratégia revolucionária e não quer uma mudança estrutural, nem em termos reformistas e tampouco nos moldes da socialdemocracia.

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Hoje, a Federação Sindical Mundial (FSM) representa o nível mais alto do conflito sindical e social, que cresce no âmbito mundial. Na Itália, a USB (União dos Sindicatos de Base) é a única confederação sindical filiada à FSM, que exerce um importante papel político e social com o objetivo de manter em vida as problemáticas da luta de classe. Ao mesmo tempo, temos os movimentos sociais conflitantes que desempenham um papel político cada vez mais definido ao propor uma ruptura anticapitalista, anti-União Europeia e anti-Euro, e que ganhou a simpatia e um consenso popular sem precedentes, sobretudo na Grécia, na Espanha e na Itália. Um consenso que também nos outros países da União Europeia começou a se afirmar.


Este acontecimento nos obriga a fazer uma profunda reflexão sobre os novos comportamentos de classe e sobre os novos sujeitos políticos que intervêm nas lutas anticapitalistas. Praticamente, isso indica que existe um outro mundo de explorados e de potenciais lutadores sociais que precisa ser organizado, do momento que não se reconhecem mais os partidos tradicionais da esquerda, não só porque eles estão todos no governo, mas por que aqueles partidos não são mais de esquerda, ou seja, representam os interesses das classes patronais.
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Correio da Cidadania: Nesse mundo de crises globalizadas os novos grupos sociais se recusam de interagir ou de subordinar-se aos partidos tradicionais da esquerda reformista. Esse fato pode prefaciar, inclusive, a formação de um novo internacionalismo?


Luciano Vasapollo: Antes de tudo, à frente dessa crise encontramos a opção estratégica da maioria da esquerda europeia, que se identificou no chamado social-liberalismo para poder receber o encargo de administradora do poder das burguesias transnacionais e defensora do sistema capitalista. Para esclarecer tal opção, quero lembrar que aqui na Itália não foi Berlusconi quem assinou o protocolo para impor o Euro. Foi, primeiro, Romano Prodi com o DS. Depois, foi ratificado por Massimo d’Alema, após a transformação do DS em PD.

É oportuno lembrar que Prodi, na época fundador do PD, juntamente a Lionel Jospin, então secretário do PS francês, e Tony Blair, dono absoluto do New Labour Party naqueles anos, utilizaram a nefasta legislação da União Europeia para finalizar suas campanhas eleitorais. De fato, por serem as forças políticas com maior consenso político, suas lideranças fizeram de tudo para tornar seus partidos o bloco partidário mais compatível com o sistema de poder capitalista.

Por isso, os governos ditos de centro-esquerda, que hoje guiam o destino da nova Europa patronal, exercem uma forte liderança para contrastar a afirmação política dos novos grupos sociais e dos movimentos antagônicos, além de reprimirem as lutas operárias e proletárias.
Depois de ter analisado as questões políticas que determinaram o surgimento do novo bloco social antissistêmico, no lugar de falar de internacionalismo comunista, gostaria de falar mais de internacionalismo de classe e de internacionalismo proletário.

Por ser marxista de longa data, esse argumento é uma ferida que permanece aberta, porque hoje a grande maioria dos partidos comunistas têm posições muitas atrasadas no terreno político e em nível internacional, no que diz respeito à interpretação revolucionária do conflito capital-trabalho.

De fato, o posicionamento anticapitalista das novas forças sociais, dos movimentos de base e dos sindicados classistas, em termos de análise política e de capacidade de luta, bem como na lógica de exercer o contrapoder no território, é muito dinâmico, além de rejeitar as hesitações e a condescendência de muitos partidos e organismos que continuam a se definir comunistas.

Por isso, devemos dar muita atenção aos novos acontecimentos do conflito de classe, visto que em função da crise sistêmica e por efeito da globalização neoliberal estão surgindo novos blocos sociais que revelam formas de organização classista com altos níveis de conflitualidade antiimperialista e anticapitalista.

Correio da Cidadania: Mas ainda tem sentido falar em classe operaria?


Luciano Vasapollo: A classe operária não desaparece, mas se movimenta, ocupa novos territórios juntamente à produção industrial e sofre os efeitos da divisão internacional do trabalho nas diferentes áreas geográficas do mundo. É evidente que a Europa e os Estados Unidos, que ainda são o coração do capitalismo maduro, na tentativa de compensar a ausência de altas margens de lucro e, portanto, com vista impedir a queda da taxa média de lucro, praticam a desindustrialização das grandes áreas de concentração capitalista e multiplicam a eficiência do setor terciário e até do chamado quaternário, subordinando a economia real ao desenvolvimento especulativo dos serviços financeiros que realizam renda ao invés de mais-valia.

Desta forma, enfraquecem a economia real material, isto é, aqueles setores localizados nas periferias das metrópoles onde a classe operária ainda tem um papel político central. Quando se fala de operários, na linguagem política tradicional, logo se entende a força de trabalho da fábrica fordista, que, nos nossos dias, apesar de sua diversificação no planeta, ainda reúne um bilhão de trabalhadores, aos quais se devem juntar o bilhão e meio de camponeses.

Pois são eles que ainda contribuem na extração da mais-valia no mundo inteiro! Mesmo assim, devemos admitir que no mundo do trabalho existe um processo de redefinição do bloco social, que cria amplas faixas de proletariado, cada vez mais explorado fora do perímetro industrial de tipo fordista, isto é, uma classe operária num sentido muito vago, que é classe em termos de trabalho e de exploração capitalista. Temas que os movimentos de base e os sindicatos antagônicos anticapitalistas, como, por exemplo, os que prioritariamente estão afiliados a FSM (Federação Sindical Mundial), estão avaliando para definir modernos moldes organizativos e, juntos, enfrentarem as novas formas do conflito capital-trabalho.

De fato, quem trabalha oito ou dez horas frente aos computadores dos Call Centers ou dos serviços informáticos bancários, ou do crédito ou dos serviços das empresas industriais, é um trabalhador explorado tal como o operário da FIAT ou da ILVA. Hoje, a imensa diversificação eletrônica, tecnológica e informática da produção industrial e do setor terciário avançado criou novas categorias de trabalhadores que produzem mais-valia absoluta e relativa. Eles são também trabalhadores superexplorados. Por isso, representam a nova classe operária.

Correio da Cidadania: Por qual motivo os movimentos contra a guerra, contra as injustiças sociais se revelam instáveis e, às vezes, excessivamente espontaneístas e com pouco fôlego, enquanto os movimentos sindicais conflitantes dão muita importância à organização e à continuidade das lutas?


Luciano Vasapollo: Nas últimas décadas, surgiram e desapareceram muitos movimentos sociais, mais ou menos antagônicos, como por exemplo o NO TAV (movimento contrário à construção de uma linha para trens de alta velocidade, que ligaria Turim a Lyon), os dos Bens Comuns, aqueles contra a guerra etc. etc. Lembro que no início do século os movimentos contra a globalização tiveram um específico momento de esplendor com o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Na mesma onda, mas com uma visão mais organizada e uma atuação orientada em termos estratégicos, aparece o movimento internacional organizado no âmbito da nova conflitualidade sindical, que agrupa organizações que por terem sólidas estruturas de massa e por estarem fortemente ligadas às classes trabalhadoras adquiriram uma maior eficácia na resistência e na projetação de lutas de longa duração.

Na Itália, os novos sindicatos conflitantes convergem na USB (União dos Sindicatos de Base), que por ser uma confederação ligada à Federação Sindical Mundial consegue organizar e sustentar as lutas por muito tempo. Eles são as verdadeiras organizações sindicais do novo  antagonismo anticapitalista, que por exprimirem o nível máximo do conflito de classe realizam o cruzamento da velha classe operária e camponesa com aquelas que hoje são os novos sujeitos sociais do mundo do trabalho e do não-trabalho, isto é, o desemprego. Ao darem continuidade e projeção estratégica conseguem definir a construção da nova organização de classe.

Por esse motivo, os movimentos sociais deveriam tentar definir uma estratégia para realizar lutas reivindicativas e aceitar a formação de um horizonte organizado e não espontaneísta ou situacionista, para assumir formas de luta antiimperialistas, anticapitalistas e para a superação dessa sociedade, vítima da exploração do homem sobre o homem e do homem sobre a natureza.

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O Parlamento e a democracia burguesa exercem uma certa fascinação, sobretudo se alimentada pelo retórico epíteto “Deputado ou Senador do povo italiano”. Na maior parte dos casos, a boa vontade e as qualidades morais do parlamentar devem se dobrar e aceitar as indicações do líder da bancada, que repete nada menos que as palavras do secretariado do partido.


Por isso, o Parlamento italiano virou um complemento subordinado aos compromissos que o grupo dirigente de cada partido assume com o lobby desta ou doutra multinacional, com aquele conglomerado financeiro, com aquele grupo bancário, com aquele jornal ou televisão.


Infelizmente, o Parlamento italiano, desde os tempos de Crispi e de Giolitti, resultou ser um ótimo instrumento para manipular a consciência e a inteligência dos italianos e, também, para condenar qualquer manifestação popular que denuncie a realidade do desemprego, da imigração, da violência mafiosa, da pobreza absoluta, da corrução e das ausências do Estado.
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Correio da Cidadania: Os movimentos deveriam se relacionar com os partidos que tem assentos no Parlamento ou devem promover novas formações políticas para desfrutarem os privilégios políticos do parlamentarismo?

Luciano Vasapollo: Não quero aparecer como um antiparlamentarista em absoluto, quando afirmo que, atualmente, nos Parlamentos dos países membros da União Europeia, com exceção da Grécia e de Portugal, onde a presença combativa e militante dos partidos comunistas é muito bem estruturada, não existem grupos políticos que representam os interesses de classe. Quero, portanto, lembrar que a luta de classe e a luta para livrar-se do capitalismo utilizam diferentes instrumentos políticos, inclusive o parlamentarismo.

Quem deveria representar no Parlamento os interesses das classes, manifestados com as lutas, se revela um instrumento de luta válido por ser um alto-falante militante das conquistas alcançadas com as lutas. Infelizmente, até agora, não encontrei organizações políticas capacitadas a desempenhar um papel classista no Parlamento.

Correio da Cidadania: Portanto o cerne do problema é saber se é possível, e quando factível, ter uma relação com as instituições?

Luciano Vasapollo: Hoje, na Itália, ainda não existe uma força política que possa representar as verdadeiras instâncias dos movimentos sociais e os interesses de classe do movimento dos trabalhadores. As organizações políticas com uma forte subjetividade estratégica e amarradas à dimensão social da luta de classe, como por exemplo a Rede dos Comunistas, nunca aceitaram trilhar o caminho do Parlamento, não porque eram sectários ou tinham conotações autorreferenciais. Na realidade, nunca existiram as condições objetivas e as subjetivas para pegar esse caminho, mesmo no nível de coalizão, onde os interesses de classe mantêm um nível aceitável de coerência.

Portanto, se hoje os movimentos sociais e as organizações anticapitalistas, juntamente aos grupos comunistas, conseguissem eleger no Parlamento os representantes de uma linha de ruptura, capazes de fazer os interesses estratégicos de classe no âmbito da institucionalidade, ninguém seria contra. Especialmente se tais representantes tivessem a competência de relatar no Parlamento a atuação, articulada e complexa, das diferentes frentes de luta, como há muitos anos fazem os parlamentares comunistas da Grécia e de Portugal. É claro que nesse caso iríamos logo aceitar a participação no pleito eleitoral, convencidos de que assim construiremos uma representação institucional e revolucionária na mais estratégica representação política!

O problema é que, atualmente, o Parlamento não é uma caixa de ressonância institucional que aceita e permite a eleição de alguém que se faz portador das expressões reais da potencialidade do conflito social e, portanto, militante da atualidade das lutas.

O verdadeiro alto-falante dos movimentos de classe é apresentar-se como sujeito de classe organizado, reconhecido por ser um sujeito que no interior das fábricas, no seio dos centros sociais, no âmbito dos movimentos antagônicos e nas instâncias territoriais, consegue, sempre, realizar um saudável reformismo estrutural, com o qual se pode alcançar os objetivos que o povo quer.

Refiro às pequenas conquistas no mundo do trabalho, onde ainda certos direitos são negados ou os níveis de precariedade são altíssimos. No território, é viável promover lutas para ter de volta a construção dos condomínios populares, baixar os alugueis nas antigas casas populares e resolver as exigências e as necessidades dos bairros populares. Na sociedade, é possível pressionar para requerer a taxação dos lucros, fixar uma renda para todos, que vai além do salário e do trabalho, do momento que hoje o povo reivindica uma maior distribuição social da riqueza, com a qual se satisfaçam as necessidades primárias que aumentaram com a modernização da sociedade.

Correio da Cidadania: Afinal os movimentos sociais podem dinamizar as lutas para as reformas estruturais e, portanto, impedir que as mesmas sejam usadas como produtos do marketing eleitoral?

Luciano Vasapollo: As conquistas obtidas com as reformas estruturais, que, na realidade, são processos táticos reivindicativos, tornam possível a construção de formas de organização de classe, com as quais se reforça, em seguida, a subjetividade comunista do partido com o trabalho de massa. O grande problema é de que maneira será possível estruturar em termos estratégicos a organização de classe.

A solução implica entender o pensamento dos novos sujeitos que compõem a classe, dando-lhe, em seguida, uma possibilidade de projeção. Na prática significa voltar e se integrar na classe. De fato, é necessário entender as aspirações do novo bloco social, relatar as novas exigências dos trabalhadores, para depois formular princípios, estruturas e momentos de organizações de classe, com vistas à construção da organização comunista de massa. Neste âmbito, por exemplo, poderíamos transformar as reivindicações sindicais territoriais em elementos de luta política e, consequentemente, proceder na construção da organização política no território.

Na prática, é preciso voltar a escutar o que o povo diz, o que os trabalhadores comentam, conhecer as aspirações dos explorados, mesmo quando eles se manifestam de uma maneira e através de uma lógica que podemos considerar atrasada. Será, enfim, neste contexto que serão definidos os instrumentos organizativos para continuar e definir novas perspectivas de luta.

Ao contrário disso tudo, se a reivindicação é monopolizada para justificar apenas candidaturas eleitorais e se as mesmas não têm um fim estratégico, mas apenas um oportunismo tático, é melhor deixar de lado. Continuar a trilhar esse caminho significa repetir a pior experiência dos partidos da esquerda europeia, que em um primeiro lugar transformaram a tática em estratégia, para depois rejeitarem a estratégia classista da ruptura política e se adaptarem ao status quo do capitalismo.

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As gerações de italianos dos últimos vinte anos, para além da manipulação midiática (RAI/MEDIASET/La Repubblica), das iniquidades do consumismo e dos efeitos nefandos do neoliberalismo, tiveram que engolir a revisão da cultura política, visto que uma “Inquisição” moderna, logo após a dissolução da URSS, vetou a publicação dos livros com conteúdo “excessivamente revolucionário e anticapitalista”.


Por exemplo, l’Unità, o jornal do PCI fundado por Antonio Gramsci, no ano passado foi vendido a um grupo de investidores e hoje é o porta-voz oficioso da tendência majoritária do PD, liderada pelo primeiro-ministro, Matteo Renzi. A editora Riuniti, com sua histórica livraria romana em Via delle Botteghe Oscure, deletou de seus catálogos todos os autores da chamada “Biblioteca do Pensamento” (Marx, Engels, Gramsci, Lênin, Luxemburgo, Brus, Janniosky, Allende e tantos outros).


Isso aconteceu porque os últimos dirigentes do PCI revisionista, para não deixar rastros do passado “comunista” deles, resolveram minimizar a cultura política de esquerda, ao ponto de até o famoso pôster sobre o “Quarto Estado”, símbolo do socialismo, sair de produção!
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Correio da Cidadania: Isso significa que devemos voltar a estudar Gramsci?


Luciano Vasapollo: Certamente! Gramsci foi negligenciado sobretudo na Itália, mas também no resto da Europa. Aliás, quero sublinhar que foi até hostilizado. Na realidade, Gramsci foi utilizado e às vezes citado indignamente, somente quando os revisionistas queriam justificar opções políticas totalmente reformistas e sem nenhuma perspectiva de ruptura revolucionária.

Diferentemente disso tudo, na América Latina Gramsci continua sendo muito estudado. Hoje a Práxis continua sendo um elemento de análise e de aplicação em Cuba, na Venezuela, na Bolívia, no Equador, mas também no Brasil e no México, onde souberam valorizar os conceitos gramscianos. Em particular, o processo de construção da hegemonia que se afirma com o interagir das relações de classe.

Uma construção que põe o problema da hegemonia cultural, das alianças e do bloco histórico gramsciano, o que não pode ser confundido com o bloco social. De fato, o segundo se constrói a partir das novas dimensões e dos novos sujeitos de classe, dos elementos do trabalho e do não-trabalho, enquanto o bloco histórico personaliza a hegemonia de quem manda em um país impondo um específico modus vivendi.

Correio da Cidadania: E na Itália, hoje, quem representa o bloco histórico vitorioso?


Luciano Vasapollo: Sem dúvida é o bloco chefiado por Matteo Renzi, que sucedeu o bloco da burguesia encabeçada por Berlusconi e a Liga Norte. E há os sujeitos que perderam porque não aceitaram depender da burguesia transnacional europeia, que agora domina quase todos os países da União Europeia. Infelizmente, o novo bloco social do proletariado está ainda em construção, visto que antes se deve criar uma nova organização de classe.

Posso afirmar que, hoje, o bloco histórico que detém o poder com Matteo Renzi é a componente italiana dessa nova burguesia transnacional, muito forte aqui na Itália. É ela quem determina as regras no setor financeiro, na economia e na política, utilizando para esse fim os amplos espaços que todos os jornais e as televisões concedem aos seus representantes. Tanto que hoje na Itália a informação parece ter sofrido um processo de uniformização. Um único canal, uma única voz para repetir as mesmas manipulações.

Digamos que estamos vivendo uma espécie de ditadura midiática! Diante disso, nossa tarefa é conseguir romper a hegemonia dessa burguesia transnacional, impondo momentos de recomposição do bloco social com a perspectiva de construir a hegemonia de nossa classe a partir da cultura popular e, sobretudo, da cultura proletária.

Correio da Cidadania: Hoje, é ainda possível refundar o Partido Comunista na Itália para promover uma mudança radical sistêmica sem usar os conceitos políticos de Gramsci e, portanto, confiar unicamente nos “cérebros” do marketing eleitoral?


Luciano Vasapollo: Os conceitos gramscianos da filosofia da Práxis ainda são atuais e de absoluta importância. Eles não podem ser trocados como se troca um logotipo ou um título de um pôster eleitoral. Por outro lado, a dificuldade em refundar, hoje, o Partido Comunista não é técnica mas, sim, política. É preciso entender que o verdadeiro problema desse partido é ser um elemento que se torna história. Enfim, é uma construção histórica que, também em nossos dias, se identifica informalmente no sujeito político revolucionário internacional.

Não é uma realidade provinciana, não é uma declaração de boas maneiras, não se constitui com um decreto. Repito: o Partido Comunista é um devir histórico que se desenvolve e se compacta no processo de formação da organização de classe. Por isso, hoje, devemos individuar as organizações que representam a expressão de classe e que sabem dialogar com as massas dos explorados, para, depois, saber colocar-se nos processos de autodeterminação popular, aqui na Itália e também no resto da Europa, onde os conceitos gramscianos foram atirados no saco de lixo, diferentemente da América Latina, onde são cada vez mais atuantes.

Por exemplo, as dinâmicas políticas dos países da ALBA têm o mérito de terem atualizado a problemática de construir a ruptura política com a participação popular e promoverem os processos de emancipação e autodeterminação dos povos com vista à transição ao socialismo.

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As crônicas dos acontecimentos políticos gregos acenderam de esperanças os movimentos europeus durante dez longos meses, da campanha eleitoral para as eleições europeias em maio de 2015 até as legislativas gregas de janeiro de 2015. Naquele período, na Itália houve quem, na onda do oportunismo mais ordinário e polichinelo, inventou a “Lista Tsipras” para começar a enterrar as bandeiras do Rifondazione Comunista, considerado um partido com uma simbologia “demasiado comunista”.


Infelizmente, a vitória da Troika na Grécia tem provocado o imediato recuo das posições políticas de Podemos para um câmbio radical na Espanha, permitindo a afirmação dos grupos euro-reformistas que integram o Podemos, segundo os quais é possível administrar “com honestidade” o poder da burguesia transnacional sem romper com a União Europeia e sem sair do Eurogrupo.


É evidente que em termos geopolíticos tudo isso fica impraticável no momento em que os tecnocratas do BCE e da Comissão Europeia – os que representam em Bruxelas a burguesia transnacional vitoriosa - uniformizaram a dívida de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (PIIGS), para poder impor uma definitiva relação de dependência, sobretudo com as economias dos PIIGS que são as principais clientes das indústrias francesas e alemãs.


Portanto, o “Diktat” que a Troika formulou para o povo grego, na realidade, é dirigido aos governos, aos partidos progressistas e aos movimentos sociais da Europa mediterrânea.

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Correio da Cidadania: Como explica que a maioria do partido Syriza e o mesmo Alexis Tsipras, após as extraordinárias vitórias eleitorais de janeiro e de julho, aceitaram todas as exigências da Troika?


Luciano Vasapollo: Para evitar ser estupidamente etiquetado como um sectário e para inviabilizar logo um possível posicionamento extremista, quero sublinhar que eu e a área política, social e cultural a quem pertenço, isto é, a Rede dos Comunistas, sempre dissemos que a vitória do Syriza foi, antes de tudo, uma grande vitória popular e não o artefato eleitoral de Alexis Tsipras. De fato, se um componente tão amplo do povo grego foi capaz de dizer NÃO aos ditames da Troika, NÃO às políticas de austeridade, ao nosso ver, esse importante acontecimento devia ser apoiado porque representava um momento de ruptura revolucionária.

Por outro lado, devemos sublinhar que, sem o programa do Syriza, a potencialidade daquela componente popular teria ficado desunida, com o risco de cair nas mãos dos grupos nacionalistas exaltados e os da direita anti-europeísta, mas profundamente racistas, fascistas e até nazistas, tal como Aurora Dourada, que aqui na Itália se relaciona com os grupos da extrema-direita (Casa Pound etc.) e os racistas da Liga Norte.

Por isso, temos acreditado que na Grécia era possível uma mudança radical. Temos acreditado e tivemos fé em Alexis Tsipras quando ele dizia que teria enfrentado os poderes fortes da Troika para sair do momento de crise. Temos acreditado que ele iria honrar o mandato popular anti-União Europeia. Infelizmente, o processo não correu como esperávamos. Logo apareceram as contradições de Tsipras, demostrando de ser um líder sem coragem política e sem nenhuma vocação revolucionária.

Correio da Cidadania: Entrando nos particulares, Alexis Tsipras cometeu um erro de leitura política ou de analise geoestratégica? Afinal ele sobrevalorizou sua conceição e sua capacidade política? Desconsiderou o papel que a União Europeia pretende ter na competição internacional?


Luciano Vasapollo: Acredito que depois do primeiro erro ele cometeu todos os outros. Por isso o momento de crise apareceu publicamente somente após o referendo. Na realidade, já após o primeiro mês de governo, Tsipras sofria com a pressão da crise, sem, porém, dar-se conta do jogo de retórica, inclusive violenta, que os poderes fortes da Troika realizavam para não modificar o Memorando. A verdade é que com esta União Europeia não se podia negociar, do momento que eles não queriam negociar nada. De fato, os 120 bilhões de euros da dívida grega eram apenas uma questão administrativa.

O verdadeiro problema era de natureza política do momento que a Troika não podia se rebaixar e aceitar compromissos de um país como a Grécia, que representa menos de 2% do PIB europeu. Por isso, as negociações com a Grécia foram utilizadas para reafirmar a vontade da União Europeia de alcançar a liderança internacional com a afirmação do polo imperialista europeu, coordenado pela intendência franco-alemã.

Infelizmente, Tsipras não vislumbrou em tempo esses importantes pormenores. Por outro lado, não podemos esquecer que no momento em que Tsipras e Varoufakis davam entrevistas em Bruxelas estava ocorrendo uma guerra econômica subterrânea entre a área do euro e a do dólar para a aprovação silenciosa do TTIP (Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento). Além disso, os Estados Unidos deviam enfrentar a áspera incógnita da China e a evolução geral dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Enfim, havia também um conflito de interesses em que as transnacionais e os conglomerados financeiros europeus se digladiavam para ter o controle das reservas do petróleo e do gás do Iraque, da Líbia e da Síria. Novamente, Tsipras não entendeu que a dinâmica da competição não era mais a do século passado.

Por isso tudo, a União Europeia não podia criar uma exceção e fazer descontos à dívida de um país tão pequeno e tão insignificante do ponto de vista econômico como a Grécia. Em Bruxelas, não podiam criar um precedente que poderia ser utilizado como exemplo e, portanto, quebrar a legitimidade da política financeira da União Europeia. Enfim, o que estava em jogo era a estabilidade da União Europeia, por isso não houve compromissos de nenhum tipo.

Correio da Cidadania: Entretanto, Varoufakis, após o referendo e diante da decisão anti-União Europeia do povo grego, elaborou logo um Plano B que Tsipras vetou. Por qual motivo?



Luciano Vasapollo: Quero sublinhar que o Plano B de Varoufakis, inicialmente foi vetado primeiro pela maioria do partido Syriza e depois veio o veto de Alexis Tsipras, que assim pretendeu sustentar, até o fim, as posições do euro-reformismo e, portanto, ter a ilusão de conseguir reformar a União Europeia com a teoria da sustentabilidade. Se Tsipras tivesse racionalizado politicamente em termos reais e revolucionários, teria atuado de forma diferente, entendendo que a Grécia no xadrez das relações internacionais ocupava um lugar ínfimo.

Consequentemente, deveria entender que era ele que devia deixar aquelas negociações e realizar o mandato popular da ruptura. De fato, depois de ter ganho o referendo com 61%, Tsipras podia muito bem dizer a senhora Merkel, aos representantes da Troika e às excelências da burguesia transnacional o seguinte: “senhores, agora somos que saímos do Eurogrupo. Somos nós que decidimos não pagar mais a dívida. Somos nós que decidimos as reformas que devemos realizar!

É e vidente que para sair do Eurogrupo é preciso ter uma decisão e uma coragem política como a do presidente do Equador, Rafael Correa, quando expulsou do país os funcionários do FMI e disse: “não pagamos a dívida e nosso dinheiro será usado para fazer investimentos em estruturas sociais”. Lembro que antes do Equador a Argentina também disse NÃO ao FMI e aos especuladores do mercado financeiros (Fundos Abutres).

Entretanto, muitos falam em traição de Alexis Tsipras após o referendo, quando ele assumiu comportamentos administrativos não tão simples. Em geral, eu não gosto de usar a palavra traição, mas repito que Tsipras não traiu!

A verdade é que Alexis Tsipras, enquanto militante do euro-reformismo, foi um teimoso até o fim, acreditando em poder construir uma possível compatibilidade com a burguesia transnacional europeia para suavizar as obrigações econômicas e financeiras que a Troika pretendia impor à Grécia.

Nesse contexto, penso que o erro imperdoável e incomensurável de Alexis Tsipras veio depois, quando tomou a decisão de dividir um movimento popular enorme e um partido alternativo como o Syriza para obter, com as eleições antecipadas, a investidura política de ser o único que deveria gerenciar o momento de crise. Isto é, ele quis ser o único capaz de garantir a Merkel, ao FMI, à BCE, à Comissão Europeia, a Barack Obama e, portanto, a Israel a continuidade dos compromissos assumidos no âmbito das alianças, em particular a fidelidade à OTAN!

Portanto, não quero dizer que Tsipras seja um traidor, porém, diante disso devo absolutamente sublinhar que os interesses de classe dos trabalhadores e os do povo grego foram claramente traídos.


Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa de TV “Quadrante Informativo” e colunista do "Correio da Cidadania. Também colaborada com “ALBA Informazione”, “L’Antidiplomatico” e a revista “Nuestra América”.

Fonte: CORREIO DA CIDADANIA

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