PICICA: "A mais recente produção do diretor de
“Todas as Mulheres do Mundo” (1966), do alto de seus 79 anos, é
“Infância” um recorte de um dia na vida de uma família burguesa carioca
da década de 50. O longa de Domingos Oliveira é uma adaptação para o
cinema da peça teatral “Do Fundo do Lago Escuro”, escrita há 40 anos. E é
uma lembrança de infância, uma autobiografia, cujo contexto e aspectos
levantados através de conversas, traça um painel da elite brasileira da
era Getúlio Vargas. Uma salada gostosa de cotidiano e política, e um
passeio pela hipocrisia social e os valores morais da época."
Infância
Infância: (Drama); Elenco: Fernanda Montenegro, Raul Guaraná, Paulo Betti, Ricardo Kosovski, Priscilla Rozenbaun, Lucca Valor, Maria Flor; Direção: Domingos Oliveira, 2014. 104 Min.
A mais recente produção do diretor de
“Todas as Mulheres do Mundo” (1966), do alto de seus 79 anos, é
“Infância” um recorte de um dia na vida de uma família burguesa carioca
da década de 50. O longa de Domingos Oliveira é uma adaptação para o
cinema da peça teatral “Do Fundo do Lago Escuro”, escrita há 40 anos. E é
uma lembrança de infância, uma autobiografia, cujo contexto e aspectos
levantados através de conversas, traça um painel da elite brasileira da
era Getúlio Vargas. Uma salada gostosa de cotidiano e política, e um
passeio pela hipocrisia social e os valores morais da época.
A história se ancora no dia em que
Rodriguinho (Raul Guaraná) perde sua cachorrinha, sua conexão de afeto
com o mundo, após ter comido naftalina. Sua avó D. Mocinha (Fernanda
Montenegro) dá fim ao corpo do cãozinho e a família toda mente para
Rodriguinho. E esse é estopim para Domingos de Oliveira fazer uma viagem
pelos tentáculos da mentira e a sua institucionalização como
sustentáculo de uma sociedade inteira, através da metáfora famíliar.
“Infância” apresenta-nos um matriarcado regido à mão de ferro,
casamentos que são costurados pelos negócios e a dignidade que se vende a
troco da segurança social, proteção e pertencimento a um grupo.
O filme de Domingos Oliveira se situa
historicamente na década de 50, pontuados pela direção de arte de
Ronaldo Teixeira, mas é atual. É um questionamento da hipocrisia: o
casamento de Conceição (Priscilla Rozembaun) está nas mãos da mãe pelos
negócios a ele vinculados sob os cuidados de seu marido Henrique (Paulo
Betti). O casamento acabado do irmão Orlando (Ricardo Kosovski) gera um
filho mau educado. É o símbolo do que ‘gorou’. Dignidade não existe,
coloca-se a dita cuja debaixo da almofada do sofá e senta-se em cima
para ouvir o Carlos Lacerda se pronunciar. O importante é sorrir
amarelo. E esse é o viés da obra de Domingos, uma ode ao
questionamento num mar de interpretações respeitáveis.
Fernanda Montenegro, indicada ao Oscar
por “Central do Brasil” (1998) está avassaladora como D. Mocinha a
‘pestilenta encantadora’ e tirana que manipula a todos e é seguidora do
Lacerda. Paulo Betti de “Casa da Mãe Joana 2” (2013), não fica para trás
e juntamente com Priscilla Rozenbaun de “Na Carne e na Alma” (2012)
batem um pingue-pongue ótimo. Ricardo Kosovski de “Primeiro Dia de Um
Ano Qualquer” (2012) dá um show como o cara que quer sair dessa lama de
hipocrisia – é o único separado – mas não consegue, o sistema é mais
forte. Raul Guaraná convence como Domingos infante, mas quem se destaca é
o Ricardinho (Lucca Valor) como o menino mau educado, boca suja e
safadinho, filho de pais separados. O fruto de tudo o que deu errado
(leia-se não seguiu a cartilha da hipocrisia) e que faz esse contraponto
da critica ao sistema com muita graça. Por tudo isso “Infância” foi
premiado com 4 Kikitos no Festival de Gramado 2014: prêmio especial do
Juri para Fernanda; Melhor ator coadjuvante para Paulo Betti; Melhor
Roteiro e Melhor montagem; e 4 Cactos de Ouro do Encontro Nacional de
Cinema e vídeo dos sertões.
A maestria dessa história toda está no
roteiro e na trilha sonora. O roteiro traz estes aspectos e nuances
tecidos através de conversas e embalados pela trilha de Nico
Nicolaiewsky (1957-2014), destacando a música “Tecendo” interpretada por
sua filha. “Infância” é uma tessitura do cotidiano através de
conversas que transportam no tempo e fazem refletir, mais que isso,
questionar. E o melhor disso tudo é o encontro de Domingos com ele mesmo
e nós, os espectadores, por testemunhas. Divino!
About Sonia Rocha
Editora do Blog Cinema e Movimento, crítica cinematográfica, professora de filosofia e história, mestranda em educação (ProPed/UERJ) e pesquisadora de cinema e educação (UERJ)
Fonte: cinemaemovimentoblog
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