setembro 10, 2015

Braços que se abrem: um novo olhar crítico sobre o conservadorismo da política de refúgio. Por Diana Thomaz (UNINÔMADE)

PICICA: Aylan se tornou um símbolo que abriu os olhos do mundo. Precisamos estar de braços abertos para ajudar aqueles que precisam.”

Braços que se abrem: um novo olhar crítico sobre o conservadorismo da política de refúgio

Por Diana Thomaz

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“Aylan se tornou um símbolo que abriu os olhos do mundo. Precisamos estar de braços abertos para ajudar aqueles que precisam.”

Essas foram as palavras pronunciadas pelo primo de Aylan Kurdi quando da realização de um memorial no dia 5 de setembro em Vancouver em homenagem à família síria e seus mortos. As imagens do menino de três anos afogado na costa turca de fato chamaram a atenção do mundo para a realidade brutal daqueles que buscam refúgio e para a violência de políticas que tentam impedir sua mobilidade. Segundo dados do ACNUR, cerca de 366.402 pessoas atravessaram o Mediterrâneo em busca de proteção esse ano. Dentre estas, 2.800 morreram ou são tidas como desaparecidas. O número de refugiados que chegam ou tentam chegar às fronteiras da União Europeia, porém, não devem ser encarados como configurando um cenário de “crise”. Em primeiro lugar, os números não são significativos se considerarmos a capacidade de recepção dos países do bloco ou o número vultuosamente superior de migrantes forçados situados nos países em desenvolvimento próximos às áreas de conflito (as estimativas são de que de 85% a 95% dos refugiados do mundo se situem no sul global). Em segundo lugar, a retórica da crise invoca medidas excepcionais que prometem apenas agravar o sofrimento dos que buscam proteção: a União Europeia vem há meses discutindo a possibilidade de atacar militarmente as redes de atravessadores que organizam os trajetos irregulares para Europa em embarcações precárias. Na contramão da retórica do conservadorismo e da xenofobia, iniciativas individuais e comunitárias por toda a Europa têm demonstrado hospitalidade e solidariedade com os refugiados, seja na arrecadação de doações, na criação de alternativas de acomodação para essas pessoas, ou até mesmo através de protestos e manifestações públicas críticas à brutalidade de políticas governamentais, com no caso da Hungria.

A imagem de Aylan e a maior visibilidade à realidade do refúgio nas últimas semanas, porém, não expuseram apenas a postura restritiva e violenta da UE. O governo canadense também se viu diretamente envolvido e responsabilizado pela morte do menino, seu irmão e sua mãe. A política de refúgio canadense está igualmente sendo posta em questão pela população, podendo inclusive afetar o resultado das próximas eleições federais, marcadas para o dia 19 de outubro. Após a hiper-divulgação da foto de Aylan, descobriu-se que a família do menino tem parentes que moram no Canadá e que estes haviam tentado trazê-los ao país. A tia do menino, Teema Kurdi relatou à mídia que quando Aylan, seu irmão e seus pais tentaram fugir da cidade de Kobani, que foi devastada pelo Estado Islâmico no ano passado, a ONU se negou a registrá-los como refugiados e o governo turco não os concedeu vistos de saída, o que tornava sua vinda ao Canadá virtualmente impossível. As tentativas de Teema de trazer a família para o país em segurança levaram-na a contactar um parlamentar local que escreveu uma carta diretamente ao ministro da imigração, Chris Alexander, do Partido Conservador, propondo que Teema, seus amigos e vizinhos financiassem a acolhida deles no Canadá.

A descoberta de que o governo canadense teria sido cúmplice na morte de Aylan chocou o país e interrompeu a campanha eleitoral de Chris Alexander a uma vaga no parlamento. A política de refúgio nacional passou a figurar no centro das discussões e discursos pré-eleitorais. O primeiro-ministro Stephen Harper, também do Partido Conservador, tem sido fortemente questionado acerca do pequeno número de refugiados que o Canadá tem recebido nos últimos anos e os pífios esforços do país em contribuir com políticas de reassentamento de refugiados sírios. Em sua defesa, Harper afirmou que “o Canadá tem a política de imigração mais generosa do mundo, admitindo per capita mais pessoas do que qualquer outro país”. Porém, como a rede CBC demonstrou, o primeiro-ministro juntou nesses número imigrantes econômicos e refugiados. O Canadá de fato recebe um número relativamente grande de pessoas de outros países: foram 165.000 apenas em 2014. Porém os refugiados correspondem a apenas 10% deste total.

O questionamento da política de refúgio canadense fez emergir uma série de fatos até então pouco discutidos nacionalmente. Como exemplo temos o fato de que o número de solicitações de refúgio no país caiu pela metade nos últimos anos de governo conservador. E isso se dá pelo estabelecimento de uma série de políticas e táticas que dificultam o acesso à proteção do refúgio no país, como destacou matéria recente no The Guardian. Essas políticas e táticas incluem, por exemplo, a instalação de agentes de fronteira em aeroportos em diferentes partes do mundo, que atuam no sentido de impedir que refugiados embarquem em voos para o Canadá. Aqueles que conseguem chegar ao Canadá, por sua vez, encontram uma série de empecilhos, que chegam ao ponto do aprisionamento. Os que não tem documentos, cuja chegada é vista como “irregular”, são detidos em instalações de “prevenção da imigração” ou até mesmo em prisões comuns (o Canadá é o único país ocidental a encarcerar migrantes e presos comuns juntos). Isso vai totalmente contra o direito internacional dos refugiados, uma vez que a Convenção de 1951 da ONU sobre o assunto explicita que os Estados não devem penalizar refugiados que entrem de forma irregular. As diferentes políticas excludentes sofridas pelos refugiados e imigrantes no Canadá foram documentadas pelo site Never Home, organizado pelo movimento “No One is Illegal” já bastante conhecido no país em sua luta contra a ideologia dos controles migratórios.

Não é possível prever o resultado das próximas eleições e afirmar categoricamente que a maior visibilidade crítica à política de refúgio do país será suficiente para tirar os conservadores do poder. Porém, a retórica anti-refugiados – como se eles fossem aproveitadores dos benefícios sociais canadenses ou uma potencial ameaça a segurança nacional – se tornou mais frágil diante da comovente foto do menino de três anos. Não será fácil, por exemplo, justificar políticas que buscam impedir a vinda de refugiados e sua vida livre no Canadá se a maior busca no Google relacionada ao tema no país agora é “como patrocinar um sírio?”. Assim como na Europa, a população canadense vem denunciando a miséria e o cinismo do conservadorismo, indo inclusive às ruas em movimentos de boas vindas aos refugiados em diferentes cidades do país.

Como afirmou o primo de Aylan, a morte do menino de fato se tornou um símbolo trágico que abriu os olhos do mundo. Não podemos permitir a perversidade do compartilhamento de suas imagens deslocadas de seu sentido e contexto, isoladas da luta altamente arriscada de todos aqueles que fogem por suas vidas. E cabe a nós lutarmos também. Nos cabe agora responder à expectativa de que esse novo mundo ciente seja capaz de, através de redes de solidariedade que germinam por toda parte, abrir seus braços para os que precisam, derrubando os muros do conservadorismo e construindo uma nova forma global de se pensar e praticar a cidadania.


Diana Thomaz é mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio e doutoranda na Balsillie School of International Affairs no Canadá.

Fonte: UniNômade

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