setembro 17, 2015

A maioria silenciosa, sim, ela fala! Por Cinthia Mendonça (UNINÔMADE)

PICICA: “A longa marcha de refugiados que vem caminhando à Áustria chama atenção pelo contingente: são milhares de pessoas e no meio do caminho é comum que eles recebam a ajuda de austríacos que passam de carro nas proximidades da fronteira húngara. Estes levam “de carona” à Viena mulheres e crianças, facilitando, como podem, a travessia dessa gente. Microações têm sido verdadeiras dádivas. Mesmo sabendo que é ilegal e podendo pagar uma multa que varia entre 1 mil e 5 mil Euros, muitos austríacos continuam ajudando os refugiados na travessia Hungria-Áustria.”

A maioria silenciosa, sim, ela fala!

Por Cinthia Mendonça

“A longa marcha de refugiados que vem caminhando à Áustria chama atenção pelo contingente: são milhares de pessoas e no meio do caminho é comum que eles recebam a ajuda de austríacos que passam de carro nas proximidades da fronteira húngara. Estes levam “de carona” à Viena mulheres e crianças, facilitando, como podem, a travessia dessa gente. Microações têm sido verdadeiras dádivas. Mesmo sabendo que é ilegal e podendo pagar uma multa que varia entre 1 mil e 5 mil Euros, muitos austríacos continuam ajudando os refugiados na travessia Hungria-Áustria.”

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A maioria silenciosa fala sim é a tradução para o slogan “Die schweigende Mehrheit sagt Ja!” que vi em uma movimentada rua do sexto distrito durante uma das tantas manifestações que têm acontecido em Viena. A frase demonstra o desejo de uma geração que parece querer falar sobre o que pensa e sobre o que sente. A neutralidade do Estado austríaco — que, durante anos e anos, formou subjetividades que se acostumaram a não tratar em público de temas polêmicos, ou a não se posicionar para não sugerir ideologias, sejam elas quais forem, — parece ruir agora diante das insurgências globais e, acima de tudo, diante de uma real crise humanitária.

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Parece insurgir-se o desejo de uma geração, que quer se posicionar diante da conduta neutra herdada no pós “Anschluss”. Pois bem, o tempo passou e a neutralidade que ainda hoje aparenta estar introjetada no cotidiano do país, neste momento parece não fazer o menor sentido. Então, ainda que de maneira comedida se comparados aos protestos do sul, os austríacos querem manifestar-se, conversar, debater, perguntar em público sobre o que pensam. No entanto, o que me tem chamado mais atenção são ações efetivas que nem sempre são difundidas.

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A situação é interessante até mesmo para os próprios austríacos, porque podemos ver gente inclusive do campo que embora em geral costume se mostrar mais conservadora, agora está apoiando a recepção dos refugiados e ajudando como pode. Claro que há aqueles que temem a permanência dos refugiados no país. A ironia é que esses são, justamente, os que têm relativamente mais poder. A extrema direita permanece calada em relação ao assunto. Porém, se há austríacos mobilizando-se em prol da expressão pública, é porque eles sabem que é a hora de abandonar o silêncio neutral, que os acompanhou por tantos anos, para que a direita não se aproveite do silêncio.

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Todos sabem que o país pode alojar as pessoas que chegam em espaços mais adequados do que os acampamentos improvisados. Cada uma das nove Regiões da Áustria tem edifícios que, de posse do Estado, poderiam servir de abrigo aos que chegam. Cada Região, que tem certa independência, responde a sua maneira e sempre há os que não querem ceder os prédios públicos para servir de abrigo. Além disso, há iniciativas privadas que oferecem edifícios vazios (como hotéis) para que o governo possa utilizá-los. Mas esse tema talvez seja um dos mais complexos no momento, porque muitas Regiões não se posicionam favoravelmente aos empréstimos, e muito menos em ceder os seus próprios edifícios para amparar os refugiados. Quanto a isso, o primeiro ministro Werner Faymann conseguiu votos suficientes no parlamento para mudar a constituição, delegando a decisão sobre os refugiados para o Parlamento, gostando as regiões ou não. Já em relação à ocupação de prédios vazios, nada foi resolvido.

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Em Westbanhof, uma das estações de trem da cidade de Viena, milhares de refugiados passam todos os dias ao seguir viagem para a Alemanha. Também, todos os dias centenas de pessoas vão à estação para oferecer à gente que passa: comida, roupas, produtos para asseio e dinheiro. No sábado, 5 de Setembro, havia cerca de 1.500 refugiados que tiveram que pernoitar em Viena antes de seguir viagem. Alguns dormiram ali mesmo em vagões climatizados pela associação estatal ferroviária da Áustria (ÖBB), que vem colaborando com o transporte e com a acomodação dos emigrados. Outras tantas pessoas receberam o abrigo de gente que ofereceu a sua própria casa ou um espaço disponível para pernoite. A associação ÖBB anunciou que não está fazendo a fiscalização e nem controlando a compra de passagens desde Áustria à Alemanha, o que indica que muitos poderão seguir viagem sem pagar por isso. Além dos trens, a informação que nos chega da fronteira é que há também, ônibus que estão fazendo o transporte gratuitamente da fronteira austríaca para a capital.

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A quantidade de doações que os austríacos trazem para a estação Westbanhof é tamanha que o local de embarque e desembarque em poucos dias se tornou bastante caótico. Pode-se ver de tudo, uma montanha de cobertores, gente que compra chá, café e cigarros para oferecer em bandejas, gente que traz carrinhos de compras repletos de comida ou garrafas de água, doação de passagens de trem e dinheiro, manifestantes com cartazes e megafone, cartazes em inglês, alemão e árabe. Podemos ver a presença de refugiados já integrados de distintas origens junto aos cidadãos austríacos que prestam ajuda.

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A televisão local noticia sem parar o fluxo de pessoas que vão e vêm do país. Os números não param de crescer. Enquanto ONGs, jovens, estudantes, crianças, senhoras e senhores fazem o que podem para receber essa gente com o mínimo de apoio. Na estação Westbanhof, a polícia austríaca acompanha de longe sem demonstrar nenhum tipo de irritação ou incômodo com o caos estabelecido. Dos 1.500 refugiados que chegaram no sábado à estação austríaca, apenas uma dezena deles ficará na Áustria, diz a imprensa local.

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É comum nas estações da Alemanha e da Áustria a fila de pessoas esperando com aplausos o desembarque dos refugiados. Um ato simbólico, um ritual de chegada bastante simpático que em Viena soa até como um pedido de desculpas. Assim que passam por essas boas vindas as pessoas se deparam então, com gente que lhes oferece de tudo. Por vezes a excitação por parte de quem quer ajudar acaba colaborando para o caos e por isso os jornais pedem aos solidários, um pouco de parcimônia. No rosto cansado dos sírios que chegam está estampado muitas vezes um sorriso de quem se surpreende e aceita. Alguns fazem questão de demonstrar gratidão e podemos ver nas redes sociais a troca de mensagens de agradecimento e boas vindas retratadas por selfs e cartazes escritos de improviso em dois ou mais idiomas. Mas por vezes, há também a presença incômoda de políticos locais. A ministra das relações exteriores da Áustria Johanna Mikl_Leiter foi expulsa da estação de Nickelsdorf sob os gritos de ativistas que a acusavam de descaso.

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Em Nickelsdorf, cidade situada na fronteira, os refugiados chegam de trem, ônibus e a pé vindos de diferentes regiões e ali são recebidos com o básico de que precisam para passar a noite ou para ficar pelo tempo que desejarem. A Áustria recebeu na semana passada mais de 13 mil refugiados em suas fronteiras com Hungria. Muitos deles percorrem caminhando 10 quilômetros de Hegeyshalom, na Hungria, até Nickelsdorf, na Áustria. Para tentar controlar o fluxo de refugiados, a Hungria tem cancelado os trens rumo à Alemanha e detido quem tenta passar. A policia húngara tem sido bastante intolerante.

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A longa marcha de refugiados que vem caminhando à Áustria chama atenção pelo contingente: são milhares de pessoas e no meio do caminho é comum que eles recebam a ajuda de austríacos que passam de carro nas proximidades da fronteira húngara. Estes levam “de carona” à Viena mulheres e crianças, facilitando, como podem, a travessia dessa gente. Microações têm sido verdadeiras dádivas. Mesmo sabendo que é ilegal e podendo pagar uma multa que varia entre 1 mil e 5 mil Euros, muitos austríacos continuam ajudando os refugiados na travessia Hungria-Áustria. Numa revista internacional vejo a reportagem com o grupo de pessoas que participou há dois dias um comboio de cerca de 140 carros saindo da capital austríaca em direção a Budapeste com o objetivo de trazer os refugiados à Áustria. Segundo noticia a reportagem, a polícia húngara deteve quatro ativistas que só foram libertados após intervenção do governo austríaco. Porém, a ilegalidade e o risco de serem multados ou presos não impediu o fluxo das caronas. No entanto, a ação do comboio se dissolveu para dar lugar à viagens pontuais aos lugares mais distantes da Hungria, como a cidade Debrecen onde a ajuda ainda não havia chegado.

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Na Áustria, há também ações simbólicas contra o silêncio. Uma delas é o caso do músico Raoul Haspel que lançou em um site de compra de músicas online uma canção que possui 1 minuto de silêncio. Neste site qualquer pessoa pode comprar o silêncio por 1 Euro e até o momento, segundo um jornal local, o site tinha cerca de 6.674 downloads, ou seja, Euros doados. Na T.V nacional e nos eventos públicos podemos encontrar o apoio ao refugio. Antes de uma partida de futebol entre os times de Viena e Moldavia, o locutor fala sobre a situação atual dos refugiados e pede um minuto de silêncio enquanto uma gigante bandeira escrita “respect refugees” é aberta e segurada pelo time austríaco. Nas redes sociais se difunde um vídeo de um noticiário da T.V alemã, que vai além de informar sobre a situação e condena abertamente a influência que Alemanha e parte da Europa exercem sobre as guerras na Turquia e na África, não excluindo, então, a responsabilidade europeia sobre o êxodo forçado.

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Neste momento os sírios são a maioria, no entanto, há pela capital diversos refugiados africanos vindos de diferentes países. Segundo informa o site oficial de estatísticas populacionais do governo, legalmente existem pelo menos 26 mil exilados africanos na Áustria. Mas ilegalmente essa quantia pode duplicar. Eles estão por toda a cidade, alguns mais integrados que outros. Pelas ruas da cidade de Viena, já se pode ver e ouvir a miscelânea de idiomas e também (porque não?) de cores. E as pessoas não param de chegar…

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Também pelos jornais vejo alguns artigos interessantes que deixam claro o prejuízo de se fechar as portas do país aos refugiados e relembrando aos que se esqueceram que esse tema é familiar para a velha Europa. O jornalista Hans Rauscher escreveu no jornal Der Standard, que não há nada de novo sob o céu europeu: “Flüchtlingsströme? Normaler, als man glaubt” – Fluxo de refugiados? Mais normal do que você pensa.

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Erauscher dá um breve e objetivo panorama histórico à situação trazendo alguns números comparativos. Segundo ele, em 1945 havia cerca de 12 milhões de “pessoas deslocadas” (“populações desenraizadas”), libertadas prisioneiras de campos de concentração, trabalhadores forçados, judeus, como destroços da guerra que devastou a Europa. Naquela época essas pessoas não foram recebidas amigavelmente na Alemanha e na Áustria. Com os turcos que na década de 1960 vieram trabalhar para a indústria austríaca no pós guerra (e que por aqui ficaram no país), não foi diferente, mas o “impacto” destas entradas foi finalmente superado. Por isso, o jornalista afirma que o fenômeno é mais “normal” do que pensam alguns europeus. Desde 1945, milhões de pessoas deixaram seus países na esteira do colapso do colonialismo na África e na Ásia e também por conta dos reflexos das guerras internas. O jornalista então termina o artigo escrevendo que não vai ser fácil porque “Há muita pólvora e ainda mais gente querendo botar fogo”. Diz ele: “Nós, na Europa, estivemos muito, muito bem nas últimas décadas e ainda estamos. Nós nos esquecemos que as crises terríveis eram a normalidade. Nós não queremos admitir que agora, a situação, apesar de ainda ser boa, já não é das melhores. Mas o que vem a seguir, será apenas um pálido reflexo de crises passadas.”(Hans Rauscher, 2015/08/28). No geral, a Áustria espera este ano cerca de 70 mil asilos, entre eles estão, também, os refugiados de guerra. O país, querendo ou não, terá que lidar com esse contingente de exterioridade.

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Não é que os problemas da Europa estejam resolvidos com essa gentil mobilização, mas ela nos prova que nem tudo é decidido pelos interesses econômicos da União Europeia. Na Áustria, ao menos, parece que muitos querem deixar claro que não estão de acordo com as políticas de exílio estabelecidas pela U.E. Para além das políticas de acordos econômicos, existe humanidade e um reconhecimento, uma empatia entre as pessoas.

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Sobre os refugiados africanos (que geralmente pedem asilo econômico) e sírios, o que sabemos é que os que chegam aqui são justamente àqueles que tem melhores condições financeiras. Estes tem grandes chances de se integrar à sociedade como estudantes, proletários, proprietários de comércio, maridos e esposas de austríacos. Por fim estamos falando de uma classe media refugiada porque sabemos que os pobres, estes sim, morrerão pelas guerra do mundo.



Referências:

https://www.statistik.at/web_de/statistiken/menschen_und_gesellschaft/bevoelkerung/bevoelkerungsstruktur/bevoelkerung_nach_staatsangehoerigkeit_geburtsland/031407.html

http://diepresse.com/home/politik/innenpolitik/4744859/Asyl_Innenministerium-erwartet-heuer-70000-Antraege

http://medienservicestelle.at/migration_bewegt/wp-content/uploads/2015/06/top_15_asylantraege-e1435070010558.jpg

http://www.vice.com/alps/read/samstag-konvoi-ungarn-322

https://www.facebook.com/monitor.wdr/videos/940195359352738/?__mref=message_bubble

https://www.youtube.com/watch?v=fh4sJLU0zyY

http://derstandard.at/2000021437916/Fluechtlingsstroeme-Normaler-als-man-glaubt

https://www.facebook.com/events/1143949075621493/
Fonte: UniNômade

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