PICICA: "Pessoas que sofrem injusta atuação por
parte do Estado têm o direito de resistir e, assim fazendo, não praticam
crime de desacato ou desobediência. É o que afirmam diversos
especialistas consultados pelo Justificando, que procurou saber os direitos dos jovens parados, apreendidos e agredidos no Estado do Rio de Janeiro."
Jovens parados pela polícia sem justa causa têm direito de resistir, afirmam especialistas
- Brenno Tardelli
Diretor de Redação
Pessoas que sofrem injusta atuação por
parte do Estado têm o direito de resistir e, assim fazendo, não praticam
crime de desacato ou desobediência. É o que afirmam diversos
especialistas consultados pelo Justificando, que procurou saber os direitos dos jovens parados, apreendidos e agredidos no Estado do Rio de Janeiro.
Isso porque adolescentes pobres cariocas têm sido alvo de vigilância e agressão por parte da polícia militar e de jovens moradores de Copacabana. A ação, que quase culminou em um linchamento no último final de semana, começou com a decisão da Secretaria de Segurança Pública do Estado de barrar e apreender jovens que se deslocavam de favelas até os cartões postais da cidade. Quando a Defensoria Pública ingressou com ação e o Judiciário proibiu que prisões sem motivação continuassem, entraram em cena jovens vigilantes para depredaram um ônibus e quase alcançarem os alvos da punição.
A justificativa por parte do Estado para apreender - expressão usada para designar prisão de crianças e adolescentes - é a de reduzir o número de crimes contra o patrimônio nas praias cariocas. Por isso, jovens que estavam no ônibus e "sem dinheiro para voltar" eram consequentemente retirados do transporte e levados para as delegacias. O caso espantou ativistas pelos direitos humanos, uma vez que pessoas estavam sendo presas sem motivo legal, com base em suposições e classe social desfavorecida.
A polícia pode parar quem ela quiser. A gente deveria mudar esse entendimento. Os EUA, por exemplo, é um país que o policial só pode parar e revistar alguém se tiver uma justa causa para isso. O policial aqui nunca será punido e responsabilizado por essa atitude. E se a pessoa negar a revista, ainda pode ser conduzida e presa em flagrante por desacatar uma ordem policial. E no Tribunal de Justiça (TJ) de SP, certamente um dos tribunais mais conservadores do Brasil, a pessoa seria condenada por isso.
Para o Juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) João Batista Damasceno, a cultura autoritária esconde a realidade de que uma pessoa somente pode ser abordada e revistada ser houve suspeita fundamentada e não basta a mera suspeita decorrente de preconceito de raça, de classe social ou de local de moradia. Segundo ele, essa naturalização dos abusos perpretados pela polícia é tão forte que, embora os policiais tenham cometido abuso de autoridade, nada acontecerá com eles. Para Damasceno, tanto o Secretário de Segurança, quanto o Governador poderiam ser diretamente responsabilizados pela conivência com o abuso no caso.
Se houvesse regular funcionamento das instituições do Estado, a esta altura tais policiais já estariam sendo processados. Mas, não apenas eles, pois toda a cadeia de comando tem responsabilidade penal pelas ocorrências. Não existe momento mais adequado que este para a aplicação da Teoria do Domínio do Fato e o próprio Governador Pezão poderia ser incriminado. Ele tem o poder de determinar que a Constituição seja cumprida, mas se mantém conivente enquanto o Secretário Beltrame incentiva tais práticas policiais e chega a ameaçar descumprir ordem judicial. A conduta do governador Pezão é de aprovação à violação da Constituição da República e ele tem o domínio absoluto do fato, pois é o chefe do Executivo estadual.
A atuação policial nesses moldes - em que se escolhe quem vai ser "pego" - o termo é esse mesmo, pois a legislação não prevê o que foi feito - pela cor da pele, pelo bairro de residência ou pela condição social é crime. No caso de serem adolescentes, como ocorreu no Rio, é aquele previsto no art. 230, do ECA: "Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente".
No mesmo sentido, para o Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), João Paulo Martinelli, o direito de resistir dos jovens nasce da prisão ilegal. De outra forma, ainda que estivessem em situação flagrante, a resistência ainda é vista como um desdobramento do fato - "Se o sujeito não está em flagrante de delito, não há resistência, porque a pessoa tem direito de resistir porque é uma prisão ilegal. E mesmo quando está em flagrante, e tenta fugir, eu vejo como um desdobramento de quem está em flagrante", afirma.
Tecnicamente os jovens que desobedecerem comandos policiais nesta situação sequer cometem crime, uma vez que a ordem precisa ter fundamento legal, além do dolo (intenção) específico para o crime. "A desobediência só vale em casos em que se parte de uma ordem legal. Se a ordem é ilegal, não há crime de desobediência. E mais: precisa de um dolo específico e ter a intenção de descumprir aquela ordem. Se eu não concordo com a atuação, e portanto não me submeto a ela, jamais poderia ser considerado como um crime de desobediência", diz Feller.
A desobediência à ordem ilegal já evoluiu para o que a doutrina chama de "direito de resistência", isto é, o direito que o particular tem de resistir ao arbítrio do Estado. Alguns casos mundiais de resistência se tornaram símbolo na luta por direitos civis, como nos EUA, quando Rosa Parks, negra, se recusou formalmente a dar seu lugar no ônibus a um branco, dando início a uma revolta na cidade que seria o grande estopim para a pauta antissegracionista.
Para o Defensor Público e Colunista no Justificando, Eduardo Newton, o direito de resistência, talvez, seja a única forma de o adolescente gritar para a sociedade de que, quer seja ele oriundo da Maré, quer seja vindo do Leblon, ele deve ser respeitado. "Mais do que nunca, eu te diria resistir é preciso", afirma.
Por isso, segundo Damasceno, para exercer o direito de resistência, paciência é fundamental ante a possível provocação verbal e física dos policiais; além disso, a inteligência para coletar dados para denunciar posteriormente o abuso é necessária. "Não adianta tentar questionar o porquê da abordagem ou dos abusos, pois quem o comete não vai justificar o que fez. Há poucos modos de opor resistência á força policial quando as instituições estão mancomunadas. A documentação, a mais farta possível e de preferência por meio de filmagem, é o melhor meio para se buscar a responsabilidade posteriormente", diz.
Além disso, Damasceno explica que é a Defensoria Pública do Rio de Janeiro é um canal útil no momento da delegacia, por ter atuação neste tipo de caso. O Justificando apurou a existência de outros grupos de advogados ativistas no Estado, como o DDH - Defensores dos Direitos Humanos.
"O melhor é manter a calma, não aceitar provocações dos agentes do Estado que estejam cometendo a arbitrariedade, filmar ou documentar a ocorrência e posteriormente buscar a responsabilização dos policiais, dos seus comandantes, do Secretário do Estado que autoriza a truculência e até do Governador", completou Damasceno, em entrevista.
Fonte: Justificando
Isso porque adolescentes pobres cariocas têm sido alvo de vigilância e agressão por parte da polícia militar e de jovens moradores de Copacabana. A ação, que quase culminou em um linchamento no último final de semana, começou com a decisão da Secretaria de Segurança Pública do Estado de barrar e apreender jovens que se deslocavam de favelas até os cartões postais da cidade. Quando a Defensoria Pública ingressou com ação e o Judiciário proibiu que prisões sem motivação continuassem, entraram em cena jovens vigilantes para depredaram um ônibus e quase alcançarem os alvos da punição.
A justificativa por parte do Estado para apreender - expressão usada para designar prisão de crianças e adolescentes - é a de reduzir o número de crimes contra o patrimônio nas praias cariocas. Por isso, jovens que estavam no ônibus e "sem dinheiro para voltar" eram consequentemente retirados do transporte e levados para as delegacias. O caso espantou ativistas pelos direitos humanos, uma vez que pessoas estavam sendo presas sem motivo legal, com base em suposições e classe social desfavorecida.
Policiais podem parar quem bem entenderem?
Jovens que estão no ônibus podem ser abordados por policiais, ainda que não apresentam nenhuma justa causa para isso? No Brasil reina a cultura de que a polícia pode parar quem ela quiser, afinal, quem não deve, não teme. Para o Advogado Criminalista Marcelo Feller, essa cultura da Polícia achar que pode parar quem quer precisa mudar.A polícia pode parar quem ela quiser. A gente deveria mudar esse entendimento. Os EUA, por exemplo, é um país que o policial só pode parar e revistar alguém se tiver uma justa causa para isso. O policial aqui nunca será punido e responsabilizado por essa atitude. E se a pessoa negar a revista, ainda pode ser conduzida e presa em flagrante por desacatar uma ordem policial. E no Tribunal de Justiça (TJ) de SP, certamente um dos tribunais mais conservadores do Brasil, a pessoa seria condenada por isso.
Para o Juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) João Batista Damasceno, a cultura autoritária esconde a realidade de que uma pessoa somente pode ser abordada e revistada ser houve suspeita fundamentada e não basta a mera suspeita decorrente de preconceito de raça, de classe social ou de local de moradia. Segundo ele, essa naturalização dos abusos perpretados pela polícia é tão forte que, embora os policiais tenham cometido abuso de autoridade, nada acontecerá com eles. Para Damasceno, tanto o Secretário de Segurança, quanto o Governador poderiam ser diretamente responsabilizados pela conivência com o abuso no caso.
Se houvesse regular funcionamento das instituições do Estado, a esta altura tais policiais já estariam sendo processados. Mas, não apenas eles, pois toda a cadeia de comando tem responsabilidade penal pelas ocorrências. Não existe momento mais adequado que este para a aplicação da Teoria do Domínio do Fato e o próprio Governador Pezão poderia ser incriminado. Ele tem o poder de determinar que a Constituição seja cumprida, mas se mantém conivente enquanto o Secretário Beltrame incentiva tais práticas policiais e chega a ameaçar descumprir ordem judicial. A conduta do governador Pezão é de aprovação à violação da Constituição da República e ele tem o domínio absoluto do fato, pois é o chefe do Executivo estadual.
Jovens têm o direito de resistir à abordagem sem justa causa?
Para o Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM - e Advogado Criminalista, André Kehdi, todas as pessoas, jovens ou adultas, têm o direito natural de se defenderem da prática de crimes. Para ele, o caso dos jovens no Rio de Janeiro está previsto como crime no Estatuto da Criança e do Adolescente.A atuação policial nesses moldes - em que se escolhe quem vai ser "pego" - o termo é esse mesmo, pois a legislação não prevê o que foi feito - pela cor da pele, pelo bairro de residência ou pela condição social é crime. No caso de serem adolescentes, como ocorreu no Rio, é aquele previsto no art. 230, do ECA: "Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente".
No mesmo sentido, para o Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), João Paulo Martinelli, o direito de resistir dos jovens nasce da prisão ilegal. De outra forma, ainda que estivessem em situação flagrante, a resistência ainda é vista como um desdobramento do fato - "Se o sujeito não está em flagrante de delito, não há resistência, porque a pessoa tem direito de resistir porque é uma prisão ilegal. E mesmo quando está em flagrante, e tenta fugir, eu vejo como um desdobramento de quem está em flagrante", afirma.
Tecnicamente os jovens que desobedecerem comandos policiais nesta situação sequer cometem crime, uma vez que a ordem precisa ter fundamento legal, além do dolo (intenção) específico para o crime. "A desobediência só vale em casos em que se parte de uma ordem legal. Se a ordem é ilegal, não há crime de desobediência. E mais: precisa de um dolo específico e ter a intenção de descumprir aquela ordem. Se eu não concordo com a atuação, e portanto não me submeto a ela, jamais poderia ser considerado como um crime de desobediência", diz Feller.
A desobediência à ordem ilegal já evoluiu para o que a doutrina chama de "direito de resistência", isto é, o direito que o particular tem de resistir ao arbítrio do Estado. Alguns casos mundiais de resistência se tornaram símbolo na luta por direitos civis, como nos EUA, quando Rosa Parks, negra, se recusou formalmente a dar seu lugar no ônibus a um branco, dando início a uma revolta na cidade que seria o grande estopim para a pauta antissegracionista.
Para o Defensor Público e Colunista no Justificando, Eduardo Newton, o direito de resistência, talvez, seja a única forma de o adolescente gritar para a sociedade de que, quer seja ele oriundo da Maré, quer seja vindo do Leblon, ele deve ser respeitado. "Mais do que nunca, eu te diria resistir é preciso", afirma.
Como, então, resistir ao arbítrio?
Falar em Direito de Resistência na teoria é uma coisa. Na prática, é uma realidade muito diferente: ninguém que conheça o nível de letalidade da nossa polícia pode dizer que é possível - especialmente aos jovens negros e pobres - resistir a uma abordagem policial, por mais ilegal que seja, sem correr risco, afirma Kehdi.Por isso, segundo Damasceno, para exercer o direito de resistência, paciência é fundamental ante a possível provocação verbal e física dos policiais; além disso, a inteligência para coletar dados para denunciar posteriormente o abuso é necessária. "Não adianta tentar questionar o porquê da abordagem ou dos abusos, pois quem o comete não vai justificar o que fez. Há poucos modos de opor resistência á força policial quando as instituições estão mancomunadas. A documentação, a mais farta possível e de preferência por meio de filmagem, é o melhor meio para se buscar a responsabilidade posteriormente", diz.
Além disso, Damasceno explica que é a Defensoria Pública do Rio de Janeiro é um canal útil no momento da delegacia, por ter atuação neste tipo de caso. O Justificando apurou a existência de outros grupos de advogados ativistas no Estado, como o DDH - Defensores dos Direitos Humanos.
"O melhor é manter a calma, não aceitar provocações dos agentes do Estado que estejam cometendo a arbitrariedade, filmar ou documentar a ocorrência e posteriormente buscar a responsabilização dos policiais, dos seus comandantes, do Secretário do Estado que autoriza a truculência e até do Governador", completou Damasceno, em entrevista.
Fonte: Justificando
Nenhum comentário:
Postar um comentário