PICICA: "Forjada no preconceito e na exclusão, a ideologia
predominante entre a classe média rechaça a participação política,
despreza o Estado, inclusive como ente regulador, e abraça sem
ponderação a ideologia do mercado. Não há espaço para a solidariedade e o
pensamento próprio, mais fácil terceirizar os neurônios para mantras
absorvidos na grande mídia, e repetidos no elevador."
Comunicado urgente à classe média: não há vagas na FIESP
por Fernando do Valle
Quando adolescente nos anos 80, era tomado por indignação com a paisagem cotidiana nos finais de tarde das avenidas da Zona Sul de São Paulo em que trabalhadores voltavam à periferia no final da tarde pendurados na porta ou na parte externa dos ônibus. Várias vezes, abordei o assunto em ambientes de classe média, a maioria não se importava, achava que o problema não era deles.
Os ônibus continuam cheios e os vagões do metrô abarrotados, mas é inegável que a tolerância com situações degradantes como aquela diminuiu entre a população pobre. O que infelizmente não muda é a ilusão de certa classe média de que por um descuido dos quatrocentões da Fiesp irá ocupar uma vaguinha na próxima reunião da alta roda no prédio da Paulista.
Em vez da solidariedade aos de baixo, comportam-se como garçons convictos de que foram convidados para a festa VIP. O pânico surge do medo de ser confundido com a classe C no momento em que engole o hambúrguer fast food no shopping com ar-condicionado, com direito à comédia Globo Filmes. Se agradar ao CEO, talvez um jantar no Outback.
Essa miopia sempre tornou tranquilo o sono de certos banqueiros e empresários, ou melhor, donatários hereditários, que espoliam nosso país há muito tempo. Forjada no preconceito e na exclusão, a ideologia predominante entre a classe média rechaça a participação política, despreza o Estado, inclusive como ente regulador, e abraça sem ponderação a ideologia do mercado. Não há espaço para a solidariedade e o pensamento próprio, mais fácil terceirizar os neurônios para mantras absorvidos na grande mídia, e repetidos no elevador.
Raramente avançam além de seu papel de consumidor e poucos atuam na esfera pública como agente de transformação social ou política. A quantidade de votos do anódino Celso Russomano na última eleição é um sintoma. Para seus eleitores, cidadania e direitos humanos não têm utilidade, nos resta a “cidadania do consumo”: ai se me engambelarem no momento sagrado da compra, me revolto e exijo direitos. Fora isso, salve-se quem puder.
O comportamento bovino é guiado pela propaganda e também por um jornalismo que não colabora na reflexão e na defesa do interesse público, apenas domestica o ser humano, como afirma o jornalista espanhol Ignacio Ramonet.
Defender os interesses do 1% que controla o dinheiro não credencia ninguém dos 99% a ser aceito no clube dos bilionários. Parece surreal, mas muitos parecem não se dar conta disso. E o grande capital está cada vez mais concentrado, em 2016, a grana que estará nas mãos de 1% ultrapassará o montante dos 99% da população mundial, segundo estudo da organização não-governamental britânica Oxfam. Mais um motivo para exigir mais justiça e menos privilégios.
Essa justiça só será alcançada com mais inclusão, educação, cultura e através da luta contra a concentração da renda nas mãos de poucos. Já passou da hora da classe média se libertar de sua identidade de grupo ‘quentinha’ embasada no discurso excludente e classista. Caso isso não ocorra, o caminho para mudanças efetivas será mais árduo.
Sou blogueiro e jornalista. Pai de Lorena, santista e obcecado por literatura, cinema, música e política.
Fonte: Zonacurva
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