Segundo Ana Marta Lobosque (Clínica Antimanicomial - Editora Hucitec, 1997), no início do anos 80 as críticas e propostas do movimento dos trabalhadores de saúde mental eram bastante simplistas: 1) controle dos abusos da rede privada e de sua expansão; 2) melhoria da qualidade da assistência nos hospitais públicos; 3) ampliação da assistência ambulatorial.
Ao final da década de 80, o saber psiquiátrico tornou-se objeto de uma retomada crítica, afirma Ana Marta, verificando-se a incompatibilidade do hospital psiquiátrico - reduto das formas mais perniciosas desse saber - com as propostas assistenciais voltadas para a construção da cidadania do "doente mental".
A despeito da criação dos Centros de Atenção Psicossocial/Núcleos de Atenção Psicossocial (CAPS/NAPS) por todos os anos 90 (atualmente existem mais de 700 dispositivos semelhantes) - nem ambulatórios, nem hospitais, porém, serviços territorializados, capacitados para o acolhimento de pacientes em crise - ainda hoje convivemos com distorções graves como as que são objeto de denúncia dos queridos companheiros Dulce e Geraldo Peixoto, da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial.
Trata-se de abuso e de um desvio dos atos normativos referentes à reestruturação da assistência em Saúde Mental no Brasil. Basta verificar o que está estabelecido nas portarias editadas pelo Ministério da Saúde (instruções sobre a organização e funcionamento de serviços) e nas recomendações da ANVISA (orientação sobre a arquitetura dos CAPS/NAPS).
O NAPS, objeto da denúncia, sequer é um arremedo de CAPS/NAPS; na verdade, trata-se de uma pocilga que não merece o nome de serviço substitutivo ao manicômio. Sua existência, em pleno XXI, coloca em evidência o despreparo de gestores que permitem uma simplificação rídicula de um CAPS/NAPS. Olhando à distância, é de se perguntar se as fotografias de um ambiente tão degradado não põem em evidência a ausência de formação de um novo tipo de trabalhador em saúde mental: de um tipo que não aceita ser instrumento contrário a construção da cidadania dos usuários da Saúde Mental. Dulce Edi Pedro dos Santos e Geraldo Peixoto afirmam peremptoriamente que não é o caso: "A bem da verdade, declaramos que, nesse serviço existe um núcleo de competentes e abnegados profissionais que, apesar das lamentáveis condições de trabalho e atendimento, conseguem manter um excelente nível de atenção".
A pergunta procede porque sabe-se da existência de verdadeiros "capsicômios" pelo país afora, graças a presença de reformistas de araque, o que se não chega a comprometer uma das reformas psiquiátricas mais bem sucedidas da atualidade - como é a reforma psiquiátrica brasileira - expõe, sim, a necessidade de posicionamento politico incisivo e claro em prol da cidadania e de uma clínica que não aceite a degradação do ambiente de trabalho.
O Estado do Amazonas não vive situação como a de São Vicente por uma razão óbvia: o rumo da reforma se perdeu nos anos 90. Somente no século XXI cogitou-se de criar uma rede de atenção diária à saúde mental. Nesse cenário, um tipo de visão anacrônica da reforma tentou se instalar insidiosamente numa frustrada tentativa de organização dos novos atores sociais que discutiam os rumos do setor da Saúde Mental. Não foram poucas as trapalhadas: implantação de CAPS em salinhas de Policlínicas; implantação de "lares abrigados" em territórios longínquos da urbe; e até mesmo alfabetização de usuários da saúde mental que frequentam o ambulatório do hospital psiquiátrico no interior dessa própria instituição, em flagrante desrespeito a um processo de inclusão verdadeira do cidadão portador de sofrimento mental na vida da cidade. Se isto não é um problema de formação, inclusive política, macacos me mordam!
Resumo da ópera: há que se cuidar da formação de novos trabalhadores em saúde mental, pois quanto aos antigos, já diziam os baianos, "pau que nasce torto, morre torto": poucos deles são capazes de se transformar em "mentaleiros", como exigem os novos tempos.
Enquanto isso, viva a sociedade civil organizada! Sua manifestação firme e civilizada é um alento para o avanço por uma sociedade sem manicômios. Viva o Geraldo, viva a Dulce! Viva a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial!
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