agosto 28, 2007

Encontro com Milton Santos: um filme de Silvio Tendler

Silvio Tendler - Foto: Felipe Fittipaldi

Encontro com Milton Santos
ou
O Mundo Global Visto do Lado de Cá


Um filme de Silvio Tendler
89 min. - 2006 - plano - dolby

Distribuição:

Caliban Produções Cinematográficas LTDA
R. Augusto Severo, 292 / 603
Glória - 20021-040 - RJ
Tel: (21) 2508-6871
e-mail: executivo@caliban.com.br

APRESENTAÇÃO

O filme aborda o tema da globalização sob uma perspectiva da periferia, de cidades, países, continentes, tendo como base uma entrevista feita em janeiro de 2001 com o geógrafo Milton Santos, um dos principais expoentes do pensamento brasileiro do século XX.
Imagens nacionais e internacionais [1] apresentam este mundo de hoje em que a antiga batalha entre capitalistas e comunistas foi trocada pelo conflito entre ricos e pobres, entre grandes empresas e ¾ da população mundial. Diversos momentos da história recente ilustram esse novo conflito: a nova divisão internacional do trabalho, com a exploração de mão-de-obra barata por empresas milionárias; os muros que separam os países pobres dos ricos; a privatização de setores estratégicos, como a água, em diversos países.
Milton Santos explica que a informação é o coração da globalização. É através dos sistemas de comunicação que as grandes empresas estabelecem atualmente os seus domínios. Mas é também através da comunicação que pode se dar a mudança rumo a um futuro mais humano. As novas tecnologias de informática-eletrônica, apropriadas, cada vez mais, por pequenos grupos, podem trazer à luz fatos antes conhecidos, e até mesmo desconhecidos pela maior parte das pessoas, sob um novo olhar, um novo ponto de vista.
Dessa forma o filme é também uma homenagem aos cineastas que filmam seus bairros, suas histórias de vida e as lutas dos mais pobres por dignidade.
Imagens de arquivo, entrevistas, filmagens atuais, computação gráfica [2], narrações contextualizantes e uma bela trilha sonora completam esse filme. Esse “Encontro com Milton Santos” é um chamado para que saibamos filtrar as informações que nos chegam e comecemos a interpretar o mundo com nossos próprios olhos (ver créditos com lista de entrevistados e imagens utilizadas).

SINOPSE

Tendo uma entrevista com o geógrafo Milton Santos como ponto de partida e referência, o documentário expõe um pensamento sobre a globalização, necessária e desejada. Discute as distorções impostas aos países pobres que pagam injustamente pelo crescimento da economia dos países ricos e as conseqüências provenientes dessa lógica do capital, que amplia as diferenças ao invés de redistribuir as riquezas. Por outro lado, tenta mostrar um novo mundo, também sinalizado pelo professor Milton Santos, onde a união entre as “novas técnicas” e “os de baixo” podem fazer um futuro mais distinto para a humanidade.

Milton Santos é um intelectual que, por suas idéias e práticas, inspira o debate sobre a sociedade brasileira e a construção de um novo mundo. Seu pensamento é, sobretudo, uma aula de cidadania.


* Melhor Filme pelo júri popular no Festival de Brasília de Cinema Brasileiro, em 2006

FICHA TÉCNICA

Direção: Silvio Tendler

Produção Executiva: Ana Rosa Tendler
Assistência de Direção, Produção e Pesquisa: André Alvarenga
Montagem: Bernardo Pimenta
2ª Assistência de Direção, Produção e Pesquisa: Miguel Lindenberg

Roteiro: Claudio Bojunga, Silvio Tendler, André Alvarenga, Daniel Tendler, Ecatherina Brasileiro e Miguel Lindenberg

Narração: Beth Goulart, Fernanda Montenegro, Milton Gonçalves, Matheus Nachtergaele e Osmar Prado.

Trilha Sonora Original: Caíque Botkay
Participação Especial: Zélia Duncan (cantando “Terra” de Caetano Veloso)
Participações Extras: Hapax, B’Negão e “X”

Edição de Som: Ricardo Cutz
Mixagem: Rodrigo Maia

Computação Gráfica: Ecatherina Brasileiro (coordenação)
Execução: Adão Santana, Silvia Guimaraens, Rodrigo Rosa, Will Alves
Desenhos: Hélio Jesuíno

Câmeras: André Alvarenga, André Carvalheira, Césare Kohlschitter, Guilherme Estevam de Souza, João Paulo Duarte, José Manoel Amorim, Leonardo Bittencourt, Marcelo Mac, Marcelo Coutinho, Marcelo Garcia, Miguel Lindenberg, Paula Damasceno, Stefan Kolumbam, Silvio Tendler e Thiago Lima

Finalização e Transfer: Link Digital

Copiagem e legendas: Labocine

SILVIO TENDLER – DIREÇÃO


Nascido em 1950, no Rio de Janeiro, o cineasta Silvio Tendler com “encontro com Milton Santos ou o Mundo Global Visto do Lado de Cá” dá seqüência à sua vitoriosa carreira como documentarista, iniciada com Os Anos JK, uma Trajetória Política (1976-1980).

O início de sua formação acontece num curso de cinema promovido pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, que lhe possibilita entrar em contato com grandes clássicos do cinema mundial. Em Paris, torna-se mestre em Cinema e História pela Sorbonne e faz curso de cinema aplicado à Ciência Social com o Jean Rouch, célebre antropólogo e teórico do cinema-verdade.

Volta ao Brasil em 1976, trazendo na bagagem o documentário como opção estética. Começa a produção de seu primeiro longa-metragem sobre o ex-presidente Juscelino Kubitschek – no entanto, Os Anos JK, uma Trajetória Política só ficaria pronto quatro anos depois. Bem recebido pelo público, o filme de Tendler leva 800 mil espectadores aos cinemas – fato inédito para um documentário –, ganhando, também, o prêmio Margarida de Prata, da CNBB.

A seguir, Tendler muda o foco, dirigindo um documentário sobre Os Trapalhões. Em O Mundo Mágico dos Trapalhões o cineasta junta seu inato poder de comunicação à popularidade do grupo de humoristas, realizando um filme alegre e irreverente, uma grande folia cinematográfica. Dessa vez, 1 milhão e 800 mil espectadores lotam os cinemas.

Retornando ao documentário político, Tendler mergulha nas motivações que geraram o golpe militar de 64. Jango (1984) retrata a conturbada época do governo João Goulart, que possibilitou a ascensão dos militares ao Poder. Mais uma vez, recebe o prêmio Margarida de Prata, da CNBB, e, também o Prêmio Especial do Júri, melhor filme do Júri Popular, melhor trilha sonora no Festival de Gramado. E coloca um milhão de espectadores nas salas de exibição. Tendler comprova que é um cineasta sensível, criterioso, bom de tema e bom de público.

Dono de um currículo exemplar – produz e dirige longas e curtas-metragens, vídeos institucionais, culturais, de treinamento, programas de tv –, Silvio Tendler é um cineasta voltado exclusivamente à pesquisa e à preservação da memória audiovisual do país. Tanto assim que mantém o maior acervo particular de filmes do Brasil com mais de cinco mil títulos, que documentam a história do país nos últimos 40 anos.

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Também conhecido como cineasta dos sonhos interrompidos, Silvio Tendler é antes de tudo um humanista. Seus filmes são um verdadeiro resgate da memória nacional e inspiram seus expectadores a uma reflexão sobre os rumos do Brasil, da América Latina e do mundo em desenvolvimento.

Em seu extenso currículo acumula 7 longas metragem, incluindo o recém terminado “Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global Visto do Lado de Cá”. Trabalhou em seu primeiro longa-metragem aos 25 anos, “La Spirale”, realizado por um coletivo organizado pelo cineasta francês Chris Marker, sobre o Chile, e é autor dos 3 filmes de maior bilheteria do cinema documentário brasileiro.

O primeiro recordista foi o “Os Anos JK, Uma Trajetória Política”, com 800 mil expectadores. O segundo foi a maior bilheteria: 1 milhão e 800 mil expectadores, mas Tendler não considera este sucesso um feito seu por se tratar de um documentário sobre os recordistas nacionais de bilheteria, Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias., “O Mundo Mágico dos Trapalhões”.. O terceiro filme foi “Jango” com 1 milhão de expectadores.

Além destes são 15 médias metragem e incontáveis curtas, sobre políticos, pensadores, guerrilheiros e importantes momentos da História brasileira. Entre esses podemos destacar: “Josué de Castro”, “Marighella”, “Oswaldo Cruz”, “Doutor Getúlio, Últimos Momentos” e “Memória e História em Utopia e Barbárie”.

Os prêmios são muitos 1 Kikito (Gramado) e prêmio de Melhor Montagem pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) para “Os Anos JK”, 3 Kikitos e 1 Coral (Festival de Havana) com o “Jango”, 3 Candangos (Brasília) com o “Glauber, o Filme”. São 5 Margaridas de Prata (CNBB), Trieste (Itália) pelo conjunto da obra, Golfinho de Ouro, entre muitos outros.

Tendler tem um jeito muito peculiar de fazer cinema. Entre a gestação de uma idéia, sua execução e finalização muitas vezes contam-se décadas. Tem sempre vários projetos em mente e vai tocando todos ao mesmo tempo placidamente. Coleta materiais de arquivo aqui, entrevista pessoas ali, descobre uma música inspiradora, vai agrupando materiais, contatos... até que, como que um vulcão, percebe que já não há mais tempo a perder, as idéias começam a salpicar uma atrás da outra. Então, começa a fase frenética de montagem... enquanto continua a coletar mais materiais, formula o roteiro, tudo ao mesmo tempo. “É como se o lago plácido da etapa anterior fosse sacudido por uma erupção sub-aquática, um repentino maremoto. E de repente o filme está pronto.” (escreveu Orlando Senna).

O resultado é fenomenal. Os documentários que saem de sua lavra são o resultado da consciência e da irreverência de um cineasta humanista, de um artista que quis entender profundamente o seu tempo. Seus documentários iluminam o entendimento do ser brasileiro e das personalidades que marcaram a História nacional.

PALAVRAS DO DIRETOR

Conheci o professor Milton Santos em 1995 quando dirigia o filme “Josué de Castro – Cidadão do Mundo”. O brilhantismo do professor impressionou-me e eu, até então, um leigo em questões de geografia, passei a acompanhá-lo com a maior atenção.
Aos poucos fui abrindo meus olhos para o que acontecia em torno do processo de globalização. Como todos, ansiava por um mundo sem fronteiras e também mais solidário, humano e menos desigual.

A perversidade gerada neste processo de globalização e a resposta que vinha das ruas à minha perplexidade foi conceituada como “Globalitarismo” – mistura de globalização com totalitarismo -, definição criada pelo professor Milton Santos.

Em nossos encontros, falávamos sempre em fazer uma entrevista. Só acordei de fato para a urgência de registrá-lo, quando o professor, doente, não pôde vir ao Rio de Janeiro para uma conferência que eu pretendia filmar. Percebi, então, que era o momento de ir a São Paulo.

Realizei, em 4 de janeiro de 2001, a última entrevista audiovisual do professor, geógrafo e filósofo, precocemente abatido por um câncer em junho de 2001. Nela, Milton Santos manifesta todo o seu ideário político e cultural.

A partir da geografia, Milton Santos realiza uma leitura do mundo contemporâneo que revela as diversas faces do fenômeno da globalização: suas fábulas, seus malefícios e suas possibilidades. Ao desnudar os processos que engendram as perversidades deste mundo global “confuso e confusamente percebido”, torna-se evidente que sua sustentação só se dá devido à imposição de um pensamento único.

O Brasil dos anos JK foi marcado pelo surgimento de uma cultura de classe média – como Cinema Novo, Bossa Nova e Teatro de Arena –, que caminhou em direção ao popular, integrando-se a Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Keti, João do Vale... A globalização, no entanto, surge no pensamento do professor, entre outras vias de análise, para retratar novos movimentos culturais e populares que se contrapõem à cultura de consumo imediato. Agora, o novo vem da periferia. Como exemplo de uma cultura que surge dos “de baixo”, o professor cita o movimento Hip-Hop. É na evidência das contradições e dos paradoxos que constituem o cotidiano desta globalização que Milton Santos enxerga as possibilidades, já em andamento, de construção de uma outra realidade. Inova, portanto, quando, ao invés de se colocar contra a globalização, propõe e aponta caminhos para uma outra globalização.

Silvio Tendler - Diretor

SOBRE MILTON SANTOS

Milton Santos nasceu em Brotas de Macaúbas, em 1926. Neto de escravos e filho de professores, foi alfabetizado em casa pelos pais.

Formado em direito, jornalista de profissão, foi para a França em 1958 quando se tornou doutor em geografia. Publicou 40 livros e assinou centenas de artigos. Morou e lecionou na França, Tanzânia, Venezuela, Estados Unidos e Canadá. Em 1978, Milton retornou ao Brasil e na década de 90 se tornou uma das principais referências nacionais na luta contra o projeto neo-liberal.

Em seus livros, Milton pensou a economia espacial, a urbanização latino-americana, a pobreza urbana e vislumbrou uma utopia para o século XXI na condição de geógrafo no Terceiro Mundo.

ENTREVISTA COM DIRETOR

Por que Milton Santos?
O geógrafo Milton Santos é um dos mais importantes intelectuais do século XX. Pensou o mundo de forma humanista. Pensou a Geografia do ponto de vista dos países do hemisfério sul apontando as desigualdades perturbadoras que distribuem os bens extraídos da terra de forma perversa concentrando riqueza e disseminando pobreza.

Por quê a opção por fazer um filme sobre globalização e não uma biografia sobre o professor Milton Santos?
Milton Santos inaugura uma nova fase da minha filmografia. Sempre fiz filmes sobre personalidades importantes para se entender uma época histórica passada. Com o Milton Santos optei por apresentar uma discussão sobre o presente e os rumos para o futuro.

Não deve ter sido fácil, portanto...
Nunca é fácil. Mas este em especial. Como tratamos de fatos atuais, a cada minuto da edição éramos surpreendidos com notícias novas que mudavam tudo. A eleição do Evo Morales, na Bolívia, os distúrbios da França, com queima de carros, a decisão americana pela construção do muro, na fronteira com o México...

Por que resolveu abordar estes assuntos dentro do tema globalização: os sem terra, os sem teto?
O modelo de desenvolvimento adotado a partir da globalização – final dos anos 80 - além das desigualdades geradas com a multiplicação de pobreza mundo afora também está acelerando em ritmo vertiginoso a destruição do planeta. Os expulsos da terra pela exploração mecanizada e pela grande concentração de terras em mãos do agro-negócio e nas terras não cultivadas dos latifúndios, expulsa para a periferia das cidades enormes contingentes humanos que engrossam a população dos sem-teto, dos sem trabalho, dos que sobrevivem como camelôs aumentando a porcentagem dos que sobrevivem na economia informal. São esses os principais insatisfeitos com a globalização. Esse movimento dos “sem” é um resultado da globalização. Essas pessoas começam a se apropriar do que lhes foi expropriado. Alguém tem que falar disso.

No filme você tocou no tema crise da água. O que este tema traz para se discutir a globalização?
A água será o grande drama do século XXI. Com a depredação ambiental acelerada nas cinco últimas décadas uma grave crise de água se avista. Dois cenários se desenham para o futuro: o primeiro, que já vem ocorrendo, é o das transnacionais, que defendem a privatização dos recursos hídricos. O segundo cenário é o defendido pelos setores populares, que defendem a água como um bem coletivo de interesse público e, portanto controlado pelo Estado, visando uma distribuição solidária entre todos.

E isso não vem ocorrendo só com a água, não é?
Não, apenas a água tem um apelo maior por ser um bem fundamental à sobrevivência cotidiana. Mas a mesma lógica vale para o uso de todas as técnicas modernas desenvolvidas pela humanidade e que como disse o professor Milton Santos “foram seqüestradas por um punhado de empresas”. Na forma atual essas técnicas têm servido para o aumento das desigualdades, com exploração de mão de obra barata no hemisfério sul, por exemplo. Utilizadas dentro de uma lógica solidária essas mesmas técnicas poderiam melhorar a qualidade de vida de todos e poderíamos viver uma outra globalização.

O que você espera com este filme?
Acredito que o cinema tenha uma função política. Acredito que o cinema também tenha como missão discutir a sociedade, que funcione como caixa de ressonância e que amplie o número de pessoas que participem deste debate.

Quais foram suas principais referências para fazer o filme?
Os meus gurus do cinema são Chris Marker, Santiago Alvarez, Joris Ivens, Vladimir Carvalho, Geraldo Sarno, Paulo Rufino, Sérgio Muniz, Thomas Farkas que e todos que ousaram fazer cinema documentário no Brasil nos anos 60, pós-golpe militar.

A cada dia se amplia a noção do cinema com entretenimento. Você realmente acredita no cinema político. Ainda há um espaço para isso?
Mais do que nunca o cinema tem uma importância política. É só olhar hoje a produção cinematográfica mundial para ver que o cinema político amplia seu espaço na grande indústria. Só no Brasil que a estética da telinha invade a telona e os exibidores e distribuidores pressionam neste sentido e o espectador brasileiro vai se embrutecendo moldando o padrão de consumo no que ele está habituado a ver na tv. Mas não devemos desistir de discutir o mundo, a vida, a sociedade através do cinema.

Existem alternativas hoje?
Claro que sim. Temos que mudar os critérios de avaliação de sucesso ou fracasso de um filme. Considerar apenas o circuitão como único parâmetro de resultado e a bilheteria comercial significa condenar previamente a arte, a vanguarda, a cultura e a experimentação. Na avaliaçào tem que ser considerados critérios de circuitos alternativo, pontos de cultura atingidos, cinemas de bairro, cineclubes, etc e todas as modalidades de difusão. O custo de lançamento de um filme de grande bilheteria dá ao filme grande visibilidade mas inviabiliza o sucesso comercial do ponto de vista do negócio. Resumindo: os filmes fazem grandes bilheterias, mas raramente se pagam.

Quanto tempo você levou fazendo este filme?
Penso este filme há mais de dez anos quando conheci o professor Milton Santos em Paris em 1995 quando o entrevistei para um filme que fazia sobre Josué de castro e a Geografia da Fome. Me impressionei com a clarividência do professor. Foi a entrevista mais difícil de cortar em toda minha vida de cineasta pelo brilho e lucidez de seu raciocínio. Neste encontro nos prometemos fazer algo juntos. O tempo foi passando e o professor foi se tornando o grande Quixote nesta luta contra a perversidade da globalização. No final de 2000 soube que o professor estava gravemente doente e percebi a que teria que ser naquele momento. Fui a São Paulo em 4 de janeiro de 2001 quando ele me recebeu com todo o carinho e deu seu depoimento. Naquela entrevista comprometeu-me com este projeto.

Por que ele te comprometeu?
Eu fiz aquela entrevista completamente sem recursos. Fui a São Paulo, de ônibus, com um assistente e um amigo paulista gravou com uma velha câmera digital completamente superada. Era o que tínhamos. O professor falava com verve e convicção. Aquela situação foi me angustiando. Em dado momento perguntei: “O senhor poderia dar um exemplo concreto do que lhe leva a ter esse otimismo?” Ele apontou a camêra e disse: “eu creio que a sua profissão é a mais nitidamente representativa dessa formidável contradição em que o mundo vive (...) Hoje, com uma pequena aparelhagem informática-eletrônica, com meios limitados, também se faz opinião, também se produzem coisas centrais na re-eleboração da história”. A parir daí virou compromisso. Foram cinco anos entre ruminar a idéia e realizar o filme.

Qual a importância dos entrevistados além de Milton Santos?
Foram mais de 40 entrevistados, entre colegas, discípulos, amigos, contemporâneos, intelectuais de outros paises, que falaram sobre o Milton e sobre a globalização. Destas entrevistas retiramos as informação essenciais, que juntamente com a pesquisa dos livros do Milton e outros sobre o tema, ajudaram a elaborar o roteiro do filme.

Que nomes você pode citar?
O geógrafo francês Paul Claval, os geógrafos brasileiros Maria Adélia Aparecida de Souza, Maria Auxiliadora, Roberto Lobato Corrêa, Manoel Correia de Andrade, Carlos Walter Porto-Gonçalves, o arquiteto Manoel Lemes, discípulo de Milton, a arquiteta Ana Fernandes, viúva de Miltinho, seu primeiro filho, além do sociólogo português, Boaventura Souza Santos, do lingüista estadunidense Noam Chomsky, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, do escritor senegalês Boubacar Diop; cineastas independentes como Adirley Queiroz e Carlos Pronzato, o índio Burum Ailton Krenak, sem-tetos e sem-terras.

Como você selecionou os entrevistados?
Comecei pelos colaboradores mais próximos, depois pelos discípulos dele, amigos de juventude, colegas de jornalismo – Milton Santos também foi jornalista – outros cientistas, militantes anti-globalização, gente que conheceu bem seu pensamento, sua personalidade, sua forma de ser e agir. Foi uma pesquisa que me colocou em contato com muita gente interessante, Brasil afora. Hoje tenho orgulho de integrar a família Milton Santiana, tudo gente do bem. Estou muito feliz por ter me aproximado desta grande figura, o professor Milton Santos.

O que este filme significa para você?
Uma chance de repensar a vida, de perceber que um outro mundo é possível, de fato.

A que público se destina?
Não estou preocupado com bilheteria. Aliás, os filmes feitos com recursos públicos deveriam estar mais preocupados em discutir o país, a vida e o mundo. Quero que as pessoas vejam o mundo injusto em que vivemos e acreditem que é possível melhorar a vida de todos; que o progresso pode ser outra coisa. O cinema é fundamental como arma nesta batalha das idéias.

DEPOIMENTOS SOBRE O FILME

“Silvio: Que belo filme você fez. Mais uma vez, você retrata uma época, retratandouma personalidade - e, no caso, que personalidade!Parabéns.Um abraço Luis Fernando”
(Luis Fernando Veríssimo, escritor.)

“Porque Milton Santos?? Poucos indivíduos - até "geógrafos"- tiveram a lucidez ,a inteligência e a capacidade de se expressar de maneira tão contundente como o Milton Santos, e revisto agora no magnífico filme do Silvio Tendler. Os problemas levantados e soberbamente explicados por Milton Santos são cada vez mais atuais e não podemos deixar de pensar neles TODOS OS DIAS! Este é o fato que me ficou na memória do filme.I mpossível deixar de comparar todos os dias com o que se passou, acontece hoje e....infelizmente acontecerá amanhã! Cabe-nos vigiar e lutar contra o que vem por aí.Salve Milton Santos e Silvio Tendler! T.F.”
(Tomas Farkas, fotógrafo e cineasta.)

“Há tempos não me emocionava com um filme. Ontem, depois de ver a obra-prima criada por você, fiquei a pensar que a única globalização que gostaria de ver nesse mundo tão cheio de desigualdades que vivemos, é saber que ele passou em cada escola, em cada universidade, desse Planeta Terra.”
(Odilon de Barros Pinto Junior, jornalista)

“Um filme necessário. (...) o filme Milton Santos ou O mundo global visto do lado de cá. De Silvio Tendler, foi apaludido de pé. (...) nem é preciso dizer que Tendler acertou em cheio na escolha do tema que maturou por 10 anos. Também merece mérito pela preciosidade do registro (o último) de um dos mais importantes intelectuais do país, morto em 2001.”
(Correio Brasiliense em 29/11/2006 por Lúcio Flávio, jornalista)

“Encontro com Milton Santos”, de Silvio Tendler, é um filme fundamental pois resgata toda a dimensão intelectual do maior pensador negro que o Brasil já teve. É um documentário de grande atualidade e esperança de dias melhores para a humanidade, na medida em que coloca na tela a discussão do mundo globalizado, pela ótica humanista e convincente de Milton Santos. Um acontecimento digno de registro e que constitui um ponto positivo para o realizador e publico baiano, é o fato da exibição do filme na 33ª. Jornada Internacional de cinema da Bahia ter despertado um interesse extraordinário, poucas vezes visto ao longo de mais de trinta anos do festival.”
(Guido Araújo, cineasta e diretor da Jornada Internacional de Cinema da Bahia.)

“Primeiramente queremos parabenizá-los pela obra fantástica que foi exibida no Circo Voador ontem. Nos emocionamos muito, refletimos e ao mesmo tempo, nos foi dado um injeção de gás para que continuemos os nossos trabalhos. Gostaria de ressaltar, como na pergunta feita por várias pessoas, com relação a distribuição do filme. Colocamo-nos à disposição e gostaríamos de saber se há a possibilidade de liberar o filme para que seja exibido em escolas municipais, estaduais e federais em nosso Projeto Cinemativa.”
(Jana Guinond, Ong Estimativa)

“O Silvio é um realizador que não tem vergonha de se comunicar com grandes platéias (...). Ele parte dos mitos e sai em busca dos homens que existem dentro desses mitos. Só que na busca dele, quando ele deixa o que há de mais humano desses mitos em evidência, ele não nega o que há de mítico nessas figuras (...). Eu acho que é isso que torna o cinema dele tão importante.”
(Rodrigo Fonseca, jornalista, debate no Circo Voador).

“Seu filme “Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá” consegue transmitir os renovadores e amplos conceitos do humanismo que a reflexão de Milton Santos expressa através do que ele mesmo resume como "globalitarismo", tendo você conseguido - em certo sentido - ir mais fundo que o La Hora de los Hornos.”

(Sergio Muniz, Cineasta).

TRILHA SONORA

“Um filme plural, como requer o pensamento de Milton Santos, teve em sua música múltiplas tendências, da mesma forma que nós, habitantes deste planeta. As questões vitais, suscitadas pelas imagens escolhidas por Silvio Tendler, remetem a um presente "cheio de som e fúria", e as colaborações de BNegão e Hapax foram fundamentais para esta denúncia musical. Um filme com a coragem de polemizar sobre a melhor maneira de nos governarmos, cobrando novos vetores de convivência, questionando a "pureza" dessa tal democracia. O filme aponta para um futuro que vem do chão, das organizações populares que começam a ter, afinal, direito a uma comunicação direta entre si e a uma cobrança radical aos "podres poderes", para citar Caetano - autor da música cantada lindamente por Zelia Duncan -, que encerra o filme e nos devolve a Terra da forma que a desejamos: lírica, parceira, inexplicável.”

(Caíque Botkay, autor da trilha sonora do filme)


“De fato, se desejarmos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização”.

“Num mundo que vive de retórica, acho que não custa nada a gente estudar para encontrar retórica oposta. Nós reclamamos contra os totalitarismos... nazismo, fascismo... e caímos noutro, noutras formas de totalitarismo, essa atual.”

“Eu creio que a chamada mídia, ela tem um papel de intermediação que a gente talvez não possa dizer que é inocente, mas não parte dela realmente, ou não é dela o poder. O poder é de um pequeno número de agentes internacionais da informação estreitamente ligados ao mundo da produção material, ao mundo das finanças o que controla de maneira extremamente eficaz a interpretação do que está se passando no mundo.”

“Acho que há uma multiplicidade de fenômenos de baixo que a gente não dá importância. A gente dá mais importância para a chamada violência. Então, os jornais falam da violência dos bairros. Tem bairros mal falados porque violentos. Mas as outras formas todas de manifestação que são propriamente culturais, mas que não aparecem como, com essa aura de cultura que é reservada, digamos assim, a parcelas já privilegiadas que fazem cultura, os outros fazem outras coisas. A gente não admite dizer imediatamente que o que eles fazem é cultura.”

“O problema que me parece importante com a globalização é, digamos, a segmentação da formulação dos códigos éticos. Quer dizer, há uma ética dos poderosos, que não chega a ser ética, e há uma outra ética dos que não tem nada, como também, há uma ética dos que desesperados é... Tomam o caminho do que a gente chama de violência.”

“Ah, sim, sim. Acho que a humanidade está destinada. Na realidade nunca houve humanidade, agora que está havendo. Acho que está é que é a coisa, então nós estamos fazendo os ensaios do que será a humanidade, nunca houve.”

“A gente descobriu uma coisa importante, é que a gente produz muito mais comida do que pode comer (...). A questão da fome não é a questão de produção de alimentos, é questão de distribuição (...). Isso a gente viu, quando de certas epidemias de fome na África e na Ásia, os Estados Unidos se
recusando a dar ajuda alimentar se certas condições políticas não fossem preenchidas. No caso do próprio Brasil, se há uma parte da população que não come corretamente, isso é culpa unicamente da forma como nós organizamos a sociedade.”

“Creio que as condições da história atual permitem ver que outra realidade é possível. Essa outra realidade é boa para a maior parte da sociedade. Nesse sentido, a gente é otimista. A gente é pessimista quanto ao que está aí. Mas é otimista quanto ao que pode chegar.”

[1] Como o já consagrado “Corporation” de Mark Achbar, Jeniffer Abbott e Joel Bakan; “Rap, o canto da Ceilândia”, do brasileiro ex jogador de futebol Adirley Queiroz; “Dias de Carton” de Verônica Souto, dentre outros (ver créditos do filme).
[2] Fotos de Cristiano Junior, fotos da Coleção de Emanuel Araújo, fotos de Custódio Coimbra, Cássio Vasconcellos, Américo vermelho, Evandro Teixeira, Alcyr Cavalcanti, entre outros. Desenhos de Hélio Jesuíno (ver créditos do filme).

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