Foto: Rogelio Casado - Pelo fim do hospital psiquiátrico, 18.maio.2007, Manaus-AM
O Amazonas foi um dos estados brasileiros pioneiro na construção da Reforma Psiquiátrica, lá pelo final dos anos 1970, início dos anos 1980. Perdeu o bonde da história nos anos 1990, época em o populismo dominou a cena política. A partir dos anos 2000, velhos e novos atores sociais impulsionaram a história da Saúde Mental em busca das suas origens. Muito está por ser feito contra o silêncio institucional e social que se abateu sobre os militantes da luta antimanicomial, que reclamam pela substituição do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (único existente na cidade de Manaus) por um Hospital de Clínicas. O abraço simbólico ao referido hospital psiquiátrico no dia 18 de maio de 2007 - Dia Nacional de Luta Antimanicomial, promovido a partir de uma proposta da Associação Chico Inácio - ong que atua no campo da defesa dos direitos civis e políticos dos portadores de transtorno mental, filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial - demonstra a coerência do movimento social por uma sociedade sem manicômios. A idéia é boa. Entretanto, falta um outro compomisso do aparelho de ensino com o destino dos portadores de transtorno mental. Sem pessoal com um outro tipo de formação sucede o mesmo que ocorreu nos anos 1990: a reforma psiquiátrica fica sem oxig6enio. Por isso, vale a pena lembrar os manifestos em prol da desinstitucionalização do transtorno mental, como o da IV Encontro Latino Americano dos Estados Gerais da Psicanálise. Leiam, amazonenses, e chorem pela lentidão do tempo entre o manifesto e a atitude.
*****
A Plenária Final de Encerramento do IV Encontro Latino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise deliberou pela aprovação do seguinte manifesto, a ser encaminhado para a mídia, Ministérios da Saúde, da Educação, da Cultura e da Assistência social e para instituições e grupos afins.
Manifesto pela desinstitucionalização dos transtornos mentais
Nós, psicanalistas reunidos no IV Encontro Latino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise, decidimos tornar pública nossa posição diante do movimento crescente e avassalador de medicalização de nossos povos. Por medicalização entendemos o duplo movimento de:
Patologizar, isto é, reduzir à categoria de doença inúmeras manifestações subjetivas e sociais que, dessa forma, são submetidas ao domínio de especialistas da área da saúde. Tal operação política - legitimada socialmente, através do uso do argumento de autoridade de uma suposta ciência neutra - destitui os sujeitos de seu saber e aliena-os em relação a seus próprios corpos, mentes e existências.
Transformadas em doença, tais expressões passam a ser imediatamente medicáveis, processo da maior relevância social principalmente quando tais "doenças" se referem ao âmbito do psíquico ou do comportamento, como preferem certos setores sociais
Entendemos esse movimento como uma estratégia poderosa de controle social, orquestrada no bojo de um capitalismo globalizante que configura um certo tipo de práticas e discursos psiquiátricos, psicológicos e médicos, ditos "científicos", instrumentados pela poderosa indústria farmacêutica. A hegemonia crescente desse tipo de práticas e discursos e sua ampla divulgação pela mídia são fenômenos preocupantes, pois tais práticas vêm funcionando como dispositivos políticos de achatamento das diferenças, de despolitização, privatização e psicologização de conflitos, de pasteurização das emoções humanas, de anestesia do pensamento e do desejo, produzindo homens e mulheres apáticos e resignados com suas condições de existência, crianças, adolescentes e jovens amordaçados quimicamente em sua potência de denúncia e de reinvenção do campo social.
Queremos deixar claro que nossa posição não é contra a medicação quando esta é feita criteriosamente, em situações de extremo sofrimento psíquico, mas sim contra seu uso generalizado, substituindo outras ações de saúde, educação ou da ação de programas sociais, reduzindo desta forma a complexidade do humano a uma questão bio-química.
Assim é que os inúmeros fatos que vem se avolumando assustadoramente e dos quais somos testemunhas em nosso trabalho cotidiano contam: de escolas públicas ou privadas em que um crescente número de professores faz uso de anti-depressivos ou de algum tipo de medicação psiquiátrica, assim como um altíssimo número de alunos - em sua maioria diagnosticados com déficit de atenção e hiperatividade - são medicados com Ritalina ou outros; de um alto índice de medicação de crianças, adolescentes e adultos com drogas psicotrópicas, seja na rede pública ou privada de saúde, resposta final dada a diversas ordens de problemas familiares, educacionais, sociais; de uma também crescente patologização e conseqüente medicação de jovens em conflito com a lei que, além de confinados dentro de muros de instituições totalitárias, também passam a ter sua potência de transformação confiscada.
A gravidade de tais fatos exige de nós, profissionais da saúde, um posicionamento público no sentido da oposição a essa onda de medicalização social. Para fazer frente a isso, propomos:
Que a questão da patologização e medicação generalizadas da população, especialmente das crianças e adolescentes, entre para a agenda de discussão das políticas públicas em geral e, mais particularmente daquelas voltadas para a saúde, educação e assistência social, principalmente aquelas dirigidas à infância e à adolescência;
A efetiva aplicação da diretriz de desinstitucionalização - uma das bandeiras do movimento da reforma psiquiátrica brasileira - em toda sua amplitude: desinstitucionalizar, ou seja, produzir outras respostas sociais que contemplem efetivamente os direitos de cidadania não apenas para os chamados "doentes mentais", como também para toda a população diagnosticada psiquiatricamente como portadora de algum tipo de transtorno mental. Aliados ao movimento da reforma psiquiátrica e à luta anti-manicomial, propomos a ampliação dos fóruns de debates seja para incluir as questões aqui explicitadas, seja para incluir outros atores sociais, inclusive a comunidade psicanalítica aqui subscrita;
O fortalecimento e a ampliação dos dispositivos de participação social, popular e comunitária na elaboração, gestão, implementação e avaliação das políticas públicas, tal como proposto em programas como o Humaniza-SUS do Ministério da Saúde do Brasil. Quando não houver tais dispositivos, a proposta é que sejam criados nos diferentes níveis municipais, estaduais e federais;
A criação e/ou o fortalecimento de Fóruns permanentes intersetoriais de articulação de políticas de saúde, educação, assistência social, trabalho, lazer nos diferentes níveis municipais, estaduais e federais, com a participação efetiva da população e de agentes sociais que possam ter contribuições relevantes para o debate;
O debate amplo, que inclua comunidades juvenis, para a elaboração, implementação, gestão e avaliação permanente das políticas sociais dirigidas à adolescência e juventude.
Convidamos outros grupos, instituições, associações e movimentos sociais a se juntarem a nós neste manifesto e nestas proposições.
O Amazonas foi um dos estados brasileiros pioneiro na construção da Reforma Psiquiátrica, lá pelo final dos anos 1970, início dos anos 1980. Perdeu o bonde da história nos anos 1990, época em o populismo dominou a cena política. A partir dos anos 2000, velhos e novos atores sociais impulsionaram a história da Saúde Mental em busca das suas origens. Muito está por ser feito contra o silêncio institucional e social que se abateu sobre os militantes da luta antimanicomial, que reclamam pela substituição do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (único existente na cidade de Manaus) por um Hospital de Clínicas. O abraço simbólico ao referido hospital psiquiátrico no dia 18 de maio de 2007 - Dia Nacional de Luta Antimanicomial, promovido a partir de uma proposta da Associação Chico Inácio - ong que atua no campo da defesa dos direitos civis e políticos dos portadores de transtorno mental, filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial - demonstra a coerência do movimento social por uma sociedade sem manicômios. A idéia é boa. Entretanto, falta um outro compomisso do aparelho de ensino com o destino dos portadores de transtorno mental. Sem pessoal com um outro tipo de formação sucede o mesmo que ocorreu nos anos 1990: a reforma psiquiátrica fica sem oxig6enio. Por isso, vale a pena lembrar os manifestos em prol da desinstitucionalização do transtorno mental, como o da IV Encontro Latino Americano dos Estados Gerais da Psicanálise. Leiam, amazonenses, e chorem pela lentidão do tempo entre o manifesto e a atitude.
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A Plenária Final de Encerramento do IV Encontro Latino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise deliberou pela aprovação do seguinte manifesto, a ser encaminhado para a mídia, Ministérios da Saúde, da Educação, da Cultura e da Assistência social e para instituições e grupos afins.
Manifesto pela desinstitucionalização dos transtornos mentais
Nós, psicanalistas reunidos no IV Encontro Latino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise, decidimos tornar pública nossa posição diante do movimento crescente e avassalador de medicalização de nossos povos. Por medicalização entendemos o duplo movimento de:
Patologizar, isto é, reduzir à categoria de doença inúmeras manifestações subjetivas e sociais que, dessa forma, são submetidas ao domínio de especialistas da área da saúde. Tal operação política - legitimada socialmente, através do uso do argumento de autoridade de uma suposta ciência neutra - destitui os sujeitos de seu saber e aliena-os em relação a seus próprios corpos, mentes e existências.
Transformadas em doença, tais expressões passam a ser imediatamente medicáveis, processo da maior relevância social principalmente quando tais "doenças" se referem ao âmbito do psíquico ou do comportamento, como preferem certos setores sociais
Entendemos esse movimento como uma estratégia poderosa de controle social, orquestrada no bojo de um capitalismo globalizante que configura um certo tipo de práticas e discursos psiquiátricos, psicológicos e médicos, ditos "científicos", instrumentados pela poderosa indústria farmacêutica. A hegemonia crescente desse tipo de práticas e discursos e sua ampla divulgação pela mídia são fenômenos preocupantes, pois tais práticas vêm funcionando como dispositivos políticos de achatamento das diferenças, de despolitização, privatização e psicologização de conflitos, de pasteurização das emoções humanas, de anestesia do pensamento e do desejo, produzindo homens e mulheres apáticos e resignados com suas condições de existência, crianças, adolescentes e jovens amordaçados quimicamente em sua potência de denúncia e de reinvenção do campo social.
Queremos deixar claro que nossa posição não é contra a medicação quando esta é feita criteriosamente, em situações de extremo sofrimento psíquico, mas sim contra seu uso generalizado, substituindo outras ações de saúde, educação ou da ação de programas sociais, reduzindo desta forma a complexidade do humano a uma questão bio-química.
Assim é que os inúmeros fatos que vem se avolumando assustadoramente e dos quais somos testemunhas em nosso trabalho cotidiano contam: de escolas públicas ou privadas em que um crescente número de professores faz uso de anti-depressivos ou de algum tipo de medicação psiquiátrica, assim como um altíssimo número de alunos - em sua maioria diagnosticados com déficit de atenção e hiperatividade - são medicados com Ritalina ou outros; de um alto índice de medicação de crianças, adolescentes e adultos com drogas psicotrópicas, seja na rede pública ou privada de saúde, resposta final dada a diversas ordens de problemas familiares, educacionais, sociais; de uma também crescente patologização e conseqüente medicação de jovens em conflito com a lei que, além de confinados dentro de muros de instituições totalitárias, também passam a ter sua potência de transformação confiscada.
A gravidade de tais fatos exige de nós, profissionais da saúde, um posicionamento público no sentido da oposição a essa onda de medicalização social. Para fazer frente a isso, propomos:
Que a questão da patologização e medicação generalizadas da população, especialmente das crianças e adolescentes, entre para a agenda de discussão das políticas públicas em geral e, mais particularmente daquelas voltadas para a saúde, educação e assistência social, principalmente aquelas dirigidas à infância e à adolescência;
A efetiva aplicação da diretriz de desinstitucionalização - uma das bandeiras do movimento da reforma psiquiátrica brasileira - em toda sua amplitude: desinstitucionalizar, ou seja, produzir outras respostas sociais que contemplem efetivamente os direitos de cidadania não apenas para os chamados "doentes mentais", como também para toda a população diagnosticada psiquiatricamente como portadora de algum tipo de transtorno mental. Aliados ao movimento da reforma psiquiátrica e à luta anti-manicomial, propomos a ampliação dos fóruns de debates seja para incluir as questões aqui explicitadas, seja para incluir outros atores sociais, inclusive a comunidade psicanalítica aqui subscrita;
O fortalecimento e a ampliação dos dispositivos de participação social, popular e comunitária na elaboração, gestão, implementação e avaliação das políticas públicas, tal como proposto em programas como o Humaniza-SUS do Ministério da Saúde do Brasil. Quando não houver tais dispositivos, a proposta é que sejam criados nos diferentes níveis municipais, estaduais e federais;
A criação e/ou o fortalecimento de Fóruns permanentes intersetoriais de articulação de políticas de saúde, educação, assistência social, trabalho, lazer nos diferentes níveis municipais, estaduais e federais, com a participação efetiva da população e de agentes sociais que possam ter contribuições relevantes para o debate;
O debate amplo, que inclua comunidades juvenis, para a elaboração, implementação, gestão e avaliação permanente das políticas sociais dirigidas à adolescência e juventude.
Convidamos outros grupos, instituições, associações e movimentos sociais a se juntarem a nós neste manifesto e nestas proposições.
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