Depois de um intervalo de quase 20 anos, o 2º Encontro Nacional dos Povos das Florestas acontecerá em Brasília, entre os dias 18 e 23 de setembro. Com a tentativa de unificar os interesses comuns dos povos que vivem na Amazônia e nos biomas Caatinga, Mata Atlântica, Cerrado, Pampa e Pantanal, estarão presentes mil delegados, entre índios e seringueiros e quatro mil participantes da sociedade em geral. O evento é organizado pela Aliança dos Povos das Florestas, composta pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e pelo Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
O 1º encontro aconteceu em 1989, junto com o II Encontro Nacional dos Seringueiros, em Rio Branco, sob o impacto da morte do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988, no Acre. Chico Mendes denunciou projetos que provocam a devastação das florestas e conseguiu a suspensão de muitos deles. Com isso, foi acusado por políticos e donos de terras de atrasar o desenvolvimento do Brasil e impedir o progresso do Acre, sendo morto na porta de sua casa.
O 2º Encontro Nacional dos Povos das Florestas colocará em debate temas que Chico Mendes, certamente, defenderia hoje, tais como: o impacto de grandes obras de infra-estrutura, mudanças climáticas, aquecimento global, desmatamento, destruição de rios, exploração ilegal de madeiras, distribuição de renda, conservação das florestas e a subsistência dos seus povos. A abertura será no Teatro Nacional de Brasília e as demais atividades serão desenvolvidas no Jardim Zoológico. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no site do Encontro.
Avanços e retrocessos
O vice-presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Júlio Barbosa de Aquino, afirma que foram grandes os avanços desde o 1º Encontro Nacional dos Povos das Florestas. Ele destaca a criação de reservas extrativistas, que culminam no debate sobre a política de reforma agrária da Amazônia. Mas Aquino também enfatiza a necessidade de melhorar a política de meio ambiente do governo, que, segundo ele, “deixa muito a desejar”. O vice-presidente do CNS reivindica uma melhor fiscalização e monitoramento da Amazônia. Ele lamenta: “o desmatamento aumentou muito nos últimos 10 anos, apesar de todo o trabalho da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva”.
Para Júlio de Aquino, o mais importante em promover o encontro é a ampliação do debate pela defesa do meio ambiente. “A conscientização da população é o ponto fundamental, protegendo as florestas não protegemos somente os povos que lá moram, mas toda a humanidade”, enfatiza.
Para o presidente do CNS, Manuel Cunha, desde o 1º Encontro Nacional dos Povos das Florestas houve também avanços relacionados à diversificação da produção. “Antes era apenas castanha e borracha, hoje o seringueiro concilia essas atividades com outras, como por exemplo, a criação de abelhas e o manejo madeireiro”.
Manuel Cunha explica que houve um grande avanço na organização social das comunidades. “Todo o processo produtivo era subsidiado por patrões. Hoje, nas áreas de assentamento, a produção é feita, principalmente, pela organização dos próprios trabalhadores. Mas, infelizmente, onde não é reserva e onde não foi feito assentamento ainda existe não apenas patrão, como também a escravidão”, afirma.
O presidente do CNS cita exemplos do sucesso da organização dos trabalhadores. Ele diz que na Reserva Extrativista do Médio Juruá, no município de Carauari, a comunidade trabalha com óleo vegetal. “Todo o processo produtivo da reserva é feito pela cooperativa e associações. O óleo sai da reserva para Jacareí, em São Paulo, sem atravessadores, enquanto antes passava por quatro atravessadores”, explica. Outro exemplo citado por Manuel Cunha é a borracha que chega no município de Sena Madureira, no Acre também sem atravessador. “Das mãos do produtor para o usineiro”, comemora.
Mas Manuel Cunha considera que ainda há muito que avançar. Ele diz que o 2º Encontro Nacional dos Povos das Florestas vai traçar metas, como uma política voltada para o uso sustentável de recursos naturais das florestas; combate à pobreza (o presidente do CNS denuncia o fato da população da Amazônia ser tão pobre, morando numa das regiões mais ricas do país); e o desmatamento (ele garante que a Amazônia pode acabar, se continuar o ritmo atual de desmatamento, provocando desequilíbrios no Brasil e no mundo).
O presidente do CNS tem a esperança de sair do 2º Encontro Nacional dos Povos das Florestas com políticas sociais, econômicas e ambientais definidas para a Floresta Amazônica. “A floresta é a nossa mãe, lá buscamos sustentabilidade e remédios”, diz Manuel Cunha, refletindo um sentimento que parece não envelhecer, pois há mais de 20 anos, Chico Mendes já dizia: “nós sem a floresta somos como peixes fora d´água”.
Por Julia Gaspar, em colaboração especial para a Rets.
Fonte: Revista do Terceiro Setor
Nenhum comentário:
Postar um comentário