outubro 11, 2008

O fim do capitalismo financeiro

Dipló-Relatório Especial - 7-10-08

O fim do capitalismo financeiro
A CRISE DO SÉCULO


O sismo que abala as bolsas de valores do mundo desde o passado "setembro negro" tem precipitado o fim da era do capitalismo. A arquitetura financeira internacional tem tremido. E o risco sistémico permanece. Nada voltará a ser como antes. Retorna o Estado ...

por Ignacio Ramonet
Diretor do Le Monde Diplomatique, na Espanha.

O colapso de Wall Street é comparável, na área financeira, no que representava, na esfera geopolítica, a queda do Muro de Berlim. Uma mudança do mundo e um giro coperniciano. Diz Paul Samuelson, Prêmio Nobel de Economia: "Este desastre é para o capitalismo o que foi a queda da União Soviética (URSS) para o comunismo". Termina-se o período que teve início em 1981 com as palavras de Ronald Reagan: "O Estado não é a solução, é o problema." Por trinta anos, os fundamentalistas do mercado sempre repetiram que ele tinha razão, que a globalização é sinônimo de felicidade, e que o capitalismo financeiro implantava o paraíso terrestre para a gente. Estavam errados!

A "era dourada" de Wall Street acabou. E também um período de exuberância e desperdício representado por uma aristocracia banqueiros de investimento, "donos do mundo" relatada por Tom Wolfe em The Bonfire das vaidades (1). Possuídos pela lógica da rentabilidade a curto prazo. Na busca de lucros exorbitantes. Disposto a fazer de tudo a fim de levar vantagens: as vendas a prazo com juros elevadíssimos, manipulação, invenção de instrumentos obscuros de arrecadação, títulos de ativos, cobertura de contratos de risco "hedge funds" ... A febre do lucro fácil infectou o mundo. Os mercados aqueceram-se, turbinados por um excesso de financiamento que facilitou a subida dos preços.

A globalização conduziu a economia global a tomar forma de uma economia de papel, virtual, imaterial. A área financeira passou a representar mais de 250 bilhões de euros, ou seja, seis vezes o montante da riqueza do mundo real. E de súbito, essa colossal “borbulha” estourou.

A catástrofe é de dimensões apocalípticas. Mais de 200 mil milhões de euros tem desaparecido. O investimento bancário foi apagado do mapa. As cinco maiores entidades bancárias quebraram: Lehman Brothers em falência, o Bear Stearns comprado, com a ajuda do Federal Reserve (Fed), por Morgan Chase, Merrill Lynch adquiridas pelo Bank of América; e os dois últimos, Goldman Sachs e Morgan Stanley ( parcialmente comprado pela japonesa Mitsubishi), convertiram-se em simples bancos comerciais.

Toda a cadeia de operação do aparelho financeiro tem colapso. Não só as bolsas de valores, mas os bancos centrais, as agencias de regulamentação, os bancos comerciais, caixas econômicas, as companhias de seguros, a corretoras de investimento (Standard & Poors, a Moody's, Fitch) e até as auditorias contabilistas (Deloitte, Ernst & Young, PwC).

Os destroços não pode surpreender ninguém. O escândalo do "junk hipotecas" era conhecida por todos. igual que o excesso de liquidez direcionado à especulação, e da frenética subida dos preços do setor imobiliário. Tudo isto tem sido relatado no Le Monde Diplomatique desde faz tempo. Ninguém se importava. Porque o roubo beneficiou a muitos. E seguiu-se afirmando que a iniciativa privada e o mercado corrige tudo.

A administração do presidente George W. Bush foi obrigado a renunciar a esse princípio e recorrer, massivamente, à intervenção do Estado. As principais empresas de crédito imobiliário, Fannie Mae e Freddy Mac, foram nacionalizadas. Assim também o foi a American International Group (AIG), a maior companhia de seguros do mundo. E o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson (ex-presidente do banco Goldman Sachs ...) propôs um plano de S.O.S., reformado e aprovado pelo Congresso americano, das ações "tóxicas" procedentes das "junk hipotecas" (subprime) no valor de 700 mil milhões de dólares, o que também aportará o Estado, ou seja os contribuintes.

A prova do fracasso do sistema, estas intervenções do Estado -a maior da história econômica- demonstram que os mercados não são capazes de regular-se por si mesmos. Tem-se autodestruído por sua própria voracidade. Além disso, confirma-se uma lei do cinismo neoliberal: os lucros são privatizados, mas os prejuízos são socializados. É o pobre quem, a final de contas, pagará a excentricidades irracionais dos banqueiros, e se lhes ameaça, no caso que se recusarem a pagar, com empobrecê-los mais.

As autoridades americanas auxiliam no resgate dos "banksters" ("banqueiro-gangster"), à custa dos cidadãos. Alguns meses atrás, o presidente Bush se recusou a assinar uma lei que proporcionaria uma ajuda médica para nove milhões de crianças pobres a um custo de 4 mil milhões de euros. A Considerou como uma despesa inútil. Agora, para salvar os canastrões do Wall Street nada lhes parece suficiente. Socialismo para os ricos e capitalismo selvagem para os pobres.

Este desastre ocorre num momento de vácuo teórico da esquerda. As quais não têm um "plano B" para tirar vantagem da catástrofe. Em especial os da Europa, espantados pelo choque da crise. Quando seria o melhor momento, de audácia, para a re-fundação.

Quanto tempo durará a crise? "Vinte anos se temos sorte, ou menos de dez se as autoridades atuarem com mão firme", prediz o neo-liberal colunista Martin Wolf (2). Se existe uma lógica política, este contexto deveria favorecer a eleição do democrata Barack Obama (se não é assassinado) à presidência dos Estados Unidos no dia 4 de novembro próximo. É provável que, como Franklin D. Roosevelt, em 1930, o jovem presidente projete um novo "New Deal" baseado em um neo-keynesianismo confirmando o retorno do Estado na esfera econômica. E, finalmente, proporcionar uma maior justiça social para as pessoas. Desloca-se em direção a um novo Bretton Woods. A etapa mais selvagem e irracional da globalização neo-liberal terá acabado.

1 Anagrama, Barcelona, 1995.
2 The Financial Times, Londres, 23-8-08.

Tradução: Fred Spinoza
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