dezembro 02, 2008

Memórias do hospício (III)

Foto: Nivya Valente - Abraço simbólico - Manaus-AM, dez/2003
Memórias do hospício (III)

Há trinta anos, o médico formado pela Universidade Federal do Amazonas precisava ir para o sul/sudeste brasileiro para fazer residência médica em psiquiatria. Afinal de contas, não havia ensino possível no manicômio de Manaus, usado de maneira acrítica – exceções de praxe – por um aparelho formador impotente. Poucos retornariam, dada a falta de perspectiva.

Assim sendo, as tentativas de mudança do modelo de atenção em saúde mental, iniciadas em 1980, esbarraram num dado óbvio: sem teoria crítica, nenhuma prática se sustenta. Daí o uso recorrente a um humanismo canhestro, reprodutor do manicômio como lugar de “domesticação” da loucura.

A criação da Residência Médica em Psiquiatria, no governo Eduardo Braga, teve no médico Raymison Monteiro, enquanto Secretario Adjunto da Capital da Secretaria Estadual de Saúde, seu principal defensor. Não lhe intimidou a resistência de profissionais do setor, desses que tem um pé no serviço público e outro em consultório privado, que viam na iniciativa o acirramento da concorrência no mercado.

Pessoalmente, enquanto Coordenador do Programa Estadual de Saúde Mental, escolhi o médico psiquiatra Fernando Kladt para a coordenação da Residência Médica em Psiquiatria por sua reconhecida paixão pelo ensino. Kladt lidera um grupo de psiquiatras – um deles, em caráter voluntário – que atua na preceptoria de cinco médicos residentes.

Considerando que a cidade de Manaus necessita de 10 Centros de Atenção Psicossocial só para adultos com problemas severos e persistentes, sem falar das crianças e adolescentes, dos abusadores de substâncias entorpecentes e álcool – se a canoa não virar – em alguns anos atenderemos todas essas demandas.

Acontece que a canoa ameaça virar. Por quê? Por que tem gente que nasceu para destruir o que se levou anos para conquistar. Um doce de cupuaçu japonês para quem identificar os responsáveis pela tentativa de naufragar o barco. Dica: o aparelho de estado é seu lócus de ingerência; eles agem por entre as fímbrias do poder.

Manaus, Novembro de 2008.

Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com
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