dezembro 10, 2008

Memórias do hospício (V)

Foto: Marquinhos - Luta Antimanicomial no Amazonas - Manas-AM, 2003
Memórias do hospício (V)

O obscurantismo teórico do setor de Saúde Mental, sob o qual a lógica manicomial ficou intocável em Manaus, teve no psiquiatra Manoel Galvão seu crítico mais combativo. No final dos anos 1970, descrente na capacidade de uma resposta coletiva pelo fim dos hospícios, encarou o magistério como campo de investimento por uma nova compreensão acerca das relações entre o fato social do sofrimento psíquico e as condições exigidas ao cuidador nas relações com sujeitos em sofrimento psíquico, de modo que suas demandas não sofressem as injunções do dispositivo manicomial. Manoel fez da leitura dos sintomas seu leitmotiv. Através dela seria possível superar os termos da ruptura entre o eu e o não eu, entre o dentro e o fora, na intrincada trama do imaginário, do simbólico e do real.

A iniciativa do inquieto psiquiatra deu frutos. Seus alunos aprofundariam os conhecimentos adquiridos. A maioria buscou noutros Estados formação especializada. Certamente, encontraram saberes que não submetem o desejo aos mecanismos de poder vigentes em nossa sociedade. Não se sabe, entretanto, quantos se engajaram no campo da luta por uma sociedade sem manicômios, que questionem as formas de disciplina e de exercício do poder no dispositivo manicomial. Diferentemente de Manoel Galvão que, no seu tempo, combateu duramente o uso do eletrochoque, atitude política que lhe valeu dissabores entre seus pares.

Na complexa relação entre clínica e política, a segunda entra em franca desvantagem quando o assunto é inclusão social do louco. As origens de classe dos educadores – quase sempre muito falantes, mas muito pouco atuantes na cena política – é fator não desprezível na reprodução de uma concepção antiquada do sujeito, o que contribui para postergar o protagonismo dos usuários dos serviços de saúde mental na construção política dos seus direitos de cidadania e de novas formas de vida. Daí Antonio Quinet interrogar: que clínica une o sujeito do direito ao sujeito do desejo e ao sujeito da história?

Manaus, Novembro de 2008.

Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com

Nota do blog: Artigo publicado no jornal Amazonas em Tempo, no Caderno Raio-X, que circula hoje.
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