PICICA: "A vitória da
Dilma deixará os setores progressistas e de esquerda do PT mais uma vez
a reboque das alianças conservadoras e da direita, numa situação
econômica que não permite mais avanços sociais sem o devido
enfrentamento com o capital. Os setores de esquerda do PT tendem a ser
cada vez mais espectadores de um processo de degradação acelerada das
conquistas sociais dos anos anteriores. Não dá para ser passageiro no
ônibus das alianças conservadoras, é preciso ser protagonista no bloco
das oposições populares revolucionárias e de esquerda.
A vitória de
Aécio vai provocar uma corrida fisiológica dos aliados do PT para o
campo governista, serão abrigados dentro do pacto conservador para
manter o modelo funcionado: no campo político e comportamental, com
Congresso Nacional conservador e Judiciário das classes dominantes; no
campo econômico, juros altos para os rentistas, dinheiro público
subsidiado para grandes grupos empresariais e câmbio favorável às
importações para o consumo de baixa renda. E para os descontentes em
geral, mais criminalização e mais repressão policial.
O voto em
Dilma ou em Aécio não muda essa conjuntura. Ambos disputam o voto
popular com promessas de toda ordem porque o voto popular decide a
eleição; mas ambos se empenham realmente em fazer concessões – cada vez
maiores – aos grupos do poder, aos capitais nacional e estrangeiro. É
com eles que vão governar. Ao povo, aos trabalhadores, aos democratas
progressistas, aos movimentos sociais e aos militantes das esquerdas
compete dar o primeiro passo na construção de uma ampla frente popular
de oposição e de esquerda, que seja anticapitalista e aponte na direção
do socialismo. Vote na retomada das lutas sociais após 26 de outubro."
Imagem: Revolta Brasil
ELEIÇÕES 13.10.2014
ALÉM do duelo Dilma-Aécio
Processo eleitoral reforça a urgência de nova articulação política capaz de avançar as lutas por melhoriadas condições de vida, contra as desigualdades e por conquistas reais de direitos políticos e sociais.
Hamilton Octavio de Souza
Após o
descarte da súbita candidatura de Marina, o processo eleitoral de 2014
caminha agora em terreno mais seguro para o capital, em especial para os
grupos dominantes que convivem muito bem tanto com os governos do PSDB
quanto com os governos do PT. Com Dilma e Aécio não existe mais o risco
de qualquer surpresa, já que a limitada e controlada democracia
brasileira retorna ao padrão de estabilidade dos últimos pleitos, pelo
menos desde 1994. Tanto é que ambos são fortemente financiados por
empreiteiras, bancos e grandes empresas subsidiadas pelo BNDES.
As
avaliações do primeiro turno continuam alimentando a imprensa, os meios
políticos e acadêmicos. Predomina, no geral, a percepção de que ocorreu
um avanço conservador nas eleições proporcionais para deputados
estaduais e federais, e na majoritária do Senado, não apenas devido ao
aumento de parlamentares dos partidos de centro e de direita, mas porque
em geral defendem posições contrárias às demandas dos movimentos
sociais populares. As bancadas evangélica, ruralista, da bala (policiais
e militares) e dos inúmeros lobbies de grupos empresariais privados
praticamente imobilizam o Congresso Nacional e as assembleias estaduais.
Não é para
menos: na campanha eleitoral do primeiro turno a propaganda dos
candidatos majoritários e proporcionais girou em torno da segurança
pública (leia-se mais repressão em cima dos negros, pobres e
manifestantes em geral) e da crítica às pautas dos movimentos LGBT, pela
legalização do aborto e pela descriminalização da maconha. Com
raríssimas exceções – de partidos como o PSOL, PCB, PSTU e PCO –, todos
os demais partidos se empenharam no discurso conservador, da mudança
dentro da ordem vigente, o que combina com a postura editorial da mídia
hegemônica e com a formação da opinião pública nos mais diferentes
ambientes institucionais.
Agora no
segundo turno devemos assistir ao videotape das campanhas de 2006 e
2010, com a mais brutal troca de acusações, as comparações exageradas e
mentirosas das obras de cada um, os apelos emocionais típicos de
religiões fundamentalistas nas sessões de exorcismo e de torcidas
organizadas nos estádios de futebol. Essa disputa acirrada levada ao
extremo de decisão entre vida e morte acaba por encobrir o que realmente
está em jogo, qual é a verdadeira conjuntura política e econômica e o
que existe de alternativa ao contínuo embate entre as classes
trabalhadoras e as forças do capital.
É preciso
deixar de lado as picuinhas trocadas pelas candidaturas, as artimanhas
dos marqueteiros e os discursos rasteiros dos militantes e fanáticos de
plantão, e fazer uma leitura mais cuidadosa e aprofundada sobre o que
teremos no dia 26 de outubro e o que precisaremos ter para as batalhas
que se apresentam no horizonte imediato. Não se trata de tangenciar a
busca de uma saída inspirada no socialismo, mas de identificar de pronto
o que mais ameaça o povo brasileiro na atual etapa do modelo dominante,
o que enfim precisa ser superado na direção de uma sociedade mais
democrática, justa e igualitária.
Esgotamento
Não há a
menor dúvida de que os governos do PT, de 2003 em diante, conseguiram
promover avanços sociais significativos para as parcelas mais pobres e
exploradas da população, seja com programas compensatórios como
bolsa-família, prouni, minha casa minha vida, seja com aumentos reais do
salário mínimo – com a consequente redução da desigualdade durante anos
seguidos. Isso, a despeito de ter continuado as políticas neoliberais
adotadas nos governos anteriores do PSDB, com as privatizações de
rodovias, aeroportos, portos e das reservas do pré-sal – além de carrear
recursos públicos para os grupos privados da educação, da saúde e de
inúmeros serviços públicos.
O
reconhecimento do que foi feito não pode servir jamais para encobrir ou
desviar a nossa atenção sobre a situação atual, sobre o que aconteceu
nos últimos anos do governo Dilma, sobre a realidade econômica do país e
a condição política do arco de alianças constituído depois de 2002. O
que importa agora é ter claro porque o quadro econômico alterou a
situação que permitiu – e não permite mais – que se tenham avanços
sociais; porque o quadro político alterou a correlação de forças na
sociedade de tal maneira que o antigo arco de alianças não é mais capaz
de promover novos avanços.
A aliança
que o PT construiu com setores da burguesia (partidos de centro e de
direita), que possibilitou avanços sociais durante vários anos
(ampliação do bolsa-família, aumento real do salário mínimo, prouni),
chegou ao seu limite de conquistas, está patinando nos últimos dois a
três anos, demonstra sinais claros de esgotamento, de tal maneira que
não dispõe de energia suficiente nem para avançar mais e nem para
segurar as conquistas e impedir o retrocesso.
Não consegue
avançar. A prova real dessa impotência é que não consegue levar adiante
a reforma agrária, congelada durante todo o governo Dilma; não consegue
mobilizar para a reforma política, nem com proposta de constituinte
exclusiva; não consegue concretizar novos aumentos reais do salário
mínimo, com PIB perto de zero; não consegue acabar com o fator
previdenciário, antiga reivindicação de trabalhadores e aposentados; não
consegue levar adiante as apurações da Comissão da Verdade, nem nos
quartéis nem no Judiciário; não consegue promover a democratização da
comunicação social, apesar da danosa manipulação dos oligopólios
privados; não consegue concluir a regulamentação do FGTS para os
empregados domésticos; não consegue baixar os juros dos bancos e do
comércio, com a Selic em 11% ao ano. Enfim, está com toda a agenda do
desenvolvimento progressista empacada, patinando – e sem qualquer
possibilidade de ser concretizada no próximo quatriênio.
Não segura o
retrocesso. A prova disso é o descontrole geral dos preços, com câmbio
artificial para favorecer importações de bens de consumo e juros altos
para agradar os rentistas, o que provoca aumento da inflação acima da
meta pré-fixada; a estagnação industrial sinaliza para o aumento do
desemprego formal em especial nos setores vitaminados com desonerações
de impostos e linhas especiais de crédito; a curva da desigualdade, que
vinha decrescendo, estancou de novo e pode provocar novo distanciamento
entre ricos e pobres; o governo não consegue atrair investimentos nos
setores produtivos por absoluta instabilidade interna; a dívida pública
cresce e o governo usa artifícios de manipulação contábil para esconder o
aumento do déficit público; tudo indica que após as eleições ou no
próximo governo haverá um forte ajuste fiscal para conter o rombo no
orçamento, e serão necessários reajustes nos preços dos combustíveis,
energia elétrica e do câmbio, com desdobramentos em cadeia no custo de
vida. Os trabalhadores e os segmentos populares é que vão pagar – mais
uma vez – com arrocho salarial e desemprego.
Perspectiva
É evidente
que o avanço na direção de novas conquistas sociais e da melhoria geral
de condições de vida do povo depende agora de outra e nova articulação
de forças políticas. De forças que combinem a ação institucional com as
mobilizações populares e dos trabalhadores para exigir avanços sociais. É
preciso recuperar a energia das mobilizações e dos protestos de 2013,
por mudanças, num movimento de transformações sociais. Será preciso
arrancar tais conquistas do bloco de poder. Só mesmo com uma ampla
articulação à esquerda, decidida a fazer o enfrentamento aos grupos
dominantes do capital será possível romper com o status atual do grande
pacto conservador, fortalecido ainda mais no primeiro turno das eleições
de 2014.
A nova
articulação precisa contar com a unificação de forças no campo da
esquerda – inclusive com as correntes petistas que não se renderam ao
neoliberalismo – numa frente que dialogue, atraia e reúna os movimentos
sociais populares (sem terra, sem teto, negros, índios, mulheres, LGBT),
sindicatos de trabalhadores, movimento estudantil, intelectualidade e
academia, profissionais liberais progressistas, defensores dos direitos
humanos e os setores democráticos mais avançados.
A vitória da
Dilma deixará os setores progressistas e de esquerda do PT mais uma vez
a reboque das alianças conservadoras e da direita, numa situação
econômica que não permite mais avanços sociais sem o devido
enfrentamento com o capital. Os setores de esquerda do PT tendem a ser
cada vez mais espectadores de um processo de degradação acelerada das
conquistas sociais dos anos anteriores. Não dá para ser passageiro no
ônibus das alianças conservadoras, é preciso ser protagonista no bloco
das oposições populares revolucionárias e de esquerda.
A vitória de
Aécio vai provocar uma corrida fisiológica dos aliados do PT para o
campo governista, serão abrigados dentro do pacto conservador para
manter o modelo funcionado: no campo político e comportamental, com
Congresso Nacional conservador e Judiciário das classes dominantes; no
campo econômico, juros altos para os rentistas, dinheiro público
subsidiado para grandes grupos empresariais e câmbio favorável às
importações para o consumo de baixa renda. E para os descontentes em
geral, mais criminalização e mais repressão policial.
O voto em
Dilma ou em Aécio não muda essa conjuntura. Ambos disputam o voto
popular com promessas de toda ordem porque o voto popular decide a
eleição; mas ambos se empenham realmente em fazer concessões – cada vez
maiores – aos grupos do poder, aos capitais nacional e estrangeiro. É
com eles que vão governar. Ao povo, aos trabalhadores, aos democratas
progressistas, aos movimentos sociais e aos militantes das esquerdas
compete dar o primeiro passo na construção de uma ampla frente popular
de oposição e de esquerda, que seja anticapitalista e aponte na direção
do socialismo. Vote na retomada das lutas sociais após 26 de outubro.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUCSP
SP 13.10.2014
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