PICICA: "Ação no STF pede inconstitucionalidade de outorgas
concedidas a emissoras controladas por políticos; Radiodifusores eleitos
também precisariam abandonar o controle de emissoras antes de tomar
posse"
Coronéis da mídia
Controle de emissoras por políticos leva à falsificação da democracia
Ação no STF pede inconstitucionalidade de outorgas
concedidas a emissoras controladas por políticos; Radiodifusores eleitos
também precisariam abandonar o controle de emissoras antes de tomar
posse
por Intervozes
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publicado
01/10/2014
Felipe Cabral/Viomundo
Desde
2011, tramita no STF uma ação que pede a declaração de
inconstitucionalidade à concessão de outorgas de radiofusão a emissoras
controladas por políticos
Por Carlos Gustavo Yoda*
Nesta segunda reportagem da série sobre os “coronéis
da mídia”, vamos mostrar o que diz a legislação brasileira sobre o
controle de emissoras de rádio e televisão por políticos e o que pode e
vem sendo feito pelas organizações de defesa do direito à comunicação
acerca das ilegalidade praticadas.
Desde 2011, tramita no Supremo Tribunal Federal uma
ação, intitulada Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF), elaborada pelo Intervozes, em parceria com o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL), que pede a declaração de inconstitucionalidade à
concessão de outorgas de radiofusão a emissoras controladas por
políticos. A arguição - “acusação”, para desembrulhar o juridiquês,
também afirma que, desde a posse, os parlamentares não podem mais ser
proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor
decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela
exercer função remunerada. Assim, defende como inconstitucional o ato de
posse desses radiodifusores eleitos, pelo fato de os mesmos não terem
deixado, antes, o controle de suas emissoras.
A base da ADPF 246 é o artigo 54 da Constituição, que
aponta, em seus dois primeiros parágrafos, como fundamento da
República, que deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato
com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública,
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço
público. Além deste artigo, a ação também entende que a prática do
coronelismo eletrônico viola o direito à informação (artigo 5º e 220 da
Constituição Federal), a separação entre os sistemas público, estatal e
privado de comunicação (art. 223), o direito à realização de eleições
livres (art. 60), o princípio da isonomia (art. 5º) e o pluralismo
político e o direito à cidadania (art. 1º).
Além da Constituição Federal, o artigo 38 do Código
Brasileiro de Telecomunicações, principal lei de rege o setor, aponta,
em seu parágrafo primeiro, que não pode exercer a função de diretor ou
gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de
radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro
especial.
No entanto, a ADPF cita mais de 40 deputados federais
e senadores, da atual legislatura, que controlam diretamente pelo menos
uma emissora de rádio ou televisão em seu estado de origem. A tese da
ação aponta diferentes órgãos como responsáveis pela ilegalidade. Em
primeiro lugar, o Ministério das Comunicações e a Presidência da
República, por concederem outorgas a empresas que não poderiam
recebê-las e pela omissão na fiscalização das emissoras; o Congresso
Nacional, também responsável pela autorização e renovação das outorgas e
pela diplomação dos parlamentares; e o Poder judiciário, também
responsável pela diplomação de candidatos eleitos.
O STF ainda não se manifestou sobre o tema, mas já
coletou a manifestação dos órgãos envolvidos. Em parecer enviado ao
Supremo, o Senado afirma que o entendimento de sua Comissão de
Constituição e Justiça é de que os contratos de concessão e de permissão
de radiodifusão enquadram-se na incompatibilidade constitucional
prevista pelo artigo 54, II, “a”. Deputados e senadores não poderiam,
portanto, ser proprietários e controladores de pessoas jurídicas
prestadoras do serviço de radiodifusão pois estas gozam do benefício
decorrente da celebração de contrato com pessoa jurídica de direito
público – no caso, a União.
Em parecer sobre a ADPF solicitado pelo Intervozes
aos juristas Gilberto Bercovici, professor da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, e Airton Serqueira Leite Seelaender,
professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Santa Catarina, eles afirmam que o ordenamento jurídico brasileiro deixa
claro que há um dever estatal de impedir a oligarquização do regime
democrático, de combater a oligopolização do setor e fomentar o
pluralismo na mídia, destacando “a importância de preservar o dissenso
na radiodifusão”. Bercovici e Seelaender afirmam que as práticas
expostas na denúncia apresentada ao STF representam “clara burla à
Constituição”.
A posição da Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF), também é de que os
detentores de mandatos não podem direta ou indiretamente ter vínculo
societário em empresas que detêm concessão de radiodifusão.
“Sem meias palavras, uma das grandes tragédias da
comunicação social no país é o fato dos parlamentares terem o controle
gerencial dessas empresas. É um poder que retroalimenta o controle
político”, pontua o procurador Regional da República no Rio Grande do
Sul, Domingos Sávio da Silveira. “O que me parece mais grave é o poder
de gestão que esses clãs políticos exercem sobre concessões [de
radiodifusão]. E mais do que isso, como o fato de ser parlamentar tem ao
longo da história feito com que as concessões sejam dirigidas a
empresas que estão sob o controle indireto desses parlamentares”,
acrescenta.
Para Silveira, quando grupos políticos controlam as
emissoras acontece a distorção direta do processo político. “É a
falsificação da democracia. A opinião pública é construída pela mídia.
Se frauda a democracia quando, através da utilização desigual de uma
concessão, se consegue uma visibilidade incomparável em relação aos
outros candidatos”, explica.
Debate recorrente
A discussão pública acerca do coronelismo eletrônico
não é recente. Na Câmara dos Deputados, o relatório dos trabalhos da
Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática (CCTCI), criada para analisar mudanças nas normas de
apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões, apontou, já em
2007 o conflito de interesses. O documento afirma que, “como o
Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e
de renovação de outorga de radiodifusão, a propriedade e a direção de
emissoras de rádio e televisão são incompatíveis com a natureza do cargo
político e o controle sobre concessões públicas, haja vista o notório
conflito de interesses”.
A Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), no entanto, que
presidiu a Subcomissão, constata a dificuldade de se fazer cumprir tal
compreensão, justamente porque o número de parlamentares que, de forma
ilegal e inconstitucional, são detentores de concessões de rádio e TV
ainda é elevado. “E eles têm seus prepostos, seus representantes, na
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e
do Senado, o que explica a dificuldade que há em se avançar minimamente
em relação a esse marco legal”, diz.
Em 2010, o então ministro chefe da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, também
afirmou a inconstitucionalidade do controle de outorgas de radiodifusão
por políticos. De acordo com ele, “criou-se terra de ninguém. Todos
sabemos que deputados e senadores não podem ter televisão, tem TV e usam
de subterfúgios dos mais variados”.
Na mesma linha, em janeiro de 2011, o Ministro das
Comunicações Paulo Bernardo novamente afirmou que já existe uma
restrição que está colocada na Constituição: “É o Congresso que autoriza
as concessões. Então, me parece claro que o congressista não pode ter
concessão, para não legislar em causa própria. Os políticos já têm
espaço garantido na televisão, nos programas eleitorais. E há também a
vantagem nas disputas eleitorais, e o poder político e econômico”. O
Ministério das Comunicações, no entanto, deu continuidade à sua política
histórica de ignorar o artigo 54 da Constituição Federal e conceder
outorgas de radiodifusão para empresas controladas por políticos.
Questionado pela nossa reportagem sobre o tema, o Ministério pediu que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Perguntamos:
Como o Ministério das Comunicações interpreta o artigo 54 da
Constituição em relação às concessões de radiodifusão? Cabe ao
Ministério das Comunicações a sua fiscalização? Se sim, quais são os canais de denúncia disponíveis à população? Se não cabe ao MiniCom, de quem deveria ser a responsabilidade por fiscalizar as emissoras controladas por políticos? O Ministério considera o
atual quadro de trâmite de outorgas problemático? No entendimento dos
gestores do Ministério, a legislação precisa de atualização? Até o
fechamento desta reportagem, o Ministério das Comunicações não havia manifestado seus posicionamentos.
Laranjas e celebridades
Comprovar o controle de uma emissora de rádio ou TV
por políticos não é tarefa simples. Os casos mais óbvios – mas também
mais raros – são aqueles em que o próprio registro de acionistas da
empresa concessionária inclui o nome do parlamentar, prefeito ou
governador. Mas o coronelismo eletrônico tem muitas faces. De acordo com
Domingos Sávio da Silveira, operam hoje no Brasil diversas formas de
controle indireto da radiodifusão. Além dos chamados laranjas, usados
para esconder o nome do verdadeiro dono da emissora, há casos de
políticos que, mesmo sem serem proprietários da empresa, são capazes de
acumular poder midiático e usar o espaço do rádio e da televisão como
fonte de poder pessoal.
“É o exemplo dos comunicadores candidatos e dos
parlamentares comunicadores, que passam os quatro anos de seu mandato
retroalimentando sua atuação, que deveria estar no Congresso, às vezes
até sem receber e, outras vezes, alugando ou arrendando espaços nos
meios de comunicação. É uma relação desigual. A celebridade candidata
também frauda o processo democrático”, explica Silveira.
Questionado pela reportagem, o Tribunal Superior
Eleitoral declarou que “a Lei das Eleições só se refere aos
permissionários públicos quando os proíbe de fazer doações”. Contudo, o
TSE indica o Ministério Público Eleitoral para representações: “Quanto a
denúncias, o Ministério Público Eleitoral é parte para oferecê-las à
Justiça Eleitoral”, informou a assessoria de imprensa da instituição.
Para o procurador Domingos Sávio da Silveira, a
sociedade deve procurar o Ministério Público Federal para denunciar
possíveis casos de uso indevido de concessões públicas que podem
interferir no processo eleitoral. Ele acredita que iniciativas como a
ADPF 246 e demandas individuais e pontuais que podem ser delatadas não
devem ser entendidas como “censura”, como colocam-se os opositores a
todo e qualquer tipo de regulação da mídia. “Seria muito bom que toda a
sociedade fizesse representações. É preciso provocar em cada local um
processo de aplicação democrática da Constituição, de construção da
igualdade. Essas ações têm poder pedagógico”, condui.
* Carlos Gustavo Yoda é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Fonte: Carta Capital
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