PICICA: "O problema da nossa democracia, leio aqui e ali, é o desejo de mudança.
Os culpados pelo obscurantismo e fisiologismo da política institucional
são ... os manifestantes que fizeram explodir as ruas em junho de 2013
(e além) para denunciar a corrupção da representação. É a análise da
esquerda que faz troça da tragédia eleitoral do domingo se perguntando
se o 'gigante não acordou' (depois de ter passado um ano e meio
alternando várias receitas diferentes de sonífero)."
O mal-estar da esquerda no Brasil onde junho não aconteceu
O problema da nossa democracia, leio aqui e ali, é o desejo de mudança. Os culpados pelo obscurantismo e fisiologismo da política institucional são ... os manifestantes que fizeram explodir as ruas em junho de 2013 (e além) para denunciar a corrupção da representação. É a análise da esquerda que faz troça da tragédia eleitoral do domingo se perguntando se o 'gigante não acordou' (depois de ter passado um ano e meio alternando várias receitas diferentes de sonífero).
Não há 'padrão' algum de 'reações conservadoras' na ressaca da insurgência da multidão. A reação conservadora não se apresenta nas urnas. Ela começa a se manifestar quando as lutas fazem explodir o consenso e todos os operadores do sistema pactuam pelo fechamento das fissuras, delegando aos Secretários de Segurança Pública, coordenados pelo Ministério da Justiça, a tarefa de fabricação de um novo consenso, calibrado por uma violência estatal ainda mais feroz (e difusa, relevando-se capaz de generalizar o estado de exceção em espaços inauditos desde a redemocratização).
Diante do impasse entre o desejo de radicalização democrática e a pressão normalizante de um aparato institucional, o Partido dos Trabalhadores, uma das experiências institucionais mais importantes da história da esquerda mundial - bem-sucedida, inclusive, ali onde tantas falharam, na capacidade de governança - declinou da oportunidade de acelerar o ritmo das reformas, preferindo ser o fiador da ordem, garantida através da repressão de todos os movimentos autônomos que tentaram mobilizar a sociedade seja pela criação ou contra a violação de direitos. A ordem que o PT garantiu é a que as urnas (como pontas de icerberg de um sistema eleitoral totalmente dominado pelos fluxos financeiros e midiáticos e pelo poder territorializado do pemedebismo mafioso) desvelam agora diante de todos.
Depois de junho não foram poucas as vezes em que li ou ouvi companheiros da esquerda - petistas em sua maioria - evocarem a experiência dos anos 30 na Alemanha diante da divisão da esquerda. Os mais simpáticos às mobilizações argumentavam que o fascismo ascenderia pelas brechas abertas entre as esquerdas desunidas enquanto outros já enxergavam os fascistas nas próprias ruas. Os últimos prevaleceram e as ruas foram intensamente criminalizadas num pacto de estabilização e normalização co-operado pelo governo federal, governos estaduais (aliados ou oposicionistas), o cartel midiático e até mesmo as forças armadas. O legado da Copa foi o fim das mobilizações e um mal-estar generalizado na esquerda brasileira: junho de 2013 não havia, afinal, acontecido.
Agora, quando as urnas se abrem e as cabeças mais inteligentes da nossa esquerda se assustam diante do refluxo conservador e a possibilidade real de uma vitória da direita, é a hora de lembrar que junho de 2013 aconteceu. Que junho e outubro de 2013, bem como as mobilizações críticas à Copa do Mundo, aconteceram contra o refluxo conservador e as várias vitórias da direita que removeu centenas de milhares de pobres, gentrificou a vida nas cidades, escanteou os direitos de LGBTs e mulheres, reconhecendo que os jovens 'ingênuos' leram melhor a tendência do que os militantes 'realistas'.
O oblívio dos levantes da multidão, bem como sua evocação agora como culpada não é outra coisa senão a resposta que uma esquerda autoritária e (por isso) neurótica tem a oferecer diante daqueles que ousaram lutar contra o fascismo com o qual ela escolheu transigir. Como na Alemanha na década de 1930.
O problema da nossa democracia, leio aqui e ali, é o desejo de mudança. Os culpados pelo obscurantismo e fisiologismo da política institucional são ... os manifestantes que fizeram explodir as ruas em junho de 2013 (e além) para denunciar a corrupção da representação. É a análise da esquerda que faz troça da tragédia eleitoral do domingo se perguntando se o 'gigante não acordou' (depois de ter passado um ano e meio alternando várias receitas diferentes de sonífero).
Não há 'padrão' algum de 'reações conservadoras' na ressaca da insurgência da multidão. A reação conservadora não se apresenta nas urnas. Ela começa a se manifestar quando as lutas fazem explodir o consenso e todos os operadores do sistema pactuam pelo fechamento das fissuras, delegando aos Secretários de Segurança Pública, coordenados pelo Ministério da Justiça, a tarefa de fabricação de um novo consenso, calibrado por uma violência estatal ainda mais feroz (e difusa, relevando-se capaz de generalizar o estado de exceção em espaços inauditos desde a redemocratização).
Diante do impasse entre o desejo de radicalização democrática e a pressão normalizante de um aparato institucional, o Partido dos Trabalhadores, uma das experiências institucionais mais importantes da história da esquerda mundial - bem-sucedida, inclusive, ali onde tantas falharam, na capacidade de governança - declinou da oportunidade de acelerar o ritmo das reformas, preferindo ser o fiador da ordem, garantida através da repressão de todos os movimentos autônomos que tentaram mobilizar a sociedade seja pela criação ou contra a violação de direitos. A ordem que o PT garantiu é a que as urnas (como pontas de icerberg de um sistema eleitoral totalmente dominado pelos fluxos financeiros e midiáticos e pelo poder territorializado do pemedebismo mafioso) desvelam agora diante de todos.
Depois de junho não foram poucas as vezes em que li ou ouvi companheiros da esquerda - petistas em sua maioria - evocarem a experiência dos anos 30 na Alemanha diante da divisão da esquerda. Os mais simpáticos às mobilizações argumentavam que o fascismo ascenderia pelas brechas abertas entre as esquerdas desunidas enquanto outros já enxergavam os fascistas nas próprias ruas. Os últimos prevaleceram e as ruas foram intensamente criminalizadas num pacto de estabilização e normalização co-operado pelo governo federal, governos estaduais (aliados ou oposicionistas), o cartel midiático e até mesmo as forças armadas. O legado da Copa foi o fim das mobilizações e um mal-estar generalizado na esquerda brasileira: junho de 2013 não havia, afinal, acontecido.
Agora, quando as urnas se abrem e as cabeças mais inteligentes da nossa esquerda se assustam diante do refluxo conservador e a possibilidade real de uma vitória da direita, é a hora de lembrar que junho de 2013 aconteceu. Que junho e outubro de 2013, bem como as mobilizações críticas à Copa do Mundo, aconteceram contra o refluxo conservador e as várias vitórias da direita que removeu centenas de milhares de pobres, gentrificou a vida nas cidades, escanteou os direitos de LGBTs e mulheres, reconhecendo que os jovens 'ingênuos' leram melhor a tendência do que os militantes 'realistas'.
O oblívio dos levantes da multidão, bem como sua evocação agora como culpada não é outra coisa senão a resposta que uma esquerda autoritária e (por isso) neurótica tem a oferecer diante daqueles que ousaram lutar contra o fascismo com o qual ela escolheu transigir. Como na Alemanha na década de 1930.
Fonte: Silvio Pedrosa
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