Foto: Rogelio Casado, Manaus-AM, 18.maio.2006
Maio é um dos meses da estação das chuvas em Manaus. Quando chove, o sistema de transporte fica mais precário ainda. Muitos manauaras preferem ficar em suas redes a enfrentar o caos urbano. Ainda assim, éramos exatamente 50 teimosos sujeitos na frente da Catedral de N. S. da Conceição na manhã chuvosa do dia 18 de maio, dia em que se comemorou a data maior do movimento social por uma sociedade sem manicômios.
Tínhamos motivos para a comemoração, aliás uma dupla motivação. Nesta data, há dois anos a Associação Chico Inácio passou a existir juridicamente, depois uma trajetória que remonta o início do século XXI. E ela já nasceu em boa companhia. Antes do findar de 2004, filiou-se à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial. Por sinal, andar em boa companhia é uma condição para nossos militantes. Mais do que parcerias, prezamos as alianças com atores sociais e entidades da sociedade civil organizada que encarem o desafio civilizatório de fazer o louco caber na nossa cultura. Em nenhuma hipótese conciliamos com reformistas de araque.
A segunda motivação é um dos orgulhos da nossa coerência. Desde 2002 defendemos a criação de uma Lei de Saúde Mental para o Estado do Amazonas - uma lei que torne proibitiva o assanhamento dos que querem manter estruturas de confinamento dos portadores de sofrimento mental, contrários à lógica de criação de uma rede de atenção diária à saúde mental. Pois eis que o governador do Estado, Eduardo Braga, tomou a decisão política mais importante desde que a Reforma Psiquiátrica foi sendo tecida no Amazonas, lá no início de 1980. Além de entregar um Centro de Atenção Psicossocial no bairro de Santa Etelvina, em Manaus (que será repassado ao poder municipal em menos de um ano); de esvaziar o Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro para transformá-lo num Hospital de Clínicas, mantidos os leitos psiquiátricos para atendimento de cidadão em situação de crise; de criar 5 serviços residenciais terapêuticos para usuários de longa hospitalização e realizar o censo da população psiquiátrica para identificar as demandas por alocação de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, finalmente teremos uma legislação que porá fim à lógica perversa dos hospitais psiquiátricos, que historicamente representam a anti-produção das relações entre os humanos.
Ainda este ano estaremos celebrando o fim de uma instituição cristalizada em práticas e valores que depõem contra a construção de uma rede de apoio social aos portadores de sofrimento mental. E, mais importante, estaremos celebrando o início de uma nova história onde não há espaço para a repressão e eliminação da subjetividade dos loucos, onde os projetos terapêuticos tenham como princípios a vida, a liberdade e invenção de novas maneiras de conviver com a loucura humana.
O Projeto de Lei, que em breve estará sendo enviada à Assembléia Legislativa pelo governador Eduardo Braga, foi pautado no debate público pela Associação Chico Inácio, chegou a tramitar na Assembléia Legislativa, esbarrou num parecer da Procuradoria: projetos semelhantes devem ser iniciativa do Executivo pois envolvem decisões sobre despesas que só a ele compete. Por isso a decisão de governo se reveste de importância, pelo seu caráter político e por responder aos anseios do movimento social. A todos aqueles que participaram e apoiaram esse projeto de interesse coletivo, nosso reconhecimento e gratidão.
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