maio 08, 2006

Nas asas da Phoênix

















O Coordenador do Programa de Saúde Mental do Estado do Amazonas estará lançando, brevemente, um livro comemorativo dos 40 meses passados desde que assumiu a responsabilidade pela condução da Política de Saúde Mental até a inauguração do CAPS Silvério Tundis, em maio de 2006. O título provisório chama-se "Nas asas da Phoênix".

A arte de sobreviver a "facada nas costas", "chute na canela", "puxão de tapete", "mau olhado", "picuinhas", "canibalismo", intriga e inveja dos "amigos da onça" é o que o amazonense Rogelio Casado, 53 anos, coordenador do referido programa, tem vivido ao longo de mais de 25 anos de serviço público.

O livro, ao contrário do que se pode esperar, será rico em análises e críticas sobre o comportamento dos atores sociais envolvidos na cena política da saúde mental baré, com direito a passagens bem humoradas como a que foi vivida no dia que "Caboca Mariana" baixou em pleno Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, no velho auditório. Leia o artigo publicado no jornal Amazonas em Tempo e saiba como Rogelio Casado ganhou uma "blindagem" dessa entidade mitológica do Amazonas. Talvez por isso ele aparece na foto acima mostrando como o seu "saquinho" foi ganhando elasticidade e resistência, ou seria melhor dizer resiliência?

Caboca Mariana

Dois de Fevereiro de 2004. Estou em Rio Vermelho – Salvador, saudando a mãe dos orixás: Iemanjá. O encontro no Solar do Unhão, à beira do Atlântico, com Mira, médium paraense muito estimada pelos de casa, que cozinha uma maniçoba como ninguém – e a quem só agora conheci –, foi decisivo para encarar os festejos e as obrigações religiosas no dia da Mãe d’Água, a Rainha do Mar. Depois que contei-lhe um episódio que remonta a Setembro de 1987, sinto que essas férias serão feracíssimas.

Naquela época, dirigia o Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro. Passavam das 17 horas. Preparava-me para outra jornada de trabalho, desta vez em meu consultório particular, quando Leila Brasil, diretora técnica, anuncia um bafafá na cozinha do hospital: uma das cozinheiras queria espetar uma colega na ponta de um instrumento de trabalho. Motivo: suspeita de infidelidade conjugal. Tudo armação: o triângulo amoroso fora inventado por uma língua ferina; esta, sim, arrastava uma asa doida para o contumaz prevaricador, sem obter sucesso.

Leila pediu intervenção do diretor. Irritado pelo atraso a que seria submetido, dirigi a todas as mulheres do setor duras palavras, pero sin perder la ternura jamás: “Aonde já se viu, trazer assuntos domésticos para discutir em ambiente de trabalho?” Quem nos dera que as confusões entre o público e o privado fossem meros dramas de alcova!

Naquela altura, diz a lenda que funcionários pouco cumpridores dos deveres, tramando contra o diretor (ó, sina!), haviam procurado uma macumbeira, e, num despacho, costuraram-lhe o nome na boca de um sapo e enfiaram no oco de um pau (sic).

Sucedeu, então, por ocasião da carraspana coletiva, que, em pleno auditório baixa, inesperadamente, uma dessas encantadoras divindades, tão popular nos cultos afro-brasileiros, de inspiração indígena: Caboca Mariana.

Surpreso pela escolha recair sobre uma das mais afetuosas das nossas cozinheiras, dona Cândida, senhora dos seus quase sessenta anos, e apostando que haveria uma cambona no recinto, pedi, imediatamente, com insuspeita seriedade, que alguém viesse receber a entidade, pois que o cavalo manifestara o sinal do guia à seco, sem um gole de marafo, sem um som de atabaque.

Acontecimentos assim dão-se quando há comunicações inadiáveis. Era o caso. No episódio, descobri o desafeto que aterrorizava os que me queriam bem com a história da boca do sapo, e que não perdeu por esperar: a própria cambona. Depois de receber Mariana com um ponto cantado, viu-a dirigir-se a mim para, entre abraços, comunicar-me: “Tu és protegido de Caboca Mariana; ninguém pode tocar num fio de cabelo teu, senão tem que se haver comigo”.

Salve as entidades ligadas à água: Mariana, Moça Bonita..., e Iemanjá, a mãe de todas.

A história está contada e a obrigação cumprida. Saravá!

Salvador, Fevereiro de 2004.
Rogelio Casado, especialista em saúde mental
Coordenador do Programa Estadual de Saúde Mental
E-mail: rogeliocasado@uol.com.br Posted by Picasa

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