maio 21, 2006

Associação Chico Inácio comemora o Dia Nacional de Luta Antimanicomial

Foto: Rogelio Casado, Manaus-AM, 18.05.2006












O Dia Nacional de Luta Antimanicomial teve uma singela comemoração no Amazonas. Passavam das 10 horas da manhã quando, em frente da Catedral de N. S. da Conceição, após apresentação do Coral Viva Voz do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, sob a regência do musicoterapeuta Alvano Mutz, atores do grupo "The Positivus", da Rede de Amizade & Solidariedade às Pessoas com HIV/Aids, encenaram uma peça da Companhia de Teatro Cururu de Tanga (companhia de teatro de repertório), intitulada "Quero uma casa para morar".
Leia o texto da peça.


COMPANHIA DE TEATRO
“CURURU DE TANGA”

e
Companhia de Teatro
“The Positivus”
apresentam


Personagens:
Chico Inácio
Maria
Dona Cândida
Filho
Filha
Palhaço
Anjinho

MARIA: (canta) ♪ Se esta rua... se esta rua fosse minha... eu mandava... eu mandava ladrilhar... com pedrinhas... com pedrinhas de brilhantes... para o meu... para o meu amor passar... Se esta... (é interrompida bruscamente)

CHICO INÁCIO: Ei, psiu...! Psiu...!!! Para com essa cantoria. Tu tá ficando lesa, mulher? Quando é que tu vai aprender que parede de hospício ‘num’ tem orelha? Faz dez anos que tu canta a mesma música... e nunca ninguém parou pra te escutar, criatura...

MARIA: Deixa de ser mal educado, ‘seu’ coisa. Meu nome é Maria... Maria, ouviste?... Nome da mãe do homem que quiseram silenciar na cruz... Ficaram só no querer porque a palavra dele até hoje tá entre nós... O hospício pode ser minha cruz... mas meu canto é de liberdade... Ouviste, ‘seu’ coisa!

CHICO INÁCIO: Alto lá... eu também tenho nome, dona Maria?

MARIA: Então, desembucha, homem!!!

CHICO INÁCIO: Sou Chico Inácio... sou gente... ‘num’ tenho parente, nem aderente... quero uma casa pra morar...

MARIA: Viva! Viva!... Assim é que se fala, seu Chico Inácio... Nós também somos gente... queremos casa pra morar... trabalho pra viver... amigos pra conversar... Nós ‘num’ nascemos dentro do hospício... morrer aqui, nem pensar...

CHICO INÁCIO: Ah, dona Maria... morrer eu morro todos os dias aqui nesse hospício... devagar, devagarinho... Tu sabe, maninha, que eu nasci de uma estrela que caiu na beira de um lago lá em Itacoatiara... tchibuuuummm!!!... Era curimatá, tucunaré, jaraqui, bodó e pacú pra tudo que era lado...

MARIA: Seu Chico Inácio, bem que eu queria nascer uma outra vez?

CHICO INÁCIO: Pois olhe, a segunda vez que eu nasci foi aqui no hospício!... Que saudade daquele tempo! Naquela época nós ‘plantava’ um montão de verduras... roçados e mais roçados... de milho, feijão, macaxeira... ‘criava’ um montão de porco... e ainda torrava farinha... de montão. Eta, vida paidégua!!!...

MARIA: Vige, santa! Conta mais seu Chico Inácio, conta mais, que eu tô besta com toda essa história. Agora me conta, por que acabou tudo isso, homem?

CHICO INÁCIO: Ah, dona Maria, ninguém liga mais pra gente... Até Deus esqueceu de nós.

Entram três personagens: dona Cândida e seus dois filhos.

DONA CÂNDIDA: Ô, seu Chico Inácio! O que que o senhor ainda faz dentro desse hospício, homem de Deus? Quando é que o senhor vai colocar na cabeça que gente não foi feito pra viver dentro de jaula?

CHICO INÁCIO: Mas eu tô em tratamento, dona Cândida.

DONA CÂNDIDA: Onde já se viu gente ser tratada em jaula, seu Chico. Nem bicho nasceu pra ser preso, homem de Deus. Filho meu não faz tratamento dentro de hospício, não!!! Gente... é pra ser tratada com o carinho dos governantes, dos amigos, da família, da vizinhança, em qualquer comunidade...

CHICO INÁCIO: A senhora fala isso porque os seus filhos têm sorte de ter uma mãe como a senhora... Coitado de mim que não tenho ninguém...

CÂNDIDA: Ora, ora, seu Chico... Claro que é sempre bom ter alguém perto da gente... mas, o senhor vai me desculpar... como é que depois de ter conhecido a liberdade... como é que o hospício continua enroscado na sua cabeça?... Aliás, tem muita gente por aí andando com o hospício na cabeça... Acredite no que tô lhe dizendo: o hospício tá na cabeça das pessoas... (sai apontando as pessoas) Tá na cabeça daquela criatura ali... tá na cabeça de quem você menos espera (aponta pra alguém que está muito comportado)... até nesse ‘toquinho da maldade’ a idéia de hospício tá tão encruada que o infeliz deixou até de sonhar... Vai ver que por isso o Ministério da Saúde adverte: HOSPÍCIO FAZ MAL PRA SAÚDE.

FILHA: É ‘mermo’, né, mamãe? Vamos mostrar pra essa cambada que em pleno século XXI ainda tem muita gente com a idéia de hospício no cabeção...

Junto com o irmão desarma e armam os muros do ‘hospício’ em torno de algumas pessoas do público.

FILHA e FILHO: O hospício tá aqui mamãe?...

DONA CÂNDIDA: Tá sim, meus filhos.

FILHO E FILHA: E aqui, mamãe... o hospício também taqui?

DONA CÂNDIDA: Infelizmente, taí também, meus filhos?

FILHO E FILHA: E aqui... será que o hospício taqui também, mamãe?

DONA CÂNDIDA: Tá sim, meus filhos... mas não vamos apavorar esse povo, não! O hospício tá em todos os lugares... mas, se você quiser... ele pode desaparecer... ♪ É só você querê... êh!! êh!!...

PALHAÇO: (personagem entra batendo entre as mãos duas tampas de panela) ...Então, a loucura vai acabar?...

ANJINHO: Que é isso minha, gente! A loucura não vai acabar nunca... mas, a gente pode diminuir o preconceito... pode diminuir o medo... pode diminuir a culpa... ♪ É só você querê... êh!! êh!!... Sabe por quê? Porque tá na minha mão... tá na sua mão...

DONA CÂNDIDA: Se tá na minha mão... tá na rua... Vamos lá, pessoal! ♪ Se esta rua... se esta rua fosse minha... eu mandava... eu mandava ladrilhar... com pedrinhas... com pedrinhas de brilhante... para o meu... para o meu amor passar... (Bis).

Os personagens dão as mãos com o público... cantam e dançam juntos.

E a vida continua...

Manaus, novembro de 2004.


Companhia de Teatro
"Cururu de Tanga"

Just for fun
(Só pra frescar)


Autor: Rogelio Casado
Médico Psiquiatra
Simpatizante de ONGs que atuam de modo independente dos poderes econômicos, religiosos e político-partidários
Dramaturgo amador da literatura picaresca

Trabalho coletivo: Idéia da Companhia de Teatro “The Positivus”; Diálogos da Companhia de Teatro “Cururu de Tanga”

Endereço para correspondência:
Rua dos Andradas, 229 - Sala 101 - Centro - CEP 69005-000 - Manaus-Amazonas-Brasil
Tel: (0--92) 3234-8121 E-mail:
rogeliocasado@uol.com.br

A Companhia de Teatro "Cururu de Tanga" foi fundada pela família Casado, no Ano da Graça de 2000, para atuar não importa onde: logradouro público ou impublicável, casa de tolerância ou de show brega, presídio, mocó ou palacete, escola ou arapuca de ensino, becos, quintais, hospitais, boate, cinema, rádio, teatro, livraria, hotéis urbanos e de selva, mercado, feira, cais de porto, terminal de ônibus, curral de boi, terreiro, flutuante, botequim, escola de samba, posto de saúde, sindicato, igrejas da salvação e da libertação (preferencialmente, o pessoal da Teologia da Libertação) e para os desbocados de um modo geral...

VOCÊ SABE!
O "CURURU DE TANGA"
NÃO ESCOLHE O BREJO PRA "CANTÁ"...,
... BASTA VOCÊ "TÁ" LÁ!

A FAVOR DO SEXO COM SAÚDE
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