Um profeta do século XXI e as reações que provoca
Escrito por Guilherme C. Delgado
13-Dez-2007
O gesto da greve de fome em 2005 de D. Luiz Cappio contra o projeto de transposição de águas do rio São Francisco provocou, na ocasião, reações parecidas e outras bem diversas das atuais. Antes, como agora, foram articuladas ações nas cúpulas do governo federal e da Nunciatura Apostólica (Vaticano) para isolar, enquadrar e demovê-lo do gesto. Agora prosseguem, em uma nova conjuntura, reações semelhantes. Convém explicita-las, antes mesmo de falar diretamente sobre o gesto de D. Luiz.
A grande mídia resolveu adotar uma espécie de operação silêncio-surdina, que consiste em ignorar o fato jornalístico, ou noticiá-lo em surdina, geralmente em páginas ou espaços menores, sem maior destaque. O Palácio do Planalto, protegido pela operação silêncio-surdina, adota jogadas de apelo às operações inquisitoriais do Vaticano, enquanto pela palavra escrita do seu ministro Geddel Vieira Lima insulta não apenas o bispo mas a consciência ética do país. Por sua vez, a cúpula da Igreja Católica, que se expressa pela palavra oficial da CNBB em comunicados públicos, até o momento não se posicionou - ou o fez de forma ambígua, alegadamente pelas divisões internas que o fato provoca no episcopado.
Por outro lado, em vários espaços leigos das Igrejas, no Conselho Nacional das Igrejas Cristãs, na Comissão Pastoral da Terra, na Regional CNBB-Norte 2 (Pará e Amapá), na Comissão Brasileira de Justiça e Paz (da própria CNBB), dentre outras entidades que já se posicionaram publicamente (até o dia 12 de dezembro), diga-se de passagem sem nenhuma cobertura de mídia, o gesto de D. Cappio é entendido no seu contexto e significado devidos.
É a atitude ética de quem se dispõe a doar a própria vida por uma causa em favor da parte mais sofrida e esquecida da nação brasileira. Isto incomoda, porque transcende em muito uma discussão estritamente técnica de um projeto de obras públicas.
A discussão em torno do gesto de D. Luiz situa-se fundamentalmente no plano ético. Neste plano, o projeto técnico da transposição e as alternativas sugeridas por D. Cappio precisariam ser julgados sob o critério da destinação universal de um bem público extremamente escasso no semi-árido – a água, acessível a todos, mas preferencialmente aos mais pobres. Quando se tangencia este critério, para a erigir a obra técnica em si, sua construção em estilo faraônico e uma rede de interesses privados poderosos no seu entorno, seria muito ingênuo supor que esta não fosse mais uma repetição da velha estratégia de obras públicas “contra as secas”, recalibrada agora com verniz da modernidade do agronegócio brasileiro.
Consciente da impossibilidade de diálogo (até o presente), pela absoluta intransigência do poder civil e insensibilidade de setores ponderáveis do poder religioso, restou a D. Cappio o gesto extremo de colocar sua própria vida em doação.
Das respostas que a sociedade, o governo e as Igrejas derem a esse gesto de D. Luiz, dependerá a sua própria vida.
Outros testemunhos no passado, de verdadeiros pastores do semi-árido, como o foram, cada qual a sua maneira, Antonio Conselheiro, Pe. Ibiapina e Pe. Cícero Romão Batista - para citar os mais conhecidos -, experimentaram a tragédia o abandono e a marginalização como respostas dos poderes civil e eclesial de suas épocas.
Agora estamos no século XXI e um gesto profético como o de D. Luiz Cappio não deveria produzir morte, abandono ou marginalização; mas, ao contrário, despertar a sociedade e o seu governo para cuidar dos pobres do semi-árido nordestino de maneira exemplar, com sentido de justiça, amor à natureza e pleno respeito a uma outra maneira de fazer política de desenvolvimento. É o momento de colocar nossas posições pois, se benditos são os mártires, maligna é a sociedade que por ação ou omissão produz mártires.
Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
Fonte: Correio da Cidadania
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