dezembro 30, 2007

Mensagem para Pedrinho


A mensagem abaixo é destinada a Pedro Gabriel Godinho Delgado, atual Coordenador Nacional de Saúde Mental, a quem chamo fraternalmente de Pedrinho. A mensagem parece pessoal. Não é. Vale para o coletivo, toda vez que ruído de comunicação pintar por aí.
Meu caro Pedrinho,

Aproveito o ensejo da mensagem disponível no grupo de discussão emdefesareformapsiquiátrica para cumprimentá-lo e tentar afastar de uma vez por todas os ruídos de comunicação entre você o estado do Amazonas. E que não são poucos.

Pretendia fazer uma comunicação pessoal sobre o quadro da Saúde Mental depois que o governador Eduardo Braga sancionou a Lei de Saúde Mental do Estado do Amazonas no dia 10 de outubro - Dia Mundial de Saúde Mental, por ocasião dos 20 Anos de Luta Antimanicomial, evento realizado no início deste mês de dezembro, em Bauru-SP. Mais uma vez o universo conspirou... contra. Não consegui encontrá-lo.

Primeiro, porque por pouco repetia-se a cena de 20 anos atrás, quando faltei ao II Congresso Brasileiro dos Trabalhadores de Saúde Mental, na mesma cidade de Bauru, ocasião em que se instituiu o lema Por uma Sociedade Sem Manicômios. Acabara de sair de uma greve de fome em defesa da reforma psiquiátrica no Amazonas. Seis quilos a menos, sem um tostão furado no bolso, deixei de ir ao encontro dos companheiros que não fiz.

Desta vez, devido uma falha no sistema ficaria sem passagem e hospedagem não fosse a Universidade do Estado do Amazonas ter entrado em cena e me colocar no game, como diriam os mais jovens. Mais uma vez, em cena o imponderável: fiquei num hotel distante do seu. Pior. As duas mesas redondas em que participamos tinha como local campus diferentes, dos três disponíveis para o evento (Unesp, Unip, Usc). Caramba! Sai Capeta que este corpo não te pertence!

Segundo, porque não consegui vê-lo na manifestação pública ocorrida no centro de cidade de Bauru, no mesmo coreto da manifestação daquele dezembro de 1987. E olha que meu campo visual é a do fotógrafo que sou. Vi velhos militantes: Roberto Tykanori, Ana Marta Lobosque, Marcus Vinicius, Silvio Yasui, entre outros. Mas lá você não estava. Soube, então, que você viajara um dia antes devido outros compromissos. Lástima!

Só pode ser olho-gordo!, pensei com meus botões. Foi então que sobreveio uma epifania e a ficha caiu: de um imenso olho-gordo saiam, aos borbotões, um monte de reformistas-de-araque. Os mesmos que produziram uma moção de repúdio contra a Lei de Saúde Mental por ocasião da Conferência Estadual de Saúde. Durma-se com um barulho desses!...

Impossível, para mim, não associar este a um outro fato: a recente desaprovação da instituição da Fundação de Direito Privado pela maioria dos participantes da Conferência Nacional de Saúde, instrumento que poderia permitir a desprecarização dos regimes de trabalho vigentes hoje no Sistema Único de Saúde, como o Programa Saúde da Família e a grande maioria dos Programas de Saúde Mental existentes no Brasil, para ficar nestes dois exemplos. Só deu pro nosso! Teremos trabalho redobrado para convencer nossos parlamentares na Câmara Federal de que não podemos mais ficar na dependência das nossas organizações-não-tão-governamentais-assim para manter os serviços substitutivos ao manicômio, se não quisermos dar mais munição para a contra-reforma psiquiátrica tão bem representada pelos segmentos conservadores abrigados na Associação Brasileira de Psiquiatria, por exemplo.

Mas, raios-que-o-partam, porque esses reformistas-de-araque surgem, recorrentemente, de modo tão inesperado? E o que isso tem a ver com você, Pedrinho? Uai! Você lembra como fui hostilizado por esses tipos num encontro em Manaus, em 2005, quando você fez sua primeira viagem para tentar "empoderar" o Coordenador Estadual do Programa de Saúde Mental, então resistindo como um Brancaleone e seu pequeno exército. Não queríamos submetê-lo ao mesmo ritual canibalizante.

Vivemos dias de tensão, e em especial 72 horas angustiantes antes da Lei ser sancionada. O governo temia uma manifestação de última hora. Pensou-se numa saída inteligente. Não havia. Porque a hora exigia mais que inteligência. Exigia força. Força simbólica. Não nos faltou. Encarnada na Associação Chico Inácio, filiada à Rede Nacional de Luta Antimanicomial, única entidade que foi à rua em defesa da construção da cidadania dos portadores de sofrimento mental, sob a proteção de São Doidão, fizemos uma festa memorável no dia 10 de outubro - Dia Mundial de Saúde Mental -, quando o governador sancionou a Lei de Saúde Mental num dos salões da Universidade do Estado do Amazonas. Não houve mortos nem feridos. Vitória do movimento Por uma sociedade sem manicômios, que queremos dividir com os companheiros que vivem em outras latitudes desse imenso Brasil.

Que os ruídos de comunicação fiquem para trás, nas águas que passaram no ano de 2007. Que no ano de 2008, possamos estabelecer relações mais ricas de realizações e de significados plenos para nossos coletivos. A Universidade do Estado do Amazonas está pronta a fazer sua parte.

Fraternalmente,

Rogelio Casado

Nenhum comentário: