Nota do blog: Querido Anibal, há dez anos estava dirigindo o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Estado do Amazonas, lugar onde a palavra, quando não era negada, era domesticada. Ali criei um jornal chamado "Céu Azul", de existência efêmera, numa dessas tentativas enlouquecidas de fazer a palavra circular. Como vês, ainda hoje essa é minha sina.
* * *
EPÍSTOLA DE NATAL
Aníbal Beça ©
Palavra por que me persegues?
Por que insistes com a cunha de tua língua
chanfrar em leves lascas o doce verbo amargo?
Palavra por que me atormentas?
Por que adoças minhas velhas oiças
com promessas vivas de falidas falas?
(Os shoppings estão cheios de perdoados
assépticos do ano inteiro)
Palavra por que me fazes chorar?
Por que derramas o mel da esperanças
e as moscas varejeiras ainda hão-de voejar?
Ah, Palavra, triste é saber Que Papai Noel é da melhoridade
não usa mais renas no entanto usa sua carteirinha
para viajar de graça no bus circular
que as árvores não se reciclam
que não há Natal para as árvores
dos moradores de rua,
catadores de lixo.
(Ainda bem que Joãoz(s)inho Trinta não mora aqui)
Ah, Palavra, mesmo assim
é preciso piscar com os teus olhos
para nos enlevar no sonho das luzinhas
da árvore da utopia
esta
sim
que não conjuga o verbo da hora reciclável
mas nos abriga no macio de suas folhas
iluminando com seu brilho verde
o nascimento do justo ser humano que há de vir.
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