Serra vs. Dilma
[ Amálgama ] Esquerda, direita e os discursos
por Tiago Pereira * – Desde a queda do muro de Berlim, há mais de 20 anos, aparece, com maior ou menor força, o argumento da morte das esquerdas, da crise do socialismo. É como se, no apagar das luzes do grande farol, todos tivessem perdido o rumo. De fato, houve abalos que, inclusive, já vinham de antes da “crise”. Processo que gerou reflexão e auto-análises na busca de correção de rumos. No Brasil, esse discurso embola um pouco. Ninguém se assume de direita, por conta da ditadura. Mas também gostam de dizer que a esquerda não existe mais, e encerram o raciocínio com o batido chavão de que todos os políticos e partidos são “farinhas do mesmo saco”. Metáfora política dos tempos do império. Da escravidão.
A realidade, no entanto, mostra outra coisa. Esquerda na Espanha. Direita na Itália. Uma centro-direita na França e na Alemanha. Diversos modelos “à esquerda” na América Latina, uns mais originais, outros mais desastrados. Também estranhas direitas, como na Colômbia. Centro-esquerda no Japão, Estados Unidos e Inglaterra, talvez. E no Brasil. Tudo isso pra dizer que não concordo que a concepção de esqueda-centro-direita tenha se tornado arcaica para entender e analisar o mundo da política. Ainda não me convenceram de outra ótica possível. Logo, é aplicável ao nosso processo eleitoral, que cada vez mais se apresenta com a polarização entre uma candidata mais à esquerda e um candidato da direita. Tal situação pode ficar mais clara na comparação entre os discursos proferidos por Dilma e Serra, no mesmo dia, em locais diferentes, no sábado 10 de abril.
Durante a convenção da oposição (PSDB-DEM-PPS), no Distrito Federal, Serra apresentou o discurso: respeito às leis, patriotismo, apelo unificador e desenvolvimento econômico foram os eixos. “O governo deve servir ao povo, não a partidos e a corporações que não representam o interesse público. Um governo deve sempre procurar unir a nação. De mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de pobres contra ricos, ou de ricos contra pobres”. A palavra “partido” aparece com conotação pejorativa e sempre em referencia ao partido do outro lado. Sequer menciona o seu, nem positivamente. Parece não valorizar as instituições partidárias, como se fora algo danoso à democracia, ou ainda, como se quisesse dissociar sua imagem à do PSDB. Além dos partidos, não faz referência aos movimentos sociais ou quaisquer outras organizações coletivas. Enxerga a política como atuação do indivíduo. O social não aparece. O lema “O Brasil pode mais”, cópia tucana do lema de Obama, pode virar uma armadilha. Listam uma série de falhas e apontando que podem fazer mais. “Nós sabemos como fazer isso acontecer”. Nós quem? O PSDB? E por que não fizeram? A comparação é inescapável.
Já Dilma falou aos “companheiros e companheiras do ABC”. Em vez de um discurso propositivo, optou primeiramente por falar do que não fará de jeito nenhum. “Eu não fujo quando a situação fica difícil. Eu não tenho medo da luta.” Palavras fortes, que de imediato foram distorcidas. Até o senso comum reconhece que nenhum militante ou simpatizante de esquerda ousaria atacar àqueles que, como Serra, tiveram que se exilar durante a ditadura. No entanto, o mínimo que a candidata pode fazer é enaltecer sua luta passada, ao superar situações, no mínimo, dramáticas, enquanto esteve presa por mais de dois anos pelos militares. Afirma lutar por princípios, por um país “desenvolvido com oportunidades para todos, com renda e mobilidade social, soberano e democrático”. Avisa que suas críticas serão “duras, mas serão políticas e civilizadas”, e emenda: “Eu não entrego o meu país. Tenham certeza de que nunca, jamais me verão tomando decisões ou assumindo posições que signifiquem a entrega das riquezas nacionais a quem quer que seja” – clara alusão ao processo de privatizações da era tucana. Discurso combativo, duro inclusive para os padrões normais daqueles que buscam agradar a todos.
Enfim, a guerra ideológica está colocada. Serra lembra Cuba, quase como o fantasma soviético de outros tempos. Aponta para a necessidade de preservação das conquistas democráticas, como se estivessem em xeque, mais um tradicional expediente conservador. Dilma fala de “respeito aos movimentos sociais”. Além de enaltecer o regime representativo, o voto, lembra que “democracia é também conquista de direitos e oportunidades. É participação, é distribuição de renda, é divisão de poder”, ressaltando a dimensão social da democracia. Serra fala na “ajuda de Deus e com a força do povo brasileiro”. Dilma inverte, “com a força do povo e a graça de Deus”. Taí. Direita e esquerda. O eleitor escolhe.
* Tiago Pereira, Mairiporã-SP. Blog: tiagopereira.wordpress.com.
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