PICICA: "O sujeito é produzido como um resto, ao
lado das máquinas desejantes, ou que ele próprio se confunde com essa
terceira máquina produtora e com a reconciliação residual que ela opera:
síntese conjuntiva de consumo, sob a forma maravilhosa de um ‘Então era
isso!'” – D&G, Anti-Édipo, p. 32"
Esquizoanálise – Síntese Conjuntiva
O sujeito é produzido como um resto, ao lado das máquinas desejantes, ou que ele próprio se confunde com essa terceira máquina produtora e com a reconciliação residual que ela opera: síntese conjuntiva de consumo, sob a forma maravilhosa de um ‘Então era isso!'” – D&G, Anti-Édipo, p. 32
A última das sínteses da esquizoanálise é
a conjuntiva. O inconsciente arrota esta síntese como resultado das
conexões e disjunções. Ela é o resíduo do aquecimento, do barulho, do
óleo que vaza. A síntese conjuntiva é o sujeito como peça adjacente à
máquina, é o resto, o efeito. É aqui, e apenas aqui onde algo da ordem
do sujeito se deixa assinalar.
Contemplemos então o nascimento da
subjetividade. O Eureka das máquinas desejantes: “Então sou eu!”,
“Então… era isso!”, o eu sinto, a experiência direta das máquinas
conectando, cortando e registrando. O Eu é um sintoma, um coágulo, uma
redundância. O vapor que escapa da máquina, a harmonia de engrenagens
rodando, a luz da fornalha. Um campo intensivo que age como ponto de
chegada e novo campo de partida: é efeito das sínteses e causa de novas
conexões.
Nunca falamos de falta, há sempre um
excesso, uma abertura, um rodar rápido, esquentar muito, furar, torcer,
comprimir, esticar. “Então era isso?”, consumo de estados subjetivos, o
excesso é movimento que impede o sujeito de coincidir consigo mesmo. A
subjetividade é o conjunto de sínteses operadas no inconsciente. O
resíduo da máquina é o estado intensivo que se apodera de nós, que é
imediatamente consumido, reciclado, digerido e reabsorvido.
O próprio sujeito não está no centro, ocupado pela máquina, mas na borda, sem identidade fixa, sempre descentrado, concluído dos estados pelos quais passa” – D&G, Anti-Édipo, p. 35
A síntese conjuntiva é a abertura
intensiva que as máquinas operam: assimilação do não-experimentado. Seu
uso imanente é um movimento nômade, um mergulho em zonas intensivas que
não são suas, experimentações abertas para a pura diferença. Daí a
surpresa, “então é isso!”. O uso imanente da síntese conjuntiva é o
estado intensivo residual da abertura para a multiplicidade. Devires,
encontros! Não é imitar o outro, é deixar-se afetar, efetuar encontros,
encontrar-se com o mundo, o universo. O devir-mulher do homem não é
imitar a mulher, o devir criança e o devir animal não é comportar-se
como uma criança ou fingir ser um cachorro. “Isso sou eu, sou eu…” grita o esquizofrênico em devir, “…e aquilo também sou eu!“.
Esta síntese é a principal operação do
capitalismo. O socius civilizado funciona axiomatizando os códigos que
se desprendem da síntese conjuntiva. Há um fechamento, uma formatação
das subjetividades no capitalismo. A escravidão não é apenas material,
mas também subjetiva. Todos os códigos remetem ao corpo do capital (aqui
estamos próximos de Marx). Este uso ilegítimo implica na produção de
representações, ou codificações, que reprimem a atividade plurívoca e
nômade das máquinas desejantes. Os devires são capturados, tornam-se
cativos, passa-se a desejar sua própria repressão.
O uso ilegítimo das sínteses conjuntivas é
repressão dos devires. Um rosto cristaliza-se, ocorre a formação de uma
identidade dura que não se articula nem se abre. “Então era isso” se
transforma em um buraco negro onde todos os devires são interpretados a
partir de uma subjetividade fechada. “O chefe é meu pai”, “minha
namorada é minha mãe”. Eu, eu, eu, eu…. egocentrismo mesquinho. Ao invés
de experimentar o que não se é, o uso transcendente experimenta apenas o
que é. Colmata tudo com lembranças burguesas, familiares. “O consumo de intensidades puras é estranho às figuras familiares”
(D&G, Anti-Édipo, p. 35). Nada de diferença, tudo é colonizado e
codificado para ser melhor entendido e dominado. Medo de se perder, medo
do diferente, medo do encontro. Fora da casinha não há nada, e se há,
são monstros perigosos! Fechem as janelas, tranque a porta e joguem a
chave fora!
O uso nomádico e plurívoco das sínteses conjuntivas opõe-se ao uso segregativo e bi-unívoco” – D&G, Anti-Édipo, p. 144
A esquizoanálise busca quebrar com as
sínteses conjuntivas biunívocas. O chefe não é o pai, a presidente não é
a mãe. Desta forma toda diferença é comprimida em suas possibilidades. A
síntese conjuntiva precisa retomar a sua capacidade de experimentar o
que não é seu! O sujeito se identifica com os nomes da história, não com
os pais. Apenas desta forma tudo cresce, se amplia. Não devemos
domesticar o sensível ao representá-lo, mas entender que o sujeito é uma
produção universal que o ultrapassa.
É somente abrindo as sínteses conjuntivas
para a orquestra de vozes que podemos ouvir as múltiplas possibilidades
do mundo. “Ah, então era isso!”, diz o esquizofrênico andando pelo
campo, entrando em devires. “Ah, então esta flor sou eu!”, diz ele a
cada encontro. O nômade roda pelo mundo em intensidades, mesmo que não
saia de casa, a diferença brota nele. O sedentário segregador nunca sai
de casa, mesmo que esteja viajando pelo mundo, para ele, a diferença
está do lado de fora.
O sujeito consome os estados pelos quais passa, e nasce destes estados, sempre concluído destes estados como uma parte feita de partes, cada uma das quais ocupa, por um momento, o corpo sem órgãos” – D&G, Anti-Édipo, p. 60
> Este texto faz parte da série: Inconsciente Maquínico <
Fonte: Razão Inadequada
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