PICICA: "É possível defender a ideia de comunismo depois da queda do Muro de
Berlim, da União Soviética e de diversos regimes do socialismo real?
Depois do fim de diversos partidos comunistas? A resposta de Alain
Badiou é desconcertante: sim, é possível e necessário. Sua heresia
intelectual em tempos de hegemonia do chamado “capitalismo democrático”
desperta, no mínimo, curiosidade."
Comunismo ou a ressurreição de Lázaro
Depois da queda do Muro de Berlim em novembro de 1989 (e lá se vão 26 anos!) e da ex-União Soviética (URSS), fracassou em diversos outros países aliados a experiência conhecida como “socialismo real”, tentativa de criar uma transição para o comunismo. Depois disso, a palavra comunismo ficou associada a ideias negativas: assassinatos, totalitarismo, improdutividade econômica, estagnação, autoritarismo, censura, partido único etc. Diversos partidos ao redor do mundo abandonaram a palavra “comunista” em suas siglas. Aqui no Brasil, o lendário “Partidão”, o PCB, se transformou em “Partido Popular Socialista-PPS”, sem martelo e foice. Um pequeno e valente grupo ainda mantém a sigla PCB (Partido Comunista Brasileiro), mas sem grande influência social.
A hegemonia do novo liberalismo e a liquidação do Estado de bem-estar social trouxeram tempos difíceis para as classes trabalhadoras e para quem ainda acredita que o comunismo permanece como horizonte utópico e motivador para diversos movimentos de ruptura com a ordem do capital e sua cultura egocêntrica, fragmentária e consumista.
Dizer-se “comunista”, depois da queda do muro, era assumir algo tido por muitos como “maligno”. A campanha ideológica de difamação e desconstrução da Ideia de comunismo quase liquidou com todos os atores coletivos que reivindicam a possibilidade de outro mundo que não seja capitalista.
Em 2009, 20 anos depois da queda, Alain Badiou, filósofo francês de origem marroquina, reuniu algumas conferências e encontros para lançar um livro que marcaria uma nova geração que se via órfã de uma literatura assumidamente comunista depois do refluxo e do fracasso pós-1917 (Revolução Russa).
O livro L´hypothèse communiste foi traduzido para o português por Mariana Echalar e lançado em 2012 pela paulista Boitempo Editorial.
No prefácio, Badiou nos convida a refletirmos com honestidade sobre o refluxo do comunismo que se traduziu, entre outras coisas, por uma “negação resignada” onde os velhos revolucionários retomaram os costumes eleitorais, acomodando-se aos cargos e pequenos poderes dentro do sistema. Novamente, a esquerda abraçou um respeito sacrossanto pela ordem do capital (e sua “democracia parlamentar”) que nem mesmo os mais liberais mantêm.
A mediocridade tomou conta da outrora esquerda anticapitalista através da ideia de que “querer mais é querer pior”. Acomodar-se e conquistar migalhas, esta era a nova "utopia". Surgia aí, depois da rendição reformista da socialdemocracia no interior da ordem do capital, uma esquerda que se transformaria em braço do Estado oligárquico-burguês para “conter” processos radicais de ruptura e emancipação do povo. Quando a sociedade estava “quente”, bastava chamar os “comunistas” e seus sindicatos para “darem um jeito” nos rebelados.
Resignados diante do triunfo do mercado, os antigos revolucionários passaram a novo lema: Aceitemos, pois, tudo tal como é. Se possível, melhoremos aqui e ali, mas sem “totalitarismos” que possam macular o nosso “mundo livre” onde prevalece o respeito aos “direitos humanos”. As oligarquias da ordem do capital agradeceram e retribuíram com muitos cargos e posições de status a esta nova vassalagem.
Eis o fracasso dos comunistas. Fracasso que, para Badiou, é de uma imensa riqueza para rearticulação histórica da Ideia. Fracasso que o levará a escrever sobre “o significado positivo das derrotas” e das desilusões, tanto as de direita (eleitoralismo resignado) como as de esquerda (terrorismo e massacres).
Em Londres, no mês de março de 2009, Badiou e S. Zizek reuniram um grupo de intelectuais dispostos a recuperar o valor positivo da palavra comunismo, destroçado pelos aparelhos ideológicos da burguesia triunfante. Judith Balso, Terry Eagleton, Michael Hardt, Toni Negri, Jacques Rancière, Gianni Vattimo e outros mostraram que a Ideia de comunismo floresce, aqui e acolá, não necessariamente usando este nome, nem ligada a um partido com o nome “comunista”.
As experiências societárias resgatadas pelo livro – o maio de 1968, a revolução cultural de Mao e a Comuna de Paris – são capítulos de uma história inacabada. O capitalismo, para Alain Badiou e seus companheiros de reflexão, não é o fim da história. Há outro futuro possível. A hipótese comunista está de pé.
Marcio Sales Saraiva
... e começou a buscar sentido numa sociedade que perde seus velhos laços sociais para viver o espetáculo do consumo e da neurose narcisista. Sou apenas uma narrativa anticapitalista no caos, um recorte ou uma janela. Se for prazeroso para você, fique aqui e tome um café comigo..Fonte: OBVIOUS
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