PICICA: "Os abusos de poder policial existem seja no Brasil, no resto da América Latina ou na desenvolvida Europa. Como se pode ver abaixo e nesta reportagem sobre os casos do Chile e da Argentina, nem sempre as autoridades seguem manuais de conduta que recomendam o uso mínimo da força, como este das Nações Unidas."
A volta ao mundo dos abusos policiais contra as manifestações
Em meio a discussão sobre violência da PM, entenda como outros países enfrentam o mesmo problema.
A reportagem é de Felipe Betim e Marina Rossi, publicada por El País, 14-01-2015.
O Movimento Passe Livre (MPL)
convocou um novo ato em São Paulo nesta quinta-feira, para às 17h, para
protestar contra o aumento da tarifa do transporte público da cidade de
3,50 reais para 3,80. O clima é tenso antes mesmo da manifestação
começar. Na última terça, a marcha nem chegou a sair quando a polícia
iniciou o arremesso de bombas de gás lacrimogêneo na avenida Paulista em direção aos manifestantes. O argumento para a repressão policial foi o de que MPL
não havia informado previamente o itinerário a seguir, algo que o grupo
fez esta tarde — a polícia diz não ter recebido oficialmente.
Os abusos de poder policial existem seja no Brasil, no resto da América Latina ou na desenvolvida Europa. Como se pode ver abaixo e nesta reportagem sobre os casos do Chile e da Argentina, nem sempre as autoridades seguem manuais de conduta que recomendam o uso mínimo da força, como este das Nações Unidas.
Brasil, uma polícia herdada da ditadura
A reação dos agentes da Polícia Militar, as regras estabelecidas e as estratégias adotadas dependem, no Brasil, dos objetivos políticos dos Governos dos Estados. "A PM leva a culpa pela truculência, mas existe uma cadeia de comando. E o governador é o comandante-chefe", diz Martim Sampaio, coordenador de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Assim, há dois tipos de reações da PM,
corpo militarizado já criticado por ter herdado práticas consideradas
abusivas da ditadura, nos últimos tempos. Em atos dos garis no Rio de Janeiro, de cidadãos pró ou anti-impeachment em São Paulo, ou até de pequenos grupos que pedem a volta da ditadura militar, a PM
foi flexível em suas exigências e apenas acompanhou os protestos,
cercou as ruas para diminuir os transtornos no trânsito e garantiu a
liberdade de manifestação. Já outros atos, como o dos professores no Paraná, dos estudantes secundaristas em São Paulo ou contra o aumento do preço das passagens de ônibus
(nenhuma delas avisadas previamente às autoridades), se chocaram
diretamente contra interesses políticos. Nessas ocasiões, a resposta da PM veio através de uma chuva de bombas de gás e balas de borracha, agressões com cassetetes e uma série de detenções.
E pouco importa se o manifestante faz parte do pequeno grupo que de fato busca o confronto com os policiais, como os black blocs,
adeptos da violência e da destruição de patrimônio, ou se faz parte da
grande massa pacífica. Todos são afetados pela violência policial. "A
prioridade deve ser garantir o direito ao protesto pacífico. Não devemos
abrir mão do direito à manifestação e do valor da não-violência",
explica Atila Roque, diretor da ONG Anistia Internacional no Brasil.
"Mas ao invés de usar força gradativa, proporcional e inteligente
[contra grupos minoritários que buscam o confronto], o Estado acaba ele
próprio estimulando a violência. É como jogar álcool no fogo".
Nos últimos dias, com os atos organizados pelo Movimento Passe Livre, a Secretaria de Segurança Pública vem se baseando na Constituição Federal
para justificar a crescente repressão, evocando o artigo que fala sobre
a necessidade de avisar previamente sobre o protesto e exigindo que o
itinerário seja apresentando previamente. Esta interpretação da Carta
vem gerando divergência entre vários especialistas. "Isso pode estar na
mesa de negociação, mas não pode ser uma exigência. O principio
fundamental é o direito a livre manifestação", opina Roque, da Anistia. Já o jurista Ives Gandra Martins tem uma opinião distinta: "Em países como Inglaterra e Estados Unidos,
os manifestantes dizem onde vai ser, a polícia dá garantias para o ato,
e os cidadãos que têm que ir para sua casa não são prejudicados",
afirmou a Folha de S. Paulo.
Alemanha, o berço dos black blocs
A habitualmente pacata cidade de Frankfurt revelou em março do ano passado a virulência com que manifestantes e policiais podem se enfrentar na Alemanha. A inauguração da nova sede do Banco Central Europeu
na capital financeira do país terminou com mais de 350 detidos e 35
feridos (14 policiais e 21 ativistas). O protesto que reuniu milhares de
ativistas do movimento Blockocupy
acabou em violência por parte de uma minoria que atirou pedras,
instalou barricadas e bloqueou ruas com caçambas de lixo e carros em
chamas. Entre os violentos havia encapuzados do grupo black blocs, um movimento que nasceu na Alemanha no final dos anos setenta, em meio às manifestações de ecologistas e pacifistas.
Os incidentes de Frankfurt
são a amostra mais recente das tensões que às vezes surgem entre o
direito de manifestação, protegido pela Constituição alemã, e a atuação
policial. Naquela ocasião, alguns ativistas recriminaram os agentes por
terem recebido manifestantes pacíficos com bombas de gás lacrimogêneo.
Mas as forças de segurança também recebem às vezes a acusação de ser
omissa. É o que ocorreu no último Réveillon em Colônia, quando cerca de 1.000 homens, a maioria de aparência árabe e norte-africana, agrediu ou roubou centenas de mulheres.
Protesto pacífico e liberdade de expressão, mantras nos EUA
O direito ao protesto pacífico e à liberdade de expressão são um mantra nos Estado Unidos e estão garantidos pela Constituição. Aqui, não é ilegal — e isso ocorre — que grupos neonazistas se manifestem em frente ao Capitólio em Washington.
Ao mesmo tempo, há universidades que limitam todo ativismo a uma zona
específica do campus. As manifestações em massa não são habituais, mas
ocorrem diversos pequenos protestos: por exemplo, a cada dia há algum
ativista em frente à Casa Branca.
Assim como as manifestações em massa não são habituais nos EUA
nos dias de hoje, também não é usual que essas sejam repelidas com
brutalidade pela polícia. Quando isso ocorre é insólito, e propícia
debates no país todo. O exemplo mais recente de repressão policial a
manifestações são os protestos de agosto de 2014 em Ferguson, St. Louis, pela morte de um jovem negro
desarmado por disparos da polícia. Os agentes locais utilizaram bombas
de gás lacrimogêneo e equipamento militar para controlar os
manifestantes, em uma exibição que recebeu duras críticas, forçando o
Governo de Barack Obama a limitar a entrega de material militar à polícia local.
México: a sombra da repressão ao movimento estudantil de 1968
As manifestações no México ocorrem ainda hoje à sombra da brutal repressão ao protesto estudantil de 1968 no bairro de Tlatelolco, na zona norte da Cidade do México. Naquela ocasião, o Governo mobilizou um batalhão militar à paisana para se infiltrar em uma manifestação pacífica do Conselho Geral de Greve.
A polícia e o Exército entenderam que os estudantes eram os agressores e
começaram a disparar, deixando dezenas de mortos e mais de 1.000
detidos. Não foi a última repressão violenta por parte do Estado
mexicano, mas o fantasma de Tlatelolco marca desde então os movimentos civis que saem à rua para protestar.
O medo de que uma matança se repita tornou as autoridades mais tolerantes. O Exército
já não sai mais às ruas para vigiar manifestações. A polícia reage
quando os manifestantes buscam confronto, algo cada vez mais frequente.
Os piores casos se deram no interior do país, onde os governadores
locais costumam ter menos contrapesos e exercem seu poder com mais
violência. Assim ocorreu em 2006 em manifestações em Oaxaca (oeste) e Estado do México (centro). O então governador do Estado do México, Enrique Peña Nieto,
hoje presidente do país, mobilizou a polícia para reprimir um grupo de
manifestantes que se opunha à construção de um aeroporto. Houve mais de
200 detidos. A Comissão Nacional de Direitos Humanos apontou graves violações de direitos humanos nessa operação.
ESMAD, o terror dos protestos na Colômbia
Em 22 de setembro de 2005, Johnny Silva Aranguren, um estudante de Química de 21 anos, morreu com um tiro no meio de manifestações na Universidade del Valle, na região oeste da Colômbia. Três anos depois, a Promotoria apontou o Esquadrão Móvel Anti-distúrbios (ESMAD)
como responsável pela sua morte. Embora as investigações ainda estejam
em curso e não haja nenhum detido, o caso trouxe à tona a maneira como
essa unidade da Polícia Nacional pode cometer excessos.
Essa não foi a primeira nem a última vez que se registraram queixas contra o uso abusivo da força pelo ESMAD.
Já houve forte questionamento quanto ao excesso de poder que lhe é
conferido pelo Código da Polícia, que prevê uma escala gradual para o
uso da força, permite o uso das bombas de fumaça, gás de pimenta,
mangueiras d’água e armas não letais. Além disso, tem a prerrogativa de
usar dispositivos elétricos (Taser), que paralisam a pessoa por meio de
um bloqueio no sistema nervoso a partir de descargas elétricas de até
400 volts. Ainda que a finalidade seja a segurança da população, em
algumas ocasiões foi-se além dela.
Protestos na Grécia: força policial contra vândalos urbanos
Durante mais de cinco anos, desde a
adoção das primeiras medidas em 2010, os gregos saíram seguidamente às
ruas em protestos contra os cortes do Governo. Essas manifestações não
foram isentas de enfrentamentos e episódios violentos, de tal maneira
que a presença das forças anti-distúrbios chegou a fazer parte da
paisagem urbana no dia a dia. À medida que os ajustes econômicos se
multiplicavam, proliferaram as manifestações
e também as críticas às forças de segurança por causa de atuações
arbitrárias, abuso de autoridade e, em alguns casos, maus tratos a
presos, que chegaram a ser centenas por semana. Para complicar a
situação, a atuação de grupos de mascarados, com métodos de guerrilha
urbana, alimentou enormemente a intensidade da reação da polícia. No
primeiro semestre de 2010, o ataque de alguns mascarados a uma agência
bancária durante um dia de greve geral provocou a morte de três pessoas,
sendo uma delas uma mulher grávida.
Todo esse panorama se alterou radicalmente em janeiro de 2015 com a chegada ao poder do partido de esquerda Syriza.
Como primeira medida, foram retirados os tapumes que protegiam o
edifício do Parlamento. Durante quase oito meses (até a assinatura do
terceiro resgate financeiro), a presença policial praticamente
desapareceu das concentrações; hoje em dia, pode-se notá-la, mas de
forma bem menos intensa do que antes.
Indignação nos protestos da Espanha
Os protestos do Movimento 15M (Indignados) na Espanha
começaram em maio de 2011 sem líderes, sem estrutura e com uma ampla
gama de reivindicações: renovação política, luta contra a precariedade
no trabalho e suspensão dos despejos provocados pelo fim da bolha
imobiliária.
As mobilizações foram majoritariamente
pacíficas, mas a ação da polícia foi muitas vezes dura e
desproporcionada, especialmente para destruir os acampamentos que
ocuparam praças durante semanas em Madri e Barcelona. Muitas vezes as marchas terminavam com dezenas de feridos, e a Anistia Internacional denunciou o “uso excessivo da força” por parte da polícia. Em Barcelona
houve muita repercussão a brutal destruição do acampamento de
manifestantes da Praça da Catalunha em 2011, que terminou com 121
feridos (37 deles policiais). O vídeo reacendeu os protestos no resto da
Espanha e a cúpula da polícia teve de responder
perante a justiça. Finalmente, apenas um subinspetor foi condenado a
pagar 210 euros (cerca de 910 reais) por bater num manifestante.
A violência policial na Espanha
voltou a causar escândalo em 2012 durante uma greve geral, em que uma
mulher perdeu um olho ao ser atingida por uma bala de borracha disparada
pela tropa de choque. Foi o décimo incidente desse tipo em cinco anos
na Catalunha e a comunidade autônoma acabou proibindo esse tipo de munição.
A Lei de Segurança Pública
entrou em vigor na Espanha em julho de 2015 com a intenção de “proteger
as manifestações das pessoas violentas”, segundo o conservador Partido Popular, no Governo. A oposição e os movimentos sociais a chamam de “lei da mordaça”
e advertem que cria um “estado policial”. A norma pune, entre outras
coisas, os protestos pacíficos e os sit- ins, a suspensão dos despejos,
os protestos diante da Câmara e do Senado e as fotografias ou gravações
de policiais com multas de 100 a 600.000 euros. A lei dá mais
instrumentos às forças de segurança para revistas e impor multas sem
prévia intervenção judicial.
Fonte: IHU
Nenhum comentário:
Postar um comentário