PICICA: "A relação entre a obra e o seu
condicionamento social talvez só agora comece a ser proposta nos devidos
termos. Antes procurava-se mostrar que o valor e o significado de uma
obra dependiam de ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que
este aspecto constituía o que ela tinha de essencial. Depois,
chegou-se à posição oposta, procurando-se mostrar que a importância de
uma obra deriva das operações formais postas em jogo, conferindo-lhe uma
peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer
condicionamentos, sobretudo social, considerado inoperante como elemento
de compreensão.
Hoje
sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas
visões dissociadas; e que tanto o velho ponto de vista que explicava
pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a
estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos
necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo
(no caso, o social) importa como elemento que desempenha um certo papel
na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno.
O tratamento externo dos fatores
externos pode ser legítimo quando se trata de sociologia da literatura,
pois esta não propõe a questão do valor da obra, e pode interessar-se,
justamente, por tudo que é condicionamento.
Mas quando estamos no terreno da crítica
literária, o que interessa é averiguar que fatores atuam na organização
interna, de maneira a constituir uma estrutura peculiar. Tomando o
fator social, procuraríamos determinar se ele fornece apenas matéria
(ambiente, costumes, traços grupais, ideias), que serve de veículo para
conduzir a corrente criadora; ou se, além disso, é elemento que atua na
constituição do que há de essencial na obra enquanto obra de arte.
Uma crítica que se queira integral
deixará de ser unilateralmente sociológica, psicológica ou linguística,
para utilizar livremente os elementos capazes de conduzir a uma
interpretação coerente. Mas nada impede que cada crítico ressalte o
elemento da sua preferência, desde que o utilize como componente da
estruturação da obra.
A crítica atual, por mais interessada
que esteja nos aspectos formais, não pode dispensar nem menosprezar
disciplinas independentes como a sociologia da literatura e a história
literária sociologicamente orientada, bem como toda a gama de estudos
aplicados à investigação de aspectos sociais das obras, — frequentemente
com finalidade não literária."
Literatura e Sociedade – Crítica e Sociologia
1
A relação entre a obra e o seu
condicionamento social talvez só agora comece a ser proposta nos devidos
termos. Antes procurava-se mostrar que o valor e o significado de uma
obra dependiam de ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que
este aspecto constituía o que ela tinha de essencial. Depois,
chegou-se à posição oposta, procurando-se mostrar que a importância de
uma obra deriva das operações formais postas em jogo, conferindo-lhe uma
peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer
condicionamentos, sobretudo social, considerado inoperante como elemento
de compreensão.
Hoje
sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas
visões dissociadas; e que tanto o velho ponto de vista que explicava
pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a
estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos
necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo
(no caso, o social) importa como elemento que desempenha um certo papel
na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno.
O tratamento externo dos fatores
externos pode ser legítimo quando se trata de sociologia da literatura,
pois esta não propõe a questão do valor da obra, e pode interessar-se,
justamente, por tudo que é condicionamento.
Mas quando estamos no terreno da crítica
literária, o que interessa é averiguar que fatores atuam na organização
interna, de maneira a constituir uma estrutura peculiar. Tomando o
fator social, procuraríamos determinar se ele fornece apenas matéria
(ambiente, costumes, traços grupais, ideias), que serve de veículo para
conduzir a corrente criadora; ou se, além disso, é elemento que atua na
constituição do que há de essencial na obra enquanto obra de arte.
Uma crítica que se queira integral
deixará de ser unilateralmente sociológica, psicológica ou linguística,
para utilizar livremente os elementos capazes de conduzir a uma
interpretação coerente. Mas nada impede que cada crítico ressalte o
elemento da sua preferência, desde que o utilize como componente da
estruturação da obra.
A crítica atual, por mais interessada
que esteja nos aspectos formais, não pode dispensar nem menosprezar
disciplinas independentes como a sociologia da literatura e a história
literária sociologicamente orientada, bem como toda a gama de estudos
aplicados à investigação de aspectos sociais das obras, — frequentemente
com finalidade não literária.
2
Para fixar ideias e delimitar terrenos,
pode-se tentar uma enumeração das modalidades mais comuns de estudos de
tipo sociológico em literatura.
Um primeiro tipo seria formado por
trabalhos que procuram relacionar o conjunto de uma literatura, um
período, um gênero, com as condições sociais. A sua maior virtude
consiste no esforço de discernir uma ordem geral, um arranjo, que
facilita o entendimento das sequências históricas e traça o panorama das
épocas. O seu defeito está na dificuldade de mostrar efetivamente a
ligação entre as condições sociais e as obras.
Um segundo tipo poderia ser formado
pelos estudos que procuram verificar a medida em que as obras espelham
ou representam a sociedade. Quando se fala em crítica sociológica, ou em
sociologia da literatura, pensa-se geralmente nessa modalidade. O
terceiro tipo consiste no estudo da relação entre a obra e o público, —
isto é, o seu destino, a sua aceitação, a ação recíproca de ambos. O
quarto tipo procura relacionar a posição do escritor com a natureza da
sua produção e ambas com a organização da sociedade. Desdobramento do
anterior é o quinto tipo, que investiga a função política das obras e
dos autores, em geral com intuito ideológico marcado. Lembremos,
finalmente, um sexto tipo, voltado para a investigação hipotética das
origens, seja da literatura em geral, seja de determinados gêneros. Está
nesta chave a obra de Gunmere sobre as raízes da poesia.
Em todas estas modalidades nota-se o
deslocamento de interesse da obra para os elementos sociais que formam a
sua matéria. Ora, tais aspectos são capitais para o historiador e o
sociólogo, mas podem ser secundários e mesmo inúteis para o crítico. A
literatura, como fenômeno de civilização, depende do entrelaçamento de
vários fatores sociais. Mas, daí a determinar se eles interferem
diretamente nas características essenciais de determinada obra, vai um
abismo.
É preciso ter consciência da relação
arbitrária e deformante que o trabalho artístico estabelece com a
realidade. Esta liberdade, mesmo dentro da orientação documentária, é o
quinhão da fantasia, que às vezes precisa modificar a ordem do mundo
justamente para torná-la mais expressiva; de tal maneira que o
sentimento da verdade se constitui no leitor graças a esta traição
metódica. Tal paradoxo está no cerne do trabalho literário e garante a
sua eficácia como representação do mundo. Achar, pois, que basta aferir a
obra com a realidade exterior para entendê-la é correr o risco de uma
perigosa simplificação causal.
Mas se tomarmos o cuidado de considerar
os fatores sociais no seu papel de formadores da estrutura, veremos que
tanto eles quanto os psíquicos são decisivos para a análise literária, e
que pretender definir sem uns e outros a integridade estética da obra é
querer, como só o barão de Münchhausen conseguiu, arrancar-se de um
atoleiro puxando para cima os próprios cabelos.
3
Em muitos críticos de orientação
sociológica já se nota o esforço de mostrar essa interiorização dos
dados de natureza social, tornados núcleos de elaboração estética.
Foi a propósito de tentativas
semelhantes que Otto Maria Carpeaux aludiu a um método sintético, a que
chamou “estilístico-sociológico”, na introdução da sua magnífica
História da Literatura Ocidental. Tal método, cujo aperfeiçoamento será
decerto uma das tarefas desta segunda metade do século, permitirá
desfazer a dicotomia tradicional entre fatores externos e internos, que
ainda serve atualmente para suprir a carência de critérios adequados.
Veremos então, provavelmente, que os elementos de ordem social serão
filtrados através de uma concepção estética e trazidos ao nível da
fatura, para entender a singularidade e a autonomia da obra. E isto será
o avesso do que se observava na crítica determinista, contra a qual se
rebelaram justamente muitos críticos deste século, pois ela anulava a
individualidade da obra, integrando-a numa visão demasiado ampla e
genérica dos elementos sociais.
No estágio ainda insatisfatório em que
nos achamos, a situação é de caráter polêmico, dada a insegurança dos
pontos de vista. São por isso compreensíveis certos exageros
compensatórios, que vão ao extremo oposto e afirmam que a obra é um todo
que se explica a si mesmo, como um universo fechado. Este
estruturalismo radical é inviável no trabalho prático de interpretar,
porque despreza, entre outras coisas, a dimensão histórica, sem a qual o
pensamento contemporâneo não enfrenta de maneira adequada os problemas
que o preocupam. Mas às suas diversas modalidades devemos resultados
fecundos, como o referido conceito de organicidade da obra, que recebeu
das correntes modernas o que lhe faltava: instrumentos de investigação,
inclusive terminologia adequada.
Hoje sentimos que é justamente esta
concepção da obra como organismo que permite, no seu estudo, levar em
conta e variar o jogo dos fatores que a condicionam e motivam; pois
quando é interpretado como elemento de estrutura, cada fator se torna
componente essencial do caso em foco, não podendo a sua legitimidade ser
contestada nem glorificada a priori.
Bibliografia:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
Fonte: RESUMO DA OBRA
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