PICICA: "Elipse é um recurso de linguagem
cuja função no enunciado é suprimir elementos que podem ser
subentendidos, seja pelo contexto, seja pelas circunstâncias descritas
pelo texto. É em torno de elipses e de mortes que o jornalista Arthur
Dapieve escreve os cinco contos de Maracanazo, em textos que
vão do grotesco ao sofisticado numa velocidade que, à primeira lida,
pode espantar. Mas não é nem espantoso nem surpreendente que o estilo de
escrita de Dapieve seja cortante. Sua forma narrativa parece fazer
questão de romper com qualquer pretensão de completude, apontando para o
elemento que falta. As formas elípticas funcionam, assim, como a
ausência que faz a falta presente, ou como a morte que faz a vida
existir."
Maracanazo, as elipses e a morte
POR Carla Rodrigues Carla Rodrigues | 13.01.2016
Elipse é um recurso de linguagem
cuja função no enunciado é suprimir elementos que podem ser
subentendidos, seja pelo contexto, seja pelas circunstâncias descritas
pelo texto. É em torno de elipses e de mortes que o jornalista Arthur
Dapieve escreve os cinco contos de Maracanazo, em textos que
vão do grotesco ao sofisticado numa velocidade que, à primeira lida,
pode espantar. Mas não é nem espantoso nem surpreendente que o estilo de
escrita de Dapieve seja cortante. Sua forma narrativa parece fazer
questão de romper com qualquer pretensão de completude, apontando para o
elemento que falta. As formas elípticas funcionam, assim, como a
ausência que faz a falta presente, ou como a morte que faz a vida
existir.
O formato curto dos contos – embora, a rigor, “Maracanazo”, que dá título ao livro, possa ser considerado uma novela, publicada e premiada na França – oferece ao leitor formas narrativas que seus romances anteriores já esboçavam, mas que amadurecem quando o autor exercita o corte que parece brotar de inspiração da psicanálise lacaniana. Quando a narrativa começa a correr o risco de virar puro gozo narcísico, sua interrupção mantém a força do não dito, da qual se vale o bom texto literário.
Os contos levam a experiência de leitura até o limite do insuportável, como no primoroso “Tempo ruim”, abertura do volume. A morte ali está explícita, é contada em toda sua brutalidade, mas também é implícita na pergunta do adolescente: corpo ou tubarão? O leitor pode preferir apostar em tubarão, mas a dúvida sobre o corpo morto o acompanhará até depois do fim da leitura, por que talvez a vida seja só isso mesmo, saber e ao mesmo tempo ignorar que a hipótese da morte um dia se confirmará.
O formato curto dos contos – embora, a rigor, “Maracanazo”, que dá título ao livro, possa ser considerado uma novela, publicada e premiada na França – oferece ao leitor formas narrativas que seus romances anteriores já esboçavam, mas que amadurecem quando o autor exercita o corte que parece brotar de inspiração da psicanálise lacaniana. Quando a narrativa começa a correr o risco de virar puro gozo narcísico, sua interrupção mantém a força do não dito, da qual se vale o bom texto literário.
A partida entre Chile e Espanha em 2014, no Maracanã, tema do conto "Maracanazo"
Inspirado por autores ingleses como Ian McEwan e o nipo-britânico Kazuo Ishiguro, Dapieve faz com as elipses aquilo que fazemos na vida: subentendemos a finitude pelo contexto, suprimindo cotidianamente elementos que poderiam tornar a morte uma evidência explícita. A estreita ligação entre linguagem e morte, tema que desenvolvi em artigo recente, não é uma questão entre outras. É na incompletude da linguagem que nos tornamos seres falantes, mas é também nessa incompletude que constatamos que a experiência da morte é indizível. Primeiro, porque quem morre silencia. Depois, porque quem sobrevive só pode falar sobre aquilo que não sabe, mantendo a morte – como as elipses de Dapieve – como o elemento subentendido de toda narrativa.Os contos levam a experiência de leitura até o limite do insuportável, como no primoroso “Tempo ruim”, abertura do volume. A morte ali está explícita, é contada em toda sua brutalidade, mas também é implícita na pergunta do adolescente: corpo ou tubarão? O leitor pode preferir apostar em tubarão, mas a dúvida sobre o corpo morto o acompanhará até depois do fim da leitura, por que talvez a vida seja só isso mesmo, saber e ao mesmo tempo ignorar que a hipótese da morte um dia se confirmará.
Carla Rodrigues
Carla Rodrigues é professora de Ética do Departamento de Filosofia da UFRJ. Fez especialização, mestrado e doutorado em Filosofia na PUC-Rio e pós-doutorado no IEL/Unicamp. É coordenadora do laboratório de pesquisa Escritas - filosofia, gênero e psicanálise.
Fonte: BLOG DO IMS
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