janeiro 27, 2016

O manifesto do congresso (acadêmico), por CHRISTY WAMPOLE (Revista Serrote)

PICICA: "Ritual obrigatório em universidades de todo o mundo, o congresso naufraga em hábitos pouco questionados e parece servir menos ao debate que aos critérios de produtividade pura e simples das “Administrativersidades”. Em dez regras bem-humoradas, a ensaísta americana propõe um código de conduta que, para ela, pode salvar o estudo das Humanidades."

O manifesto do congresso (acadêmico)
por CHRISTY WAMPOLE

Ritual obrigatório em universidades de todo o mundo, o congresso naufraga em hábitos pouco questionados e parece servir menos ao debate que aos critérios de produtividade pura e simples das “Administrativersidades”. Em dez regras bem-humoradas, a ensaísta americana propõe um código de conduta que, para ela, pode salvar o estudo das Humanidades.



Estamos fartos de congressos acadêmicos.

Somos humanistas que reconhecem pouquíssima humanidade na forma e no conteúdo dos congressos.

Temos ouvido com paciência e educação comunicações lidas linha após linha, em voz monótona, por um orador que não levanta os olhos uma vez sequer. E temos pensado se não seria melhor ler o paper antes, sozinhos, prestando muito mais atenção ao que está sendo dito.

Temos tentado ignorar a falta de uma tese ou mesmo de uma frase interessante ao longo da comunicação de vinte minutos.

Temos assistido, boquiabertos, oradores que tentam espremer em vinte minutos uma conferência que duraria meia hora, lendo rápido demais para serem entendidos.

Temos sido um daqueles dois conferencistas numa mesma mesa de debates.

Temos sofrido em silêncio enquanto alguém ocupa toda a sua fala simplesmente listando os momentos em que determinado tema aparece em um romance.

Nossos rostos têm se contorcido quando colegas se comportam como se tivessem entendido o academiquês de um conferencista.

Temos prestado atenção nos primeiros cinco minutos de uma comunicação, tempo suficiente para pinçar uma palavra em torno da qual construiremos uma pseudopergunta para a sessão de “perguntas da plateia”.

Temos pedido a debatedores que “falem um pouco mais sobre isso”, “desenvolvam aquilo” ou “explicitem isso um pouco mais”.

Temos ouvido nossos colegas fazerem perguntas relacionadas às próprias pesquisas e que só têm relevância para eles mesmos.

Temos mandado ou recebido bilhetes durante uma sessão particularmente penosa dizendo: “Quero morrer”.

Temos criado intimamente uma taxonomia dos vários tipos de conferencistas: o contestador, o animador de auditório, o desenturmado, o cabeção, o citador compulsivo, o conformista, a xerox do orientador, o carinha da filosofia.

Temos enchido nossos caderninhos com rabiscos e respondido a e-mails desimportantes enquanto estamos na plateia de um debate.

Temos roído as unhas contando as cadeiras vazias da sala.

Em congressos nacionais, só temos assistido à nossa própria fala, passando o resto do fim de semana no bar da piscina, onde de certa forma se aprende mais sobre as chamadas liberal arts.

Temos pensado em patentear um bingo para congressos em que os jogadores na plateia recebem cartões quadriculados com várias palavras do vocabulário acadêmico, que devem ser marcadas quando ditas pelos conferencistas – “subsemântico”, “dialético”, “normatividade”, “mitopoético”, adjetivações a partir do nome de filósofos (derridiano, deleuziano) e os “pós-” alguma coisa.
Temos sonhado com o momento em que, como num vaudeville, uma bengala gigante surgirá dos bastidores para arrancar do púlpito o conferencista tedioso.

Temos pensado: “Se é isso que as Humanidades se tornaram, será que deveriam continuar a existir?”

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Congressos acadêmicos são um hábito do passado, acolhido pela Administrativersidade como forma de exibir conhecimento e aumentar a produtividade com a publicação das atas do que é dito ali. Temos sido cúmplices. Até hoje.

Achamos que está na hora de nos perguntarmos: qual o objetivo dos congressos? O que nos levou a organizá-los, ano após ano, sem questionar seus fundamentos? Existe outro modo de reformatar o congresso ou mesmo de acabar com ele, substituindo-o por algo mais satisfatório para todo mundo dos pontos de vista intelectual, profissional e social? Quais nossas reais motivações para organizar um congresso? E para participar de um deles? Para lustrar os currículos? Para conhecer pessoas? Para nos atualizarmos sobre o que está sendo feito em nossa área?

Se, como muitos professores confessam em particular, o congresso é uma forma fácil e conveniente de encontrar todos os amigos ou conhecer novos colegas, não deveríamos substituí-lo por uma reunião menos formal? Algo como um salon philosophique que durasse três dias? Ou grandes grupos de trabalho? Um encontro para paquerar, tipo speed-dating, ou um retiro para montanhistas? Por que um estudante deveria pagar centenas de dólares – frequentemente do próprio bolso – por passagem de avião e hotel para terminar falando diante de três pessoas, duas delas amigos que ficaram sabendo da comunicação na noite anterior, no quarto do hotel? Se alguém acha que os congressos são uma instância legítima, por que todos sempre voltam resmungando, num estado de espírito que vai da decepção ao ódio?

Sabemos que é um assunto delicado. Os congressos parecem necessários, mas seus objetivos não são claros. Têm grande potencial para ajudar a revitalizar as Humanidades, mas ainda não se mostraram à altura desse potencial. Sabemos que não estamos falando por todo mundo. Alguns professores adoram congressos. Adoram o ritual descrito anteriormente. No entanto, percebemos uma impaciência cada vez maior entre muitos deles, que reviram os olhos e suspiram nas conversas pós-congressos. Por isso apresentamos este tema como um tópico de discussão.

Não esperamos que o sistema dos congressos mude de uma hora para outra. Enquanto isso, humildemente submetemos o seguinte contrato, que pode ser distribuído para seus conferencistas antes do próximo encontro. Para ser aceito no congresso, o conferencista teria de ler e assinar um termo em que se compromete com as seguintes regras:

1. Estou ciente de que o paper apresentado deve ter uma função que não pode ser satisfeita por um artigo. Uma vez que o congresso envolve contato direto e em tempo real com outros seres humanos, o orador deve aproveitar esta oportunidade rara e, portanto, preciosa, para interagir efetivamente com outros professores.

2. Não lerei meu paper linha a linha, monocordicamente, sem olhar para o público. Não tenho necessariamente que recorrer a um imperativo de entretenimento – como contar piadas e anedotas ou mostrar slides animados –, mas me empenharei para manter certa compaixão com meu atento público.

3. Estou ciente de que uma lista não é uma conferência. Não farei simplesmente uma lista de ocorrências de um tema em um determinado corpus.

4. Defenderei uma tese e, se não tiver uma, terei pelo menos um motivo para justificar a existência da minha fala.

5. Farei o mínimo de citações literais possível, sem me amparar nelas para ocupar o tempo. Estou ciente de que os membros da plateia tremem diante de grandes blocos de texto no PowerPoint ou no resumo impresso que é distribuído.

6. Na sessão de perguntas, não farei uma pergunta irrelevante apenas para ser visto fazendo uma pergunta. Se minha questão for hiperespecífica e sem sentido para qualquer pessoa além de mim, conversarei depois, pessoalmente, com o conferencista.

7. Não farei uma afirmação com ponto de interrogação no final, para que soe como uma pergunta.

8. Se eu fizer uma pergunta para valer, a) não levarei mais de um minuto para fazê-la e b) farei a pergunta da forma mais educada possível, mesmo se discordar do conferencista.

9. Respeito o tempo dos colegas que vieram me ouvir falar. Farei o máximo para ser o mais claro e sucinto possível, de modo que a presença deles valha a pena.

10. Estou ciente de que, se desobedecer a estas recomendações, serei cúmplice da morte das Humanidades.

CHRISTY WAMPOLE é professora assistente do departamento de francês e italiano na Universidade de Princeton e acaba de lançar a coletânea de ensaios The Other Serious: Essays for the New American Generation. Este ensaio foi publicado originalmente no blog Opinionator, do New York Times, onde também saíram “Como viver sem ironia” e “A ensaificação de tudo”, traduzidos no site da revista serrote.

Tradução de PAULO ROBERTO PIRES


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