janeiro 11, 2016

Palestina, até 1948: exercício contra o esquecimento. Por Olga Rodriguez (OUTRAS PALAVRAS)

PICICA: "Um livro recolhe fotografias da vida cotidiana e mostra sociedade dinâmica e diversa, antes da expulsão de seus habitantes para criação de Israel. Imagens desmentem ideia de um “território vazio”

Palestina, até 1948: exercício contra o esquecimento


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Funcionários do departamento da alfândega em Haifa. Shafika Sa’ad, no centro, com blusa de bolinhas, e as duas mulheres à esq. na primeira fila são judias. 1940-1942

Um livro recolhe fotografias da vida cotidiana e mostra sociedade dinâmica e diversa, antes da expulsão de seus habitantes para criação de Israel. Imagens desmentem ideia de um “território vazio”

Por Olga Rodriguez | Tradução: Inês Castilho

Um livro que reivindica a memória palestina, como afirma seu próprio título: “Contra o esquecimento. Uma memória fotográfica da Palestina antes da Nakba, 1889-1948” (1)

O projeto, coordenado por Teresa Aranguren, Sandra Barrilaro, Johnny Mansour e Bichara Khader, com prólogo do arabista Pedro Matínez Montávez, mostra uma realidade negada com demasiada frequência: a existência da Palestina não como abstração, mas como uma sociedade, cultura e território que foi ocupado e usurpado por colonos.

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Soldados britânicos revistam moradores de Yafa em busca de armas durante as revoltas de 1936 contra o mandato britânico e o movimento sionista

Nas palavras da jornalista Teresa Aranguren, boa conhecedora da região, “negar a existência do povo da Palestina foi premissa fundamental do movimento sionista, que pretendeu não apenas ocultar sua existência, mas até mesmo a lembrança de que havia existido”. Porém o que existe deixa rastro, e este livro recompila parte dessa memória que constata a existência, antes da ocupação, de centenas de milhares de palestinos que foram expulsos de suas terras em 1948.

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Grupo de patrulheiros, fotografía pertencente à família Saqqa, da cidade palestina de Belem.

As fotografias mostram o povo palestino, sua vida cotidiana, assim como aldeias que foram destruídas pelos ocupantes e cujos nomes já não figuram no mapa. “Este livro recolhe fotografias que são pegadas daquela existência que se quis apagar. Não é um exercício de nostalgia, mas de afirmação”, observa Aranguren.

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Retrato de Alexia Khoudry, que integra o álbum familiar dos Midawar, tirado en 1930

As fotos incluem desde as greves palestinas contra o mandato britânico e o sionismo até cenas familiares de costumes da época, passando pelas integrantes do Primeiro Congresso das Mulheres Árabes da Palestina,  que se mobilizaram contra a Declaração de Balfour (1917), a qual contemplava a criação de um Lar Nacional Judaico na Palestina.

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Grupo de amigos durante excursão ao lago Tiberiades, tirada entre 1940 e 1942

O acesso a uma parte das fotos foi facilitado pelo professor e historiador palestino Johnny Mansour, procedente da cidade de Haifa, o qual explica no livro que os habitantes palestinos de Haifa “foram obrigados a expatriar-se em 1948 sem contemplação e com procedimentos muito selvagens, de tal forma que de seus 75 mil habitantes palestinos não ficaram mais que 3 mil”.

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Poda de oliveiras na Palestina, foto tirada entre 1934 e 1939

Outras imagens foram recompiladas por Teresa Aranguren e Sandra Barrilaro, que viajaram aos territórios palestinos ocupados e recolheram fotos de familiares de seus amigos e conhecidos em diversas cidades e povoados. Outras ainda pertencem ao arquivo fotográfico do hotel American Colony de Jerusalém, conhecido como Coleção Matson, com mais de 22 mil negativos e placas de vidro.

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Primeiro time de futebol de Belém, em 1932, do álbum da familia Saqqa

As fotos incluem retratos de celebridades, acontecimentos sociais e políticos, festas populares, fábricas, profissões. O livro recolhe também trechos da carta enviada ao primeiro ministro britânico Winston Churchill pela delegação árabe que viajou a Londres para opor-se à declaração de Balfour em 1921, que afirmava:

“O grave e crescente mal-estar entre a população palestina provém de sua convicção absoluta de que a atual política do governo britânico se propõe a expulsá-la de seu país com o objetivo de convertê-lo em um Estado nacional para os imigrantes judeus… A Declaração Balfour foi feita sem consultar-nos e não podemos aceitar que decida nosso destino…”.

A ocupação da Palestina e a expulsão de sua gente já era uma crônica anunciada nos anos vinte. Duas décadas depois, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto contribuíram para torná-la realidade. Suas consequências seguem sendo sofridas e ampliadas em pleno século XXI.

(1) Ediciones del Oriente y del Mediterráneo.

Olga Rodriguez

Olga Rodriguez, jornalista especializada em relações internacionais, Oriente Médio e Direitos Humanos.  Prêmio Jornalismo e Direitos Humanos 2014 da Associação Pró Direitos Humanos da Espanha, Prêmio Enfoque 2014 por seu compromisso social, Prêmio Clube Internacional da Imrensa 2005 pelas reportagens televisivas feitas em Gaza e Cidade Juarez, prêmio coletivo Pluma da Paz 2004 pela cobertura da guerra do Iraque, prêmio coletivo Ortega y Gasset 2003 pela cobertura da invasão e ocupação do Iraque, Prêmio Turia 2003 pelo Melhor Trabalho Jornalístico pela cobertura em Bagdá. Trabalhou como jornalista no Iraque, Afeganistão, Territórios Ocupados Palestinos, Israel, Líbano, Síria, Egito, Jordânia, Turquia, Kosovo, Estados Unidos e México. Autora dos livros “Aquí Bagdad. Crónica de una guerra”, “El hombre mojado no teme la lluvia. Voces de Oriente Medio” o “Yo muero hoy. Las revueltas árabes”. É diretora adjunta do eldiario.es e coordenadora da seção Desalambre do eldiario.es.

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