PICICA: "O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos, porque já não posso andar só” – Alberto Caeiro"
Uma tarefa: desplatonizar amores
O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos, porque já não posso andar só” – Alberto Caeiro
Quando passamos de desconhecidos para perdidamente apaixonados? “Ah, quanto querer cabe em um coração“!
É tanto amor que transborda. Os olhos se enchem de alegria. Mas não
queremos ser um! Queremos ser dois e vários! Duas multiplicidades, lado a
lado: “perto, se longe, ou estar mais perto se perto“. É
vontade de compartilhar: um par. É uma cumplicidade, cúmplices de cama e
de crime. Todo amor é uma promessa que pede para ser cumprida.
É preciso queimar o céu, jogar o amor na
terra. O amor não é um quadro empoeirado na parede, é uma música que se
repete eternamente em ritornelo.
Queremos anjos sem asas, que andem no chão, que corram, que saltem, ah,
mas não queremos falsos amores voando com asas que não existem! Não
queremos olhar admirados para cima, sabemos que o amor é uma construção
que sai do chão (olhando o horizonte prevenimos torcicolos). O amor
platônico nos mantém cativos na caverna vendo luzes e sombras! Ele nos
alimenta de pálidas imagens que brilham distantes. E assim nos tornamos
raquíticos sentimentais.
Há
de se manter distância do que é etéreo, e do sol que ilumina ao longe,
estamos mais preocupados com o calor que sai do nosso corpo. Com ele
encontramos uma forma de aumentar nossa potência, aprendemos a crescer
com alguém ao lado. Então, quando saímos da caverna, olhamos lá pra
dentro e gritamos: “É preciso corpo!”. Sim, um corpo que sente, que
toca, que se emociona. Não se ama à distância, não se ama uma ideia! Essa platonice toda é um grito sufocado.
Por isso é preciso cuidado, quantas vezes não engasgamos com as
palavras não ditas? Amar o real, esta vida, este momento, estas pessoas:
esta ainda é uma das atitudes mais revolucionárias que conhecemos. Uma
razão inadequada se coloca no meio da praça e grita: abaixo Platão!
Pode parecer bonito cantar um amor que
não se realiza, mas sempre há, por menor que seja, um agenciamento, um
olhar de longe, um sentar no mesmo banco, um aproximar-se com o coração
na boca. Quando falamos do “abstrato, baby“, e dizemos “que pode até parecer fraqueza“… é porque não só parece como é fraqueza mesmo. O amor platônico me parece uma forma torta de solidão, e a solidão me parece um jeito torto de tentar ser feliz. Por isso nunca entendemos aqueles que elogiavam a solidão. Quem quer a solidão é porque ainda não se aprimorou o bastante na arte dos encontros. Gostamos de amar, e não passamos de amadores.
Talvez nos façam a seguinte objeção: “Mas
desta forma eu me preservo da decepção e da rejeição”. Ora, mas a dor
não faz parte da vida? Ou pelo menos assim deveria ser. “Não é a dor que me entristece… é não ter uma saída, nem medida na paixão“. Se pensamos em uma medida do envolvimento,
precisamos também pensar uma medida para o amor, se o colocamos
distante demais não conseguimos tocá-lo, e então nada se passa, e ao
mesmo tempo não podemos mergulhar em suas águas sem saber de suas
profundidades. Se pensar corretamente exige uma prática, amar também!
É preciso ter modos para todas as cousas, e cada cousa tem o seu modo, e o amor também” – Alberto Caeiro
Ao invés de se perguntar pelas razões do
amor, poderíamos perguntar: isso funciona? Façamos do coração um campo
aberto. Afinal, se ele é um músculo, que pulsa, pulsa vida, e pode se
exercitar nesta arte. O coração tem razões para isso (que ele mesmo
desconhece). Aprender novas formas de amar faz de nós pessoas novas,
sempre levando o limite um passo além. Não podemos dar o que não temos,
oferecemos um corpo, vivo, limitado, mas cheio de possibilidades, ávido
por afetar e ser afetado
Não queremos explorar cavernas! Não somos espeleologistas! Não queremos carruagens voando no céu! Não foi à toa que Diógenes
jogou uma galinha na cabeça de Platão! O mundo te chama, Filósofo das
Ideias! O amor não boia no ar, não se pode acampar nas nuvens. Queremos
andar no chão, para sentir nossos pés tocando a terra. O atrito é
essencial, ele que nos move. O corpo que toca o chão é também o que
salta mais longe. Faça da teoria uma prática, torne o amor real: realize
amores! Deixe que um encontro casual se torne uma porta para o novo.
Enfim, desplatonizar é uma das tarefas de uma Razão Inadequada.
Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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