PICICA: "Neste
trabalho analisar-se-á a trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT)
desde a sua origem, quando surgiu como importante instrumento de luta
popular até sua consolidação definitiva como partido da ordem, cujo
ápice se dá com a vitória eleitoral de Lula da Silva à presidência da
república em 2002. Dessa forma, buscaremos desvelar a atuação deste
partido no âmbito parlamentar e da administração do Estado e seu
progressivo afastamento das lutas populares"
O Partido dos Trabalhadores nos limites do capital
Alisson Slider do Nascimento de Paula (*)
RESUMO
Neste
trabalho analisar-se-á a trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT)
desde a sua origem, quando surgiu como importante instrumento de luta
popular até sua consolidação definitiva como partido da ordem, cujo
ápice se dá com a vitória eleitoral de Lula da Silva à presidência da
república em 2002. Dessa forma, buscaremos desvelar a atuação deste
partido no âmbito parlamentar e da administração do Estado e seu
progressivo afastamento das lutas populares.
“Apesar
de não em substância, mas em forma, a luta do proletariado contra a
burguesia é antes de tudo uma luta nacional. O proletariado de cada
país precisa, claro, primeiro de tudo, acertar seus assuntos com sua
própria burguesia”.
Marx & Engels (2006)
Partimos do discurso de Lula da Silva apud
Iasi (2012a, p. 376) proferido na 1ª Convenção Nacional do PT em 1981,
“O Partido dos Trabalhadores não poderá jamais, representar os
interesses do capital”. Esta fala estava em consonância com várias
teses elaboradas para os Congressos dos Trabalhadores Metalúrgicos,
Mecânicos e de Material Elétrico do Estado de São Paulo, as quais
denotavam um revelador salto no processo de consciência de uma classe
ainda em fase de formação. O discurso de Lula da Silva também estava em
total acordo com as características acentuadas dos documentos da
fundação do PT, os quais realçavam o caráter “anticapitalista” do
partido. É preciso ressaltar que este contexto esteve diretamente
marcado pelas greves que se realizaram no ABC e em outras regiões
brasileiras, estando articulado também com um movimento contra a
ditadura civil-militar.
Tais
fatos revelam na lógica do regime militar que as greves e
manifestações se trataram de um “severo desacato à legislação antigreve
da ditadura, se houve um questionamento agudo da política salarial e,
por consequência, da própria política econômica, estes atos rebeldes
foram cometidos por vários setores da classe trabalhadora” (COELHO,
2012, p. 38). É possível considerar que o estouro de greves daquele
contexto representou uma ação bem executada pelos trabalhadores contra
os espaços circunscritos a resistência estabelecidos pela ditadura
civil-militar. Destarte, salienta-se a mudança na configuração da luta
de classe.
Demasiadas
análises acerca do curso histórico de fundação do PT definem seu
contexto de fundação doravante um específico significado conferido à
categoria transição.
“O
termo designa um fenômeno político importante na história recente do
país, a saber, a lenta e titubeante passagem de um modo de dominação
política (a ditadura militar instalada com o golpe de abril de 1964)
para outro (a democracia burguesa, concretizada com a derrota em
eleições presidenciais indiretas do candidato apoiado pelo último
general presidente em 1985 e formalizada com a Constituição promulgada
em 1988). Todavia, quando foi empregado como categoria central de
interpretação de um período histórico, o termo aportou alguns problemas
que nem sempre foram enfrentados pelos analistas. O maior deles é o de
apontar para uma circunscrição da complexidade histórica aos
parâmetros das formas políticas.” (COELHO, 2012 p. 39, grifos do
autor).
O autor, ainda, sugere uma contraposição, pois, a própria categoria transição enquanto
fenômeno histórico, não se funda por si mesma, assim, ela não pode ser
auto-explicativa. Portanto, não estamos supondo que não foi realizado
um processo de transição política ou conjecturar que esta transição não
tenha engendrado implicações da maior importância em diversas esferas
da vida social do país. A origem do Partido dos Trabalhadores,
mormente, se trata de um processo histórico o qual para se efetivar uma
compreensão qualitativa necessita conceber o contexto histórico a
partir de complexos mais eminentes que os possíveis pela categoria transição, pelo menos na acepção em que foi preeminentemente aplicada pelos estudiosos.
Ainda
com a necessidade de explicitar melhor a compreensão da totalidade da
fundação do PT nos desdobramentos da realidade, é necessária uma breve
análise da categoria transição, pois, a concepção preeminente
nos estudos mais prestigiados acerca da categoria transição é a de
“autonomizar a esfera da política, privilegiando a análise dos ‘atores’
frente às situações em que se pode configurar uma ‘estrutura de
escolha’” (COELHO, op. cit. p. 39). Obtendo grande persuasão pela teoria da escolha racional (1),
tal base investigativa exerce “uma espécie de suspensão da política,
uma redução que consiste em cancelar, ou no mínimo secundarizar, as
conexões entre o mundo da política e o seu suposto exterior” (2)
(Idem). Estas concepções implicaram em resultados expressivos ao
indicar elementos peculiares da dinâmica de determinados sujeitos
articulados com o movimento político em dado contexto histórico,
contudo, seus limites são inquestionáveis. Com isso, “tomar as elites,
ou os ‘atores relevantes’, como sujeitos completos da política é uma
opção analítica que desconsidera a pertinência da política a um universo
de relações dentro do qual ela mesma é uma parte determinada”
(Ibidem). Destarte, uma questão se faz crucial, pois está para além dos
limites explicativos da teoria da escolha racional, se trata,
de fato, da necessidade de veementes movimentos populares findando a
década de 1970. “Na medida em que estes ‘novos personagens’, [...] não
são secundários, mas causadores de uma interferência de grande
amplitude na transição, a lacuna na teoria se torna excessivamente
grave” (Idem, Ibidem).
Para
se pensar seriamente as lutas sociais enquanto dimensão essencial da
história, enquanto forças que dão forma ao solo histórico-social no
qual os sujeitos políticos se movem, se quisermos preservar a
nomenclatura, é premente refletir acerca de percursos alternativos,
apenas assim, seria possível se pensar a transição. Ora, a categoria transição,
apreende demasiadas determinações complexas: esta categoria não é
somente fruto dos – calcado nas expressões da teoria da escolha
racional – “atores políticos racionais” alocado em um jogo demarcado
institucionalmente, tampouco das cisões engendradas pela demarcação
institucional de outras regras para a disputa política, porém a
resultante de um condicionante numeroso de sujeitos históricos em sua
processualidade, tanto no interior quanto no exterior do cenário
político tradicional, postos em motricidade por suas divergências.
Portanto, os embates dos operários no término da década de 1970 deixam
de representar somente um dado do momento histórico e contraem, na
análise, a colocação central conforme ao seu papel sócio-histórico
concreto.
De antemão, é preciso elucidar que nos deteremos apenas na análise da categoria transição
como uma das formas de interpretação do movimento da fundação do
Partido dos Trabalhadores, logo, a análise das formas complexas
interpretativas deste fato, ultrapassa os limites e objetivos do
presente trabalho. Portanto, compreendendo o valor dos embates de
classes em sua dinâmica, é assim que entendemos o surgimento do PT, e o
discurso de seu dirigente exuberante Lula da Silva mencionado
anteriormente neste trabalho, revelava deslindando o caráter
“anticapitalista” do Partido dos Trabalhadores naquele contexto
histórico em que se fundava esta organização de oposição aos partidos
nacionais, bem como à ditadura civil-militar. Para o professor Mauro
Iasi (2012a) este caráter anticapitalista é caracterizado, em certa
medida, pela força com a qual os trabalhadores confrontavam. Assim,
“[...]
de forma extremamente elucidativa, a Carta de Princípios do PT (1979)
relata que a unidade dos trabalhadores vem em resposta ao modo de
unificação dos próprios setores do capital para enfrentar as greves
operárias do final de década de 1970. É diante da unidade dos patrões e
seu poder político que os trabalhadores são levados à necessidade de
unificação e de criação de um partido político. Tinha razão Lenin ao
dizer que um dos elementos pedagógicos mais eficientes na criação de
uma consciência de classe entre os trabalhadores é a polícia. A
repressão ao movimento grevista de 1978/79 foi essencial para o
desenvolvimento da constatação da ‘necessidade objetiva’, nos termos da
própria Carta de Princípios, de criação de uma organização política
própria aos trabalhadores” (IASI, 2012, p.392).
É
nessa precisa acepção do caráter anticapitalista primaz do partido,
que nascia o cunho classista. Este cunho que se engendrava do PT em sua
fundação se demonstraria, em passagens substanciais da Carta de
Princípios, bem como da Declaração Política de outubro de 1979.
Destacamos, dessa forma, a Carta de Princípios (3),
à qual faz alusão a uma frase egrégia de Marx, alegando que “o Partido
dos Trabalhadores entende que a emancipação dos trabalhadores é obra
dos próprios trabalhadores”.
A
partir do exposto, ainda que de forma rudimentar, ressaltamos não ser
necessário para a efetivação desta pesquisa uma exposição da totalidade
do movimento de fundação do PT, pois está para além de nossas
pretensões, todavia, por se tratar de uma dinâmica necessária na
história da luta de classes brasileira, nos debruçamos e debruçaremos,
em certa medida, em expor o contexto em que iniciou o processo de
fundação do PT como uma organização de oposição aos partidos nacionais e
do regime militar, bem como ressaltamos a partir do movimento
histórico-social em que se dá este processo com o suplemento das falas
de Lula da Silva, bem como do conteúdo expresso em alguns documentos do
partido.
Da
convergência dos movimentos da luta contra o regime militar, emergiu a
proposta da criação do Partido dos Trabalhadores, legalizado no ano de
1980. Assim, o PT foi instituído no contexto de crise política da
ditadura e de sua abertura. Tendo como elemento imprescindível do trato
metodológico a centralidade do presente, consideramos que com um exame
meticuloso do Partido dos Trabalhadores no atual cenário
político-social é possível, em certa medida, compreender sua inflexão
ao longo da história aos setores hegemônicos. Ora, se é verdade o que
Marx e Engels colocaram em sua obra política “Manifesto Comunista”,
após preconizar a função histórica e revolucionária da burguesia
enquanto agente genuíno de transformação política, econômica e social
no contexto europeu dos séculos XVIII e XIX, assevera que:
“[...]
todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antiguidade e
veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas
relações se tornam antiquadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo
que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado” (MARX;
ENGELS, 2006, p. 35).
Portanto,
assim como nas linhas dos precursores do socialismo científico,
fazemos um paralelo com a história do PT, logo, o partido de oposição
se torna sustentador da ordem social vigente. Com efeito, o contexto
histórico recente do Partido dos Trabalhadores nos revela que desde a
década de 1990, demasiadas foram as ocasiões nas quais a prática do PT
vai na contramão de seu discurso, bem como às indicações programáticas
de sua gênese (4).
De
fato, o PT surgiu sem uma concepção ideológica, porquanto no decorrer
de um vasto tempo, o partido se tratou de um projeto em disputa, porém
possuía o mérito de concentrar internamente os intelectuais de
esquerda, bem como setores da classe média que lutavam contra a ditadura
civil-militar, e dirigentes do “novo sindicalismo” (5),
que foram os responsáveis fundamentais pela manutenção da proposta, ao
tê-la amparada nos embates populares. Pelo predomínio do setor
sindical, as falas e as proposições do partido no início possuíam uma
evidente característica classista, isto é, inquietavam-se com o perfil
do empenho e organização da classe trabalhadora no confronto com os
segmentos hegemônicos.
Nos
seus principais documentos, o PT manifestava sua oposição à ordem
social burguesa. Com isso, deixava claro que o PT se definia como um
partido sem patrões, logo regulado pela independência de classe. O
professor Mauro Iasi, em sua tese de doutoramento, se debruça sobre esse
aspecto, inclusive, destacando que no início o PT internamente debatia
se o partido seria apenas constituído por operários fabris ou
sindicalistas, todavia, a análise do PT é conduzida para a compreensão
que seria necessário construir uma organização partidária que
contemplasse os trabalhadores assalariados, assim, assevera o autor:
“Uma
das dúvidas quanto ao partido que nascia era se ele se restringiria a
uma organização de sindicalistas ou seria um partido de operários
fabris. O caráter de classe ampliado, no sentido de representar todos
os trabalhadores assalariados, o documento de princípios afirma que o
objetivo do PT é «organizar politicamente os trabalhadores urbanos e os
trabalhadores rurais» e se declara «aberto à participação de todas as
camadas assalariadas do país». Para que não pairem dúvidas sobre este
princípio, que no desenvolvimento do partido seria alterado, o
documento inicial conclui, ao discorrer sobre as tradicionais
manipulações políticas que sofreram as massas exploradas em nossa
história, que o «PT recusa-se a aceitar em seu interior representantes
das classes exploradoras; vale dizer, o Partido dos Trabalhadores é um partido sem patrões»”. (IASI, 2012, p. 379-380, grifos do autor).
Na
“Declaração Política de 13/10/79”, alegava-se que “O PT luta para que
todo poder econômico e político venha a ser exercido diretamente pelos
trabalhadores” (6).
A partir da década de 1970, os países centrais e uma parte dos países
periféricos foram arrasados pela investida conservadora burguesa a qual
tinha como desígnio combater a queda da taxa de lucro inserida em um
contexto de crise estrutural do sistema do capital. As ações pensadas
para superar a crise geraram
implicações avassaladoras para a classe que vive do trabalho, usando
como exemplo, o trabalho em condições precárias e o desemprego.
Acontecia também o desmantelamento do dito “socialismo real”, que teve
sua culminância no ano 1989, quando foi abaixo o Muro de Berlim. Esse
aglomerado determinador acarretou a crise do movimento sindical, bem
como a flexibilização e giro à direita dos partidos de esquerda.
Este
quadro atingiu o Brasil doravante 1990. No entanto, seus efeitos
nocivos obtiveram uma extensão mais ampla, em decorrência da condição
sócio-histórica do país. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) adotou
o “sindicalismo de resultado” em contraposição ao “sindicalismo de
confronto”, dessa forma, alinhando-se ao que se desdobrava em outras
regiões em escala global (ALVE, 2000).
Isso
se deu em virtude da corrente majoritária da CUT priorizar um escopo
sindical mais participativo, como também cooperativo. Tal decisão diz
respeito com à tática da burguesia internacional de adaptar o
sindicalismo às suas premências de produtividade e criação de consenso,
buscando solapar os setores sindicais combativos.
O
PT, assim como vários partidos de esquerda no globo, tolerou um
progressivo processo de flexibilização, bem como de conformação a
ordem, “tanto no plano das formulação político-programáticas quanto na
sua relação com os movimentos sociais” (VIEIRA, 2012, p. 49). Na
prática, isso foi comprovado através das profundas reformulações do
programa político, da estrutura organizativa e do afastamento dos
embates de classes.
Iasi
(2012b) alega que, o projeto para elidir o sistema de mercadorias foi
abandonado pelas resoluções do partido, o que ratifica que na nova
visão dos dirigentes petistas, o capitalismo é algo indestrutível. Ao
invés disso, novos olhares foram direcionados a critica ao
neoliberalismo. De acordo com Coelho (2012), o debate não aborda mais a
transcendência positiva do sistema de produção capitalista, todavia
sobre qual sistema capitalista mais adequado.
Tal
tendência de perda de características dos partidos de esquerda é fruto
da preeminência neoliberal materializada nos anos 1990, especialmente
em função do fim da União Soviética e da decorrente concentração
política e econômica nos Estados Unidos, engendrando um tipo de “mundo
unipolar”.
Referindo-se
ao PT, este saboreou também um processo de burocratização que, de
acordo com Garcia (2008), iniciou-se findando a década de 80, quando
nesse determinando período histórico o PT passa a governar uma
quantidade significativa de prefeituras, tirando usufruto do grande
incremento de seu êxito eleitoral nos anos 1990. Isso favoreceu a opção
preferencial do partido pelas disputas eleitorais e o consequente
abandono do projeto que buscava a transformação na sociedade. Assim, o
PT se distanciou da vivência das coalisões de classes. A articulação
com os movimentos sociais foram mantidos, porém, foram se tornando
gradualmente mais circunscritos ao plano formal e institucional.
Del Roio considera que,
“[...]
esse partido sentiu-se muito mais à vontade para abandonar
progressivamente a sua faceta de defensor intransigente dos interesses
das classes trabalhadoras contra a sanha do capital, para propor-se
como gestor mais adequado e indicado da própria ordem burguesa. A classe
operária assim, em vez de transpor o estágio sindical-corporativo
propondo a própria hegemonia e de seus aliados contra a ordem imperial
do capital, tendo o PT como seu representante, preferiu ou só foi capaz
fazer uma inversão especular do «economicismo» que a orientava” (2004,
p. 74).
O
que se pode constatar é que, a partir da década de 1990, a corrente
majoritária do Partido dos Trabalhadores efetivou um grande movimento
para encaixá-lo em seu projeto de conciliação de classe. Foi possível
notar as várias mudanças sofridas em suas elaborações
teórico-estratégicas ou pilares programáticos, apreendendo-se, dessa
forma, a sua política de alianças. Passam a conter as suposições
teóricas do PT a “democracia como valor universal”, a disputa da
“hegemonia” nas instituições democráticas, a “ética na política”, a
“cidadania”, a “inclusão” social dos excluídos e a “inserção soberana”
na economia no cenário da globalização. (GARCIA, 2011, p. 46).
Assim,
consolida-se internamente no partido um projeto que se propõe de
reformas do capital. Advogar a cidadania se torna o núcleo do programa
do partido. O PT abdica das mais rudimentares medidas anticapitalistas,
bem como de sua independência de classe.
Estas
transformações não aconteceram sem uma vasta crise interna no partido,
como também com grandes paradoxos entre as resoluções dos congressos e
a atuação de seus militantes. Cyro Garcia cita dois fatores que
demonstram bem a mudança de rumos: “[...] com mais profundidade com as
resoluções dos congressos [...] referentes à política de privatização do
governo FHC, que eram de rechaço a esta política [...] com a prática
de seus militantes que integravam os fundos de pensão de trabalhadores
(Idem, p. 101).
Outra
mudança crucial, que salta aos olhos, se deu nas campanhas eleitorais,
abarcando fatores como: os conteúdos programáticos circunscritos à
ordem da administração burguesa, as políticas de alianças ampliadas e
sem mais o crivo ideológico classista, o mesmo valendo para os
financiamentos das campanhas; campanhas essas que passaram a ser
comandadas por marqueteiros profissionais; e a nova relação com a massa
na qual esta não é mais sujeito da práxis política, mas se reduz ao
papel de eleitora passiva. Essas mudanças dilaceravam o caráter de
independência de classe, reproduzindo exatamente o mesmo modus operandi dos partidos burgueses em geral.
O
balanço realizado acerca das eleições no X Encontro Nacional em 1995,
caracterizava que a derrota de 1994, entre outras lições, implica numa
reflexão sobre a imagem do PT para a população, bem como sobre as
ambiguidades ideopolíticas que possui, e seus entraves quanto à
realização de um ajuste de contas mais rigoroso com as heranças do
século XX, isto é, a social-democracia e o comunismo. Tal balanço tem
implicações diretas no programa do PT. Ainda nesse encontro é
determinado que a defesa da nação passa pela constituição de uma
política econômica com exponencial diferencial, e uma aliança social
maior. Com isso, no mesmo encontro, Lula da Silva profere um discurso
despedida da presidência do PT, dando tons mais esclarecedores quanto a
aliança social maior:
“Criamos
o PT para que o povo brasileiro tenha um canal político, uma legenda
que represente os interesses da maioria, uma bandeira em torno da qual
se mobilizam as donas de casa e os sem-terra, os operários e
desempregados, negros e mulheres, estudantes e intelectuais, produtores
de culturais e empresários interessados na modernização do Brasil,
compatível com a redução das desigualdades sociais” (COELHO, 2012, p.
241).
Lula
desvelou, com precisão, que o partido das origens, com independência
de classe, sem patrão, já não existia mais. Com efeito, se tratava de
uma resposta na íntegra às correntes de esquerda do PT, que em seus
embates contra as transformações que estavam sendo conduzido no PT pelo
chamado “Campo Majoritário” (7), reivindicavam pelo “PT das origens”.
As
mudanças programáticas atingiram, também, o perfil oposicionista do
partido. Nas eleições municipais de 1996 vimos Luiza Erundina,
candidata a prefeita de São Paulo, ser a principal porta-voz do “PT que
diz sim”, o que escandalizou amplos setores da base do partido. Em
1998, Lula, em seu primeiro programa de TV da candidatura presidencial,
trocou as bandeiras vermelhas do PT por bandeiras brancas. (GARCIA,
2011, p. 121).
A processualidade que se deu no PT, pode se definir como transformismo,
conceito presente em Gramsci em sua análise acerca do contexto
histórico italiano. Filgueiras e Gonçalves trabalham este conceito,
considerando:
“O
termo denomina o fenômeno de assimilação e implementação, por parte de
indivíduos (transformismo molecular) e/ou agrupamentos políticos
inteiros (transformismo de grupos), do ideário político-ideológico dos
seus adversários ou inimigos políticos. Sinteticamente, trata-se de um
processo de adesão (individual ou coletiva) ao bloco histórico
dominante, por parte de lideranças e/ou organizações políticas dos
setores subalternos da sociedade, com o abandono de suas antigas
concepções e posições políticas” (2007, p. 182).
Destarte,
o transformismo petista pode ser visto de forma consolidada a partir
da chegada do PT ao poder. Então, ressaltamos que o próprio processo em
que o PT passou para se chegar ao governo federal, teve conivência da
burguesia brasileira, bem como dos setores do capital financeiro
internacional, consoante Arcary (2014),
“A
classe dominante brasileira contribuiu para o esforço de sua
autoridade oferecendo-lhe uma visibilidade política crescente diante de
seus potenciais rivais, desde os anos 1980. A burguesia brasileira
confirmou a sua habilidade política assimilando Lula e o PT como
oposição eleitoral. Lula foi, portanto, conscientemente poupado,
sobretudo depois de chegar ao poder, de ataques diretos mais
contundentes, o que reforçou sua imagem. O amadurecimento foi elogiado
pelas lideranças mais lúcidas que confessaram respeito, e até gratidão,
pela função que cumpriu como garantia da segurança do regime
democrático” (p. 10).
Quando,
enfim, Lula da Silva logrou-se presidente da república em 2003, após
uma campanha que esteve calcada em uma crítica ferrenha ao
neoliberalismo, seu governo se quer alterou a política econômica do
governo Cardoso. Todavia, mostrou disposição em dar seguimento às
mesmas medidas que beneficiam a concentração de renda e, não obstante
alegar a soberania nacional sustentou a dependência do Brasil aos
organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Mundial (BM), que reivindicam as aspirações da burguesia
internacional. Porquanto, Lula da Silva surgia como o nome certo para
dar continuidade com as reformas prementes que tinham sido deixadas
incompletas após os mandatos de Cardoso, já que, se existia algum risco
para o capital em amparar uma liderança com carisma como era o caso de
Lula da Silva, este, precisamente com os dirigentes fundamentais do
Partido dos Trabalhadores já tinham dado provas satisfatórias em função
de sua atuação no âmbito do poder legislativo, bem como em executivos
estaduais e municipais da sua vasta envergadura de manejar as bases que
dirigiam e de negociar largamente e sem julgamento ou qualquer
antipatia classista com o setor empresarial nacional ou estrangeiro.
Para Sousa Jr (2009),
“O
Partido dos Trabalhadores, portanto, abrira mão do seu papel
político-pedagógico junto às massas exploradas, pois não mais as
considerava como sujeito histórico da práxis politica, mas as
considerava apenas como eleitoras. Mais: o PT não se considerava mais
um instrumento orgânico das massas exploradas, submetido às suas
determinações; definia-se como ente acima e separado delas, responsável
não mais pela sua politização, mas por guiá-las à terra prometida,
bastando para tanto que o respaldassem nos processos eleitorais
«democráticos»”. (p. 163).
Transformando-se o PT, dessa forma
“[...]
num fetiche, colocou-se acima dos que o construiu, como criatura que
controla e submete o seu criador. O partido inverteu a relação com suas
bases, através de um processo pelo qual uma camada de indivíduos que
ocupa posições no Estado [...] dirigentes sindicais etc. impôs a ele
uma dinâmica de atuação e de organização burocratizada em que não tem
lugar a militância de base, participando, discutindo, elaborando, indo
às ruas etc.” (Ibidem).
Dando
continuidade no giro à direita do PT, na carta do governo brasileiro
ao FMI, de maio de 2003, já era explicita a escolha que o governo fez
de dar seguimento à concepção de incorporação inerte à economia
internacional. Se ainda existia qualquer imprecisão sobre isso,
seguramente a Carta se trata de uma evidente expressão do entusiasmo do
governo em efetivar a agenda “reformista” dos organismos multilaterais
e de decepcionar a perspectiva dos brasileiros que acreditavam em uma
política diferente da política do governo Cardoso que deu prioridade ao
ajuste fiscal, pagamento da dívida pública, estabilidade monetária, o
controle da inflação na contramão dos investimentos para as áreas de
saúde, educação, habitação e a dependência mais ampla do Brasil aos
imperativos do FMI e do BM. Ainda, é nítido ver o mesmo programa em
desenvolvimento no governo Dilma Rousseff.
Coelho,
em sua pesquisa sobre evolução teórica das correntes majoritárias do
PT, estudou, a partir do conceito, as mudanças no interior do partido.
E, também partindo de Gramsci, assim o definiu:
“Transformismo
pode ser definido, então, sinteticamente, como 1) absorção, em caráter
individual ou «de grupo» e obtida por diferentes «métodos», de
intelectuais («elementos ativos») das classes subalternas pelas classes
dominantes. Nele estão implicados: 2) a modificação «molecular» dos
grupos dirigentes, sua ampliação e 3) a produção da desorganização
política das classes subalternas. A concepção do transformismo como
mecanismo de atração de intelectuais exige, por fim, que se considere o
4) poder de atração de classe, que varia principalmente em função da
sua «condensação ou concentração orgânica». Na medida em que este
conceito designa um dos elementos constitutivos do «mecanismo» geral de
hegemonia, não é de estranhar que através dele se possa estabelecer
certas analogias históricas. É com esta definição que se pode propor o
emprego do conceito como critério de interpretação da história recente
dos grupos de esquerda que pesquisamos” (2012, 349).
Identificando como aspecto essencial do transformismo do PT a
“[...]
dissolução dos vínculos orgânicos com a classe trabalhadora. Vimos nos
capítulos da segunda parte como esta dissolução aparece nas resoluções
das correntes: organizar a classe como sujeito político independente
deixou de ser um objetivo de seus projetos políticos. Não se pode mais
atribuir à esquerda a condição de intelectual orgânico da classe
trabalhadora se a tarefa essencial de realizar a organização política
desta classe através do «espírito de cisão» foi recusada por ela. Por
outro lado, com seu novo projeto político, a esquerda se colocou no
terreno da concepção burguesa de mundo, isto é, passou a atuar, na
prática, como intelectual, ou elemento ativo, da classe dominante”
(Idem, grifos do autor).
Portanto, é possível considerar que o transformismo
petista se deu em virtude da burocratização vivenciada pelo partido,
resultado de suas conquistas eleitorais e de sua incorporação ao
aparelho estatal burguês. Lênin (2007), em sua obra O Estado e a Revolução,
ainda no primeiro momento do texto, quando se propõe combater a
deturpação da concepção marxiana do Estado, o revolucionário Russo faz
alusão à obra de Friedrich Engels, o qual assevera que o Estado “é
produto da sociedade numa certa fase de desenvolvimento. É a confissão
de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna,
se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode
desvencilhar-se” (ENGELS, 2012, p. 133). Com isso, Lênin corrobora: “O
Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não
podem objetivamente ser conciliados. E, reciprocamente, a existência do
Estado prova que as contradições de classes são inconciliáveis” (2007,
p. 27). Portanto, esta concepção de Estado não está em nenhum desacordo
com a concepção de Estado preconizado no Manifesto Comunista, onde
está expresso, “O poder estatal moderno é apenas uma comissão que
administra os negócios comuns do conjunto da classe burguesa.” (MARX;
ENGELS, 2006, p. 09). Dessa forma, o PT almejou historicamente, por
meio da esfera eleitoral, administrar os negócios da burguesia
brasileira.
Sendo
assim, a partir da exposição feita podemos afirmar que o processo
transformista indicado se deu em função de um fator crucial, o PT como
vimos mais acima, nasceu nas/das lutas das classes trabalhadoras e no
meio dos movimentos sociais, mas, com os governos petistas, muitos dos
grupos, sindicatos, partidos, coletivos, entidades estudantis etc. não
se movimentaram contra o que o PT estava (e está) executando, como o
ataque à classe trabalhadora e sua atual e feroz política de ajuste
fiscal.
(*) Professor
do Instituto de Estudos e Pesquisa do Vale do Acaraú (IVA). Mestrando
em Educação na Universidade Federal do Ceará (UFC), na linha de
pesquisa marxista Trabalho e Educação; Integrante do Grupo de Pesquisas
em Trabalho, Práxis, Política e Educação (GTPPE/CNPQ).
______________
NOTAS:
(1)
A Teoria da Escolha Racional, como forma de compreensão dos fenômenos
sociais, assume que o comportamento humano pode, em várias medidas, ser
estudado, ou modelado, através do pressuposto da racionalidade.
Originalmente utilizado nas ciências econômicas, tal pressuposto afirma
que, em situações de múltipla escolha, os agentes optam por estratégias
que maximizam seus resultados. Para maior aprofundamento: (MEIRELES,
2012; LOVETT, 2006; PRZEWORSKI, 1988).
(2) Vide: MAINWARING, 2001; REIS, 1988.
(3)
Além desta passagem, há outras passagens em consonância com as
argumentações de Marx, bem como outros documentos que trazem este
semblante que caracteriza o PT em sua fundação como um partido de
caráter anticapitalista.
(4)
Destacamos o mais atual, onde Dilma Rousseff havia divulgado em sua
rede social que não mexeria nos direitos trabalhistas. Todavia, o
governo efetivou mudanças na concessão de benefícios e pensões, para
reduzir gastos de 18 bilhões de reais por ano. O corte nos gastos do
governo no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff vai começar
pelos direitos trabalhistas, com restrições no acesso a
seguro-desemprego, abono salarial (PIS) e auxílio-doença, além de uma
minirreforma na Previdência Social, com mudanças nas regras das
pensões. As medidas foram anunciadas ontem e serão incluídas em medida
provisória a ser encaminhada hoje ao Congresso Nacional. Segundo
cálculos do futuro ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o pacote
vai gerar uma economia de R$ 18 bilhões por ano, a partir de 2015,
equivalente a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e
serviços produzidos no país).
(5)
Situamos a crise atual do sindicalismo, dando a atenção para as
metamorfoses no mundo do trabalho, as quais tem como sustentáculo a
mundialização do capital, as recorrentes crises do modo de produção
vigente, bem como a divisão social do trabalho. Para aprofundamento no
tema, indicamos: (ALVES, 2001; 2003; ANTUNES, 2012; 2004; BOITO JR,
1991; 1999).
(6) PEDROSA, M. Sobre o PT. São Paulo: Ched Editorial, 1980, p. 65.
(7)
O que se denomina como “campo majoritário” das correntes petistas era
definido pela “Articulação” e pela “Democracia Radical”.
REFERÊNCIAS
ALVES, G. Toyotismo e Neocorporativismo no Sindicalismo do Século XXI. OUTUBRO, nº 5, ano 2001, Revista de Estudos Socialistas.
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Fonte: O COMUNEIRO
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