janeiro 04, 2016

Os zeróis de Ziraldo. POR Bruno Cava Rodrigues

PICICA: "Publicado em 24 de setembro de 2010
Nos anos 1960, quando produziu as ilustrações, Ziraldo estava à altura de seu tempo. Inspirado por Warhol, Lichtenstein e todos quantos, o artista verteu ao terreno brazuca as propostas velhacas da Pop Art. Daí surrupiou da comunicação de massa e recodificou os signos. Os heróis viram zeróis, criaturas demasiado humanas, aprisionadas em sua condição de imagem e incapazes de atuar em um mundo convulsionado. O criador acompanha as criaturas, brinca e envelhece com elas, e se permite ao riso trágico, numa época de ditaduras políticas e monopólios culturais. Os zeróis sabem que os heróis de verdade jazem anônimos." 

Os zeróis de Ziraldo.



Terminou esta semana, no Rio, a exposição Zeróis: Ziraldo na tela grande. Organizada no Centro Cultural Banco do Brasil, as 44 obras inéditas roubaram a cena, ofuscando a mostra contígua de Anita Malfatti. Se os duzentos e tantos quadros desta belartista não surpreendem nem empolgam, na sua previsibilidade, em Zeróis pôde-se compreender quão rica e plurissignificante é a obra do cartunista e chargista Ziraldo Alves, e quanto ele merece todo o crédito como das maiores cabeças criativas de sua geração. Trata-se de uma seqüência de telas ao estilo da Pop Art, que mobiliza o olhar, desconcerta e desvela feixes míticos da modernidade, sem jamais perder a ternura e o humor.

No caldeirão de Zeróis, em cores homogêneas e traços velozes, mistura-se um pouco de cada: Dali, Manet, Goya, Super-Homem, Guerra do Vietnã, Mulher-Maravilha, Mickey Mouse, Shazam, Tarzan. Combinação realizada num estilo bastante pessoal, acessível e trocista, que convida o espectador-participante a percorrer a história contada no quadro.



Nos anos 1960, quando produziu as ilustrações, Ziraldo estava à altura de seu tempo. Inspirado por Warhol, Lichtenstein e todos quantos, o artista verteu ao terreno brazuca as propostas velhacas da Pop Art. Daí surrupiou da comunicação de massa e recodificou os signos. Os heróis viram zeróis, criaturas demasiado humanas, aprisionadas em sua condição de imagem e incapazes de atuar em um mundo convulsionado. O criador acompanha as criaturas, brinca e envelhece com elas, e se permite ao riso trágico, numa época de ditaduras políticas e monopólios culturais. Os zeróis sabem que os heróis de verdade jazem anônimos.

Quando penso na matriz de Ziraldo, criador da Turma do Pererê (1960) e de Menino Maluquinho (1980), não me vem à mente Oswald de Andrade, porém Cassiano Ricardo. Ziraldo está mais  para a poética de Martim Cererê do que Serafim Ponte Grande. Ele faz política meique na surdina. Ao invés da acidez e escracho de Oswald, Ziraldo adota um tom maroto, irônico, bem-humorado da composição tropicalista. Subversão do cânone, mas sem levantar muita bandeira, sem panfletar manifestos, sem bradar palavras-de-ordem — coisa de artista de fina estampa, como o argentino Quino.



Ziraldo não apaga apenas o limite entre arte elevada e popular, como outros artistas Pop, ele vai além e implode a distinção entre arte séria e brincadeira. Eis aí retorno à infância que, oposto à religião da arte e sua transcendência, resgata um sentido mágico e panteísta. E, portanto, de forte capilaridade política.

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