Carlos Latuff
Setembro se chama Allende
O Chile vive três datas especiais e dois dramas profundamente entrelaçados. Este mês comemora-se o 40° aniversário da histórica vitória de Salvador Allende e da Unidade Popular nas eleições presidenciais. Naquele 4 de setembro de 1970, o povo chileno abriu as portas da história e empreendeu um profundo processo de transformações econômicas, sociais, culturais e políticas. A “via chilena para o socialismo” só foi derrotada pelo golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 - que este ano completa 37 anos – protagonizado pelas Forças Armadas, mas estimulado pela direita, pela Democracia Cristã, pela burguesia e por Washington. O artigo é de Mario Amorós.Essas datas são provavelmente as jornadas mais relevantes dos dois séculos de história republicana, junto com o 18 de setembro de 1810, quando se estabeleceu a primeira Junta Nacional de Governo, que abriu o caminho para o processo de independência finalizado em 1818 e que, depois de uma década convulsionada, culminou entre 1829 e 1833 com a imposição de um férreo estado oligárquico que se manteve até a vitória da Frente Popular, em 1938, da qual Salvador Allende foi um destacado dirigente.
Último discurso de Salvador Allende:
Seguramente ésta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Postales y Radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura sino decepción Que sean ellas el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron: soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino, que se ha autodesignado comandante de la Armada, más el señor Mendoza, general rastrero que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al Gobierno, y que también se ha autodenominado Director General de carabineros. Ante estos hechos sólo me cabe decir a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar! Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que hemos entregado a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente. Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.
Trabajadores de mi Patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo. En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.
Me dirijo, sobre todo, a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la abuela que trabajó más, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clases para defender también las ventajas de una sociedad capitalista de unos pocos.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente; en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo lo oleoductos y los gaseoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder. Estaban comprometidos. La historia los juzgará.
Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la Patria.
El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.
Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.
¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!
Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.
A uma semana da comemoração do bicentenário da independência, 33 trabalhadores permanecem sepultados desde o dia 5 de agosto a 700 metros de profundidade na mina San José, devido às condições de exploração em que executavam sua tarefa, reconhecidas – a posteriori – pelos proprietários da mina e pelo próprio governo de Sebastián Piñera. Além disso, 34 presos políticos mapuches estão em greve de fome desde o dia 12 de julho. Se, contra o movimento operário, o governo aplica o restritivo Código do Trabalho, imposto pela ditadura em 1980, as mobilizações dos mapuches em defesa de seus territórios e de sua demanda de autonomia são brutalmente reprimidas e sancionadas penalmente com o recurso à Lei Antiterrorista que Pinochet aprovou em 1984.
Os estudos mais recentes confirmam que o Chile é um dos países onde a brecha entre ricos e pobres é mais acentuada, aproximando-se aos níveis encontrados, por exemplo, no Haiti, produto de políticas neoliberais cujas diretrizes a Concertação manteve inalteradas durante 20 anos e que, desde 11 de março, são impulsionadas por seu verdadeiro motor, uma direita de novo tipo, filha da contrarrevolução pinochetista e solidamente implantada no mundo popular.
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Piñera prepara-se para viver seu primeiro 11 de setembro no Palácio la Moneda e para presidir os múltiplos atos do bicentenário com um insistente e retórico chamado à “unidade nacional”. Enquanto isso, os quatro partidos que integram a Concertação acabam de renovar suas direções para enfrentar o novo ciclo eleitoral que já aparece no horizonte, as eleições municipais de 2012 e as eleições parlamentares e presidenciais de 2013. O Partido Comunista está mergulhado nos debates de seu XXIV Congresso.
Para além da incógnita sobre o próximo candidato presidencial da Concertação (o que dependerá essencialmente da vontade de Michelle Bachelet, que conserva uma enorme aprovação popular), a encruzilhada que esta coalizão e as forças de esquerda deverão enfrentar no médio prazo reside na possibilidade de construir mais do que uma aliança pontual, como a que permitiu eleger em dezembro três deputados comunistas pela primeira vez desde 1973, costurando um acordo político e programático que permita abrir um novo período.
Às vezes são os pequenos gestos ou resultados os que mudam a história. No dia 15 de março de 1964 a inesperada vitória da esquerda em uma votação parcial para eleger um deputado em Curicó levou a direita a não apresentar um candidato próprio e a apoiar o social cristão Eduardo Frei Montalva, que derrotou Allende em setembro daquele ano. Há apenas um mês, na cidade de Penco, na região do Biobío, os dirigentes locais da Concertação e o Partido Comunista assinaram um acordo para unir-se desde o início nas eleições de 2012 com o objetivo de derrotar a direita, que atualmente governa a prefeitura.
O debate sobre suas projeções nacionais já está instalado na agenda política. A direita não tardou em exibir seu anticomunismo mais rude e na Democracia Cristã seguramente persistirão as dúvidas até o último momento. Enquanto isso, o Partido Socialista mostra-se favorável a explorar um pacto, assim como o Partido Comunista, na direção de uma ampla convergência de forças políticas e sociais para conquistar um governo “de novo tipo” que deixe para trás os dogmas neoliberais e possibilite o pleno desenvolvimento democrático do país.
A 37 anos do bombardeio do palácio de La Moneda e do início de uma cruel ditadura, a memória de Salvador Allende e da Unidade Popular iluminam esse caminho. Precisamente, aquela noite inesquecível de 4 de setembro de 1970, quando deixou de ser o “companheiro Allende” para converter-se no “companheiro presidente”, e acabou seu discurso na Alameda de Santiago, diante de milhares de pessoas que festejavam a vitória da UP, com palavras plenas do afeto sincero com o qual sempre se dirigiu aos trabalhadores e que mantém absoluta atualidade: “Esta noite, quando acariciarem seus filhos, quando buscarem o descanso, pensem na manhã dura que teremos pela frente, quando precisaremos colocar mais paixão, mais carinho, para fazer o Chile cada vez maior e tornar cada vez mais justa a vida em nossa pátria”.
* Mario Amorós é doutor em História e jornalista. Autor de Companheiro Presidente. Salvador Allende, uma vida pela democracia e pelo socialismo. Artigo publicado no jornal Público, de Madri e reproduzido pela Carta Maior
Fonte: Opera Mundi
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