Usinas do rio Madeira podem deixar legado de exclusão social
Escrito por Mateus Alves
10-Jul-2007
Para comentar a recente liberação pelo Ibama da construção de duas usinas hidrelétricas no rio Madeira, região Norte do país, o Correio da Cidadania conversa com Gilberto Cervinski, da direção nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
De acordo com Cervinski, as obras irão beneficiar principalmente indústrias transnacionais que requerem uma grande quantidade de energia, caso da metalúrgica Alcoa, e não trarão nenhum benefício para a população local - inclusive afetando um número de famílias muito maior do que o que está sendo divulgado pelos estudos realizados.
Correio da Cidadania: Qual é a realidade por trás das obras das hidrelétricas no rio Madeira?
Gilberto Cervinski: As hidrelétricas foram planejadas com o único interesse de atender as demandas por energia de multinacionais dos Estados Unidos e da Europa - em especial, as chamadas empresas eletro-intensivas, caso da norte-americana Alcoa. Atende também ao interesse das brasileiras Vale do Rio Doce e Votorantim, que também consomem muita energia; esta última, por exemplo, consome 4% de toda a energia disponível no Brasil.
No caso das transnacionais, estas sofrem com a crise energética em seus países e precisam, portanto, transferir suas indústrias para cá. Necessitam de energia barata para se viabilizar. Uma indústria de alumínio, por exemplo, só se viabiliza se paga menos de 34 dólares - ou menos de 70 reais - por megawatt/hora (MW/h). A Alcoa recebe da usina de Tucuruí, que é do governo, energia a 20 dólares o MW/h, enquanto o povo brasileiro paga mais de 200 dólares por MW/h. Isso é dez vezes mais.
CC: Qual será o impacto social e ambiental das obras na região?
GC: Um estudo publicado diz que serão deslocadas 1.800 pessoas, mas de acordo com nossas estimativas cerca de 5 mil famílias serão prejudicadas em toda a extensão de 260 quilômetros do rio afetada pelas obras.
As obras vão deixar um legado de muita exclusão social e muito pouco emprego, pois estas indústrias eletro-intensivas não os geram. São empresas de alta tecnologia, automatizadas. As pessoas da região serão expulsas, perderão sua fonte de renda e podem ter como destino as favelas.
O investimento é, na realidade, uma loucura. As duas hidrelétricas que obtiveram o licenciamento fazem parte de um conjunto de obras do chamado "Complexo do rio Madeira", que irá custar cerca de 43 bilhões de reais - dinheiro que sairá do BNDES para as mãos de quatro ou cinco empresas transnacionais.
A população de Rondônia é de 1,5 milhão de habitantes. Serão investidos no projeto, portanto, 28 mil reais por habitante - ou seja, é um investimento muito alto para algo que não tem nada a ver com as necessidades da população local, que não vai trazer progresso. Quantas casas, quantos hospitais, quantas escolas poderiam ser construídas com esse montante? Quantas famílias poderiam ser assentadas?
Os problemas ambientais também são graves, como por exemplo a possibilidade de contaminação pelo mercúrio que será utilizado nas indústrias. Com a liberação, há um documento condicionante, mas qual a garantia que esse documento trará? Está escrito que as empresas precisam resolver problemas em relação ao meio ambiente, mas o que ocorrerá se não resolverem?
CC: O que você acredita que está por trás da decisão de liberar as obras?
GC: O que está por trás é que o governo jogou no lixo sua história de vinte anos. O que estão fazendo é atender aos interesses dos grupos que, de fato, mandam no governo: o capital internacional e grupos financeiros. Teremos que esperar a história mostrar qual será o resultado dos investimentos que estão sendo feitos.
Outra coisa é que o Brasil tem um dos maiores potenciais de produção de energia elétrica através de barragens do mundo, e a Amazônia concentra 50% desse potencial. São 110 mil MW/h de potência na região. A liberação da construção das usinas significa liberar as obras em todos os rios que possuem esse potencial; por isso essa demonstração, essa sinalização de que as multinacionais podem se instalar na região pois o governo garantirá novas liberações.
CC: Você considera que tais projetos de obras cujos benefícios só servirão a poucos são o eixo principal do PAC?
GC: Com certeza. Dizemos que PAC significa "programa de afogamento dos camponeses", pois grande parte de seus investimentos não são para o povo e sim para a energia que será consumida pelos países centrais. Como há uma crise de energia no mundo, e essa energia tem como base o petróleo, o PAC atende a esse interesse de buscar novas fontes energéticas.
As grandes obras do programa servem para criar infra-estrutura e gerar energia para essas empresas multinacionais que sofrem com a crise energética e, ao mesmo tempo, fazer a transferência do dinheiro do povo do brasileiro a grupos do exterior. Para se ter uma idéia, as duas hidrelétricas do rio Madeira vão gerar um faturamento de 500 mil reais por hora para a empresa que ganhar a licitação - por isso, inclusive, está previsto o fechamento das minas de ouro que existem na região pelo lago artificial que será criado. A produção de energia vale mais do que ouro.
CC: Como será a agenda do MAB nestes próximos meses? Qual será a principal pauta do movimento?
GC: Nosso principal compromisso é enfrentar os projetos que não interessam ao povo. Um exemplo muito bom para nós foi a ocupação em Cabrobó contra a transposição do rio São Francisco.
Em setembro nos concentraremos na realização do plebiscito sobre o leilão da Vale do Rio Doce. O plebiscito abordará também a questão das tarifas de energia praticadas no país, e por trás das tarifas há a discussão de nosso modelo energético.
Em relação a questões mais imediatas, tenho a confiança de que o povo não irá aceitar a liberação da construção das usinas no rio Madeira. Haverá certamente uma reação.
Leia também a entrevista com Luiz Fernando Novoa Garzon e o texto de Marcelo Pompêo.
Publicado no Correio da Cidadania
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