janeiro 08, 2009

Desafiando o Rio-Mar: Flutuante Mamirauá/Tefé

Reserva de Mamirauá - Tefé - Amazonas - Brasil
Desafiando o Rio-Mar: Flutuante Mamirauá/Tefé

Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Hiram Reis e Silva (*)

- Mergulhando nas entranhas do Mamirauá

O Mamirauá é um poço de tranqüilidade, margens intocadas, a vegetação não é violentada pelas águas como a do Solimões. Passamos pela Pousada Uacari e chegamos ao flutuante onde fomos recebidos pelo senhor Ivo, que nos ofereceu um saboroso almoço/janta que havia sido preparado pelas pesquisadoras Juliane e Joana, as quais já teriam seguido destino a Tefé.

- Entusiastas Pesquisadoras

Fomos surpreendidos, ao entardecer, com o retorno da Juliane e da Joana e mantivemos um prazeroso contato com ambas. Juliane, veterinária gaúcha de Porto Alegre e pesquisadora de mamíferos aquáticos amazônicos (boto); Joana, carioca, da gema, trabalha com a ecologia de vertebrados terrestres, tendo como foco as ocas. Gravamos uma pequena entrevista com ambas contando suas histórias de vida e o objeto de sua pesquisa. Ambas demonstraram uma paixão pelo que fazem e a determinação com que enfrentam as vicissitudes do ambiente por vezes hostil.

- Primeira Manhã em Mamirauá (28 dez 2008)

Acordei cedo para tirar umas fotos do nascer do sol em Mamirauá. O alvorecer é fantástico, quase tão lindo como o do lago Guaíba, em Porto Alegre. Despedimo-nos das amigas pesquisadoras e saí de caíque para reconhecer e fotografar a área. A vegetação da várzea é formidável, as espécies evoluíram e se adaptaram às condições especiais das inundações sazonais, sobrevivendo apenas as mais fortes, o que explica ser sua biodiversidade menor do que a da vegetação de terra firme. As raízes, em especial, chamam a atenção dos mais sensíveis, parecem ter sido formadas por mãos celestiais.
Conhecemos, no Flutuante ‘Boto Vermelho’ do INPA, a pesquisadora carioca Sani, que trabalha sob a supervisão da nossa querida amiga Vera Silva, considerada referência mundial como pesquisadora de mamíferos aquáticos do planeta. Alegre, de bem com a vida, a Sani está perfeitamente integrada à região e ao seu trabalho. À tarde, ela veio nos visitar no Flutuante e saiu para passear com o caíaque duplo só voltando ao entardecer.

- Senhor Joaquim Martins (29 dez 2008)

O líder e patriarca da Comunidade da Boca do Mamirauá, senhor Joaquim, como havia prometido, veio nos visitar na manhã de segunda-feira, acompanhado do ‘Lula’, um de seus 38 netos. A chuva que começara à noite só parou por volta das 10h. O Senhor Joaquim ficou proseando e contando suas histórias. É impressionante o vigor físico, a lucidez deste ribeirinho que é um dos esteios da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Quando a chuva diminuiu, acompanhei-o na pescaria e sua destreza em arpoar e depois na técnica usada para pescar o tambaqui usando o ‘enganador’ e a ‘arati’ como iscas, justificam a fama de grande pescador que tem. Retornamos ao Flutuante e ele nos presenteou com o tambaqui que foi assado pelo zelador Ivo e saboreado no almoço.

- Peixes ornamentais

À tarde, chegou com sua equipe, o Jonas, especialista no manejo de peixes ornamentais. Participamos da captura de acarás à noite, numa preparação para a palestra que o Jonas iria ministrar na pousada e que seria concluída no laboratório do nosso Flutuante. À noite estava perfeita, embora sem lua, limpa e estrelada, prenunciando um bom tempo que não veio. No deslocamento da ‘voadeira’, diversas sardinhas, atraídas pela lanterna que o Jonas portava na testa, caíram dentro da nossa embarcação. No retorno, algumas delas serviram de repasto para o grande poraquê que habita um enorme aquário do laboratório.

- Efeitos da Chuva

Na madrugada de 30 de dezembro choveu torrencialmente, o que impediu novas capturas, e o dia raiou com uma precipitação bastante forte. Ajudamos o Ivo a desprender o capim memeca, que descia o rio em grandes ilhas, do flutuante e aproveitamos para ler um pouco e atualizar nossas anotações. O Romeu envolveu-se nas atividades culinárias. O Jonas realizou a palestra na Pousada e depois os turistas vieram até o laboratório do Flutuante. No laboratório, ele relatou que das mais de 300 espécies de peixes levantadas na reserva, menos de 20 são consideradas ornamentais e que destas apenas 3 fazem parte do projeto de manejo, que são o Acará-Bandeira, o Acaraçú e o Acara-Boari (mesonauta). Na oportunidade, um fotógrafo italiano chamado Valter insistiu que remássemos juntos para nos fotografar.

À tarde, fomos percorrer algumas trilhas ao longo dos canos do Mamirauá. As aves estavam exaltadas com a pesca fácil. A chuva aumenta a correnteza do Mamirauá e demais cursos, movimentando o lodo do fundo e liberando grande quantidade de gases. Toda a reserva recende a enxofre e os peixes são obrigados a subir à superfície em busca de oxigênio, tornando-se presa fácil dos predadores. O espetáculo proporcionado pelas garças, principalmente, é inenarrável. Achei a trilha, indicada pelo Jonas, fotografei as vitórias amazônicas, guaribas e outras raízes exóticas e retornei à base.

O Romeu tentava ensinar o Valter, nosso amigo italiano hospedado na Pousada Uacari, como remar. À noite, preparamos nossos apetrechos para seguir destino a Tefé na manhã de 31.

- Largada para Tefé

Um dos muitos genros de seu Joaquim foi designado para nos deslocar até a Boca do Mamirauá. Seu Joaquim e filhas nos agradavam com a alegria típica dos ribeirinhos. Aproveitamos para comprar alguns artesanatos fabricados pela comunidade e tiramos uma foto diante da Castanha Sapucaia mais famosa do mundo. Sua foto, na época da cheia, com uma pequena embarcação ao lado, ilustra diversas revistas e livros no mundo tudo. Já no lago Tefé, segui as orientações da pesquisadora Juliane e não tivemos problemas em localizar o flutuante do Instituto. O César, mais uma vez, com a atenção e cordialidade que lhe são peculiares, nos acolheu no porto, levou-nos até o clube militar de Tefé onde nos hospedamos, e nos levou após o banho para almoçar.

(*) Coronel de Engenharia; professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
Petrópolis - Porto Alegre - RS
90630 150
Telefone:- (51) 3331 6265
Site:
http://www.amazoniaenossaselva.com.br
E-mail:
hiramrs@terra.com.br
Desafiando o Rio-Mar: Mamirauá
Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
Hiram Reis e Silva (*)

- Sonho transformado em realidade

Depois de mais de 300 palestras realizadas na região sul nos últimos nove anos, em Universidades, Estabelecimentos de Ensino Médio, Cursinhos Pré-vestibulares, Lojas Maçônicas, Associações Comerciais e Organizações Militares, nos quais apresentávamos a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Mamirauá como modelo de preservação ambiental, chegou, finalmente, a oportunidade de conhecê-la ‘in loco’.

Graças ao amigo Stiger, conhecemos, no INPA, a pesquisadora Vera Silva, considerada a maior especialista em mamíferos aquáticos amazônicos do mundo. A Vera, na oportunidade, acenou-nos com a possibilidade de que poderíamos conseguir autorização para visitar a reserva através do Instituto Mamirauá. Já havíamos descartado totalmente a hipótese de conhecer a RDS, pois havíamos feito contato através da Pousada Uacari e a diária era impraticável. Os administradores não se sensibilizaram com nosso projeto científico-cultural envolvendo alunos do ensino médio e fundamental.

Já estávamos descendo o Solimões quando a Vera solicitou maiores informações sobre o projeto para encaminhá-las ao Instituto. Seguindo sua orientação, minha querida amiga Rosângela, de Bagé, RS, enviou toda documentação solicitada ao Gerente Operacional do projeto, senhor Josivaldo Modesto, conhecido como César, que se empenhou pessoalmente para que a autorização fosse concedida.

O resultado de todo este processo foi de que desde que entramos na área da reserva fomos abrigados em seus flutuantes, sem qualquer ônus e tratados como pesquisadores que somos. O César, em particular, tem sido incansável em nos apoiar, permitindo nosso acesso a todas as informações que solicitamos.

- RDS – Pequeno histórico

Até a década de 80, o macaco branco de cara vermelha, conhecido como uacari, só havia sido descrito no século XIX pelo naturalista inglês Henry Walter Bates. Em março de 1983, um biólogo paraense chamado José Márcio Ayres parte de Tefé no navio Gaivota, financiado por seu pai, para pesquisar os uacaris. Depois de diversas tentativas frustradas, Ayres aportou o Gaivota na Boca do Mamirauá. Após anos estudando os curiosos primatas, seu estudo foi publicado em 1986 e, em 1990, mais de um milhão de hectares da várzea, incluindo a área onde havia desenvolvido seu estudo, foram declarados pelo governo estadual como Estação Ecológica Mamirauá. Em 1992, foi criada a sociedade civil Mamirauá, com o intuito de coordenar pesquisas e trabalhos de extensão na reserva e, em 1996, a ONG publicou seu plano de manejo, visando o uso sustentável dos recursos naturais e o policiamento dos recantos mais longínquos da reserva. Ato contínuo, o governo estadual consagra estes princípios, criando a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá.

- A Várzea

Em decorrência das inundações periódicas, o rio Solimões, rico em nutrientes, proporciona o habitat ideal para a reprodução e berçário para mais das 300 espécies de peixes da reserva. Por outro lado, o crescimento desordenado dos grandes centros urbanos na Amazônia e a conseqüente busca por proteína barata, tornam a opção pela busca do pescado nos lagos e rios uma ameaça, tanto ao ecossistema de Mamirauá como de todos os outros.

- Pesquisa científica

O governo brasileiro, através do CNPq (Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e de doadores internacionais, financia projetos como o de estudo ecológico do pirarucu, a rádio-telemetria dos botos e do jacaré-açú, dentre outros, tornando o Mamirauá um centro de excelência para estudos relativos à floresta alagada.

- Extensão

Junto à população ribeirinha são desenvolvidos projetos de saúde, educação ambiental e técnicas agrícolas, com a experimentação de novas técnicas produtivas de árvores frutíferas, planos de manejo madeireiro sustentável e artesanato tradicional envolvendo cerâmica e cestaria, além da operação de uma rádio comunitária.

- Conclusão

Reputamos a RDS Mamirauá como modelo, tendo em vista o envolvimento democrático da população ribeirinha na absorção e aplicação de novas técnicas ambientais, no controle e fiscalização dos recursos naturais da reserva e a modelar ação norteadora do Instituto como organização científica de excelência, apresentando novas alternativas sustentáveis. A corrupção que verificamos em toda a nação, nos órgãos encarregados de fiscalizar os atos lesivos ao patrimônio genético e ambiental do país, mostra ser Mamirauá um modelo que deu certo e que está em constante reformulação e aperfeiçoamento. Nossos reiterados agradecimentos ao amigo César e a todos do Instituto pela cordialidade e carinho com que nos receberam.

(*) Coronel de Engenharia; professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
Petrópolis - Porto Alegre - RS
90630 150
Telefone:- (51) 3331 6265
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hiramrs@terra.com.br

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Desafiando o Rio-Mar: Rios de águas azuis, pretas e brancas

Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Hiram Reis e Silva (*)

- Rios de águas azuis

Os escudos brasileiro, ao sul, e das guianas, ao norte, são formados por rochas do período pré-cambriano, e os rios que têm suas nascentes nessas áreas são rios de águas claras e, em conseqüência, pobres em nutrientes.

- Rios de águas pretas

Os rios que nascem em áreas de sedimentos terciários são da cor do chá preto e muito pobres. No talvegue apresentam a cor mais escura, sendo conhecidos como rios de águas pretas.

- Rios de águas brancas

Por sua vez, os rios que nascem na cordilheira dos Andes são conhecidos como rios de água branca, em decorrência das cargas de sedimentos que trazem das montanhas.

- Controverso Japurá

O rio Japurá é um rio de águas brancas que começa a ser corrompido pelas águas do rio Auti-Paraná, na altura da cidade de Maraã, que carrega até ele as águas do Solimões. Mais adiante, ele recebe uma nova carga de água do Solimões no seu leito, através do paraná Aranapu. A tonalidade da água do Japurá provoca nos incautos uma confusão na sua classificação. É necessário que se observe, portanto, o rio à montante de Maraã para classificá-lo corretamente. Outros rios na Amazônia apresentam dificuldades na sua classificação, sendo necessário conhecê-los em toda a sua extensão para não incorrer em erro.

- Planícies alagadas

A cordilheira dos Andes é responsável pela maior descontinuidade climática da América do Sul. Desertos de um lado e vegetação luxuriante de outro. A grande responsável pela manutenção dessa vegetação são as chuvas. Grande parte delas é formada no Oceano Atlântico e empurrada pelos ventos alíseos.

- Mamirauá

As chuvas não são distribuídas uniformemente durante o ano. No Mamirauá, a época das chuvas mais intensas é de dezembro a março e o período da seca de julho a outubro. Esta variação no regime de chuvas provoca uma variação de até 12 metros no nível das águas, fazendo com que toda a área da reserva fique submersa, exigindo uma enorme capacidade de adaptação por parte da flora e da fauna local.

- Lagos

São mais de 600 lagos já identificados, que servem de importante fonte de subsistência para as comunidades da reserva. O mais importante deles é o Mamirauá, que foi, certamente, um meandro abandonado pelo rio-menino que encontrou um novo caminho mais retilíneo. O rio Solimões está em constante mudança e, em menos de uma década, é capaz de formar ilhas com vegetação.

Como os sedimentos trazidos pelo rio se depositam continuamente nas restingas altas, elas podem, no futuro, transformar-se em florestas de terra firme. Cada hectare da reserva abriga ‘apenas’ uma centena de espécies diferentes de árvores, e isso demonstra que as áreas de várzea não são capazes de sustentar os altos níveis de biodiversidade das terras firmes, tendo em vista as adaptações que as espécies tiveram de desenvolver para sobreviver.

(*) Coronel de Engenharia; professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
Petrópolis - Porto Alegre - RS
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Um comentário:

FLM disse...

Gostei muito de saber um pouco mais sobre Mamirauá...das experiências vividas. Essa espécie de relato é bastante valiosa para quem está procurando viajar pra conhecer esse lugar.