setembro 05, 2010

Dêem-me uma imagem e moverei o ibope, por Paulo José Cunha

nekneves | 30 de novembro de 2009
Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, recebendo dinheiro de propina em esquema de corrupção montado dentro do governo.

Gravada pelo então secretário de Relações Institucionais, Durval Barbosa, a fita anexada ao inquérito da Polícia Federal, desencadeou a Operação Caixa de Pandora na última sexta, que resultou no cumprimento de 29 mandados de busca e apreensão em gabinetes de órgãos públicos, residências e empresas em três cidades.

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TELEJORNALISMO EM CLOSE

Dêem-me uma imagem e moverei o ibope
                                                                                       Paulo José Cunha


         A equipe de José Serra sabe que somente um belo escândalo seria capaz de alterar os rumos da campanha eleitoral que se encaminha para uma vitória em primeiro turno da candidata petista Dilma Roussef. O problema é que um escândalo capaz de mexer com a cabeça do eleitor precisa ter força midiática. É fundamental que contenha os componentes que o façam “ver” o crime praticado, “sentir” o impacto desse crime em seu bolso, em sua vida, no futuro de sua família.

         O escândalo da invasão dos dados da receita dos tucanos de farta plumagem e até da filha do tucano-mor José Serra, em sociedades onde sigilo fiscal é reconhecido com direito fundamental do cidadão (como nos States, por exemplo), teria a força devastadora de um furacão. Bisbilhotar a intimidade do adversário já custou o mandato de Richard Nixon. E olha que Nixon nem mandou fazer o serviço sujo no edifício Watergate. Bob Woodward e Carl Berenstein apenas provaram que ele tinha conhecimento da invasão.

         A oposição brasileira, desesperada com a queda livre de Serra nas pesquisas, precisa urgentemente de um escândalo. O que apareceu é gravíssimo, do ponto de vista do direito à privacidade, direito assegurado constitucionalmente, mas fraquíssimo do ponto de vista do apelo midiático. Não tem força suficiente para mexer o ponteiro do ibope. Por mais que esteja sendo mantido nas primeiras páginas, não tem o poder de comoção de uma imagem como aquela, inesquecível, de 1 milhão e 300 mil reais em dinheiro vivo, apreendidos numa operação da Polícia Federal na sede da Lunus, a empresa do marido de Roseana Sarney, e que custou a candidatura dela à Presidência da República. Nem a força das maravilhosas imagens do mensalão do DEM, que valeram o mandato de José Roberto Arruda no Distrito Federal.   

         Na sociedade atual, dominada pela força do audiovisual, é praticamente impossível convencer o eleitor que recebe o bolsa-família a retirar o apoio a Dilma, candidata de Lula, e transferi-lo a Serra ou a qualquer outro oposicionista só porque alguém do PT teria ido espiar a declaração do imposto de renda de pessoas próximas ao seu adversário. “Que mal há nisso?”, deve estar pensando o eleitor da zona rural de Quixeramobim, no Ceará, conferindo a conta do bolsa-família. Se a denúncia não se consubstanciar numa boa imagem ou, no mínimo, numa boa gravação de conversa suspeita, não tem apelo algum.   
        
         Lamento informar, mas se querem mudar o rumo dos ventos, consigam rapidamente uma foto, um vídeo, uma imagem incriminadora, uma gravação de conversa comprometedora. Algo que detone os sentimentos de forma direta, sem a mediação do racional. Invasão de sigilo fiscal ou bancário ainda é inóquo para o cidadão comum do Brasil. Pode até funcionar nos States. No máximo, dá uma peninha do caseiro Francenildo, que teve a conta bancária revirada supostamente com o conhecimento do então ministro Antonio Palocci. Mais nada. Do ponto de vista da percepção imediata, para o cidadão comum, se não houver roubo, ferimento, morte, pedofilia ou estupro, então não existe crime. No máximo, “uma história que andam falando aí de alguém que andou vendo a conta bancária dos outros”, algo assim. Ainda mais se a denúncia não trouxer pelo menos a imagem, mesmo borrada, de uma cédula de 50 reais escondida numa cueca. “Dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo”, disse Arquimedes. Na sociedade midiática centrada no audiovisual é só trocar a palavra “alavanca” por “uma imagem”. Dessa forma, sim, dá pra mexer no ponteiro do ibope. Sem precisar nem de ponto de apoio. 


Paulo José Cunha é jornalista, professor universitário e poeta    

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