Serra: a fé de um ambientalista
Serra, que repentinamente se diz tão preocupado com o verde e com a vida, não sabe o be-a-bá ambientalista, não tem qualquer intimidade com os conceitos de uso corrente. Precisa de cola para falar sobre bioma, biota, biosfera, ambiente oligotrófico. Seu recente ambientalismo é de um oportunismo assaz atroz, soa tão falso quanto FHC lambendo os beiços depois de comer uma buchada de bode em Juazeiro (BA) na campanha eleitoral de 1994. O coração verde de Serra é porque ele torce pelo Palmeiras. Nada mais.
Eleições 2010. Dilma afirmou mesmo que nem Jesus Cristo impede que ela vença essas eleições? Quando? Onde? Para quem? Quem foi que ouviu? Não importa, a “notícia” está circulando velozmente no cyber espaço, onde se trava a guerrilha da informação, na qual alguém ataca e logo se esconde, subindo a serra do anonimato para evitar confrontos.
A mulher do José Serra, dona Mônica disse, de fato, que “Dilma é a favor de matar criancinhas”? E o aborto feito por dona Mônica Serra, denunciado por uma de suas ex-alunas de dança, ocorreu mesmo? Em quais circunstâncias? Quem entrevistou a ex-aluna? Para que serve essa informação? Por que vasculhar a privacidade alheia?
Vale tudo em busca do voto dos incautos, dos indecisos, dos desinformados. Histórias escabrosas de fontes duvidosas com informações inúteis e repetitivas, muitas delas falsas, bombardeiam diariamente os usuários da internet e entopem as caixas de correspondência. Nem sempre conseguimos distinguir o que é relato de um fato daquilo que é invencionice beirando a calúnia.
Se informação é tudo aquilo que reduz a incerteza, então esse entulho de dados falsos ou desnecessários constitui pura manipulação, gerando o que os estudiosos estão denominando de ‘obesidade informacional’. O obeso informacional perde um tempo precioso consumindo, em forma nada criteriosa, um excesso de ‘gordura’, que não é processada e digerida pela mente, nem é metabolizada de forma equilibrada, o que adoece o organismo.
Sugiro que as escolas reformulem o currículo e introduzam uma nova disciplina – Leitura na internet ou Nutrição Informacional – para ensinar os alunos a separarem o joio do trigo nas mensagens que circulam no ciberespaço.
Em nome da verdade, é preciso dizer que os dois candidatos pouco fizeram para evitar essa guerrilha. Depois de quase 20 milhões de votos dados a Marina Silva no primeiro turno, a gente esperava ouvir propostas sobre o meio ambiente no segundo turno. Afinal, um dos dois candidatos vai presidir o Brasil, que é a maior potência ambiental, com a mais rica biodiversidade do planeta. Mas no debate de domingo passado, eles não deram um pio sobre o tema. Piarão no próximo debate?
Até agora, ambos fizeram um silêncio ensurdecedor sobre o modelo de desenvolvimento que propõem e sobre seus projetos ambientais, o que pretendem fazer com os recursos naturais, a floresta amazônica, as terras indígenas, a poluição dos rios, o agrotóxico, o Código florestal, as mudanças climáticas, o lixo nas cidades, o trânsito, o excesso de carros, enfim, a qualidade de vida dos eleitores. Nem um pio.
O pio do Serra
Minto. O Serra deu um pio. Não no debate televisivo, frente a Dilma, que poderia replicar, mas sozinho, numa entrevista a uma rádio local de Chapecó (SC). O pio do Serra foi registrado pelo enviado especial da Folha de São Paulo, Ricardo Westin, que publicou uma matéria deliciosa assinada no domingo passado intitulada “Por votos de Marina, Serra afirma que é ambientalista”.
- Eu sou ambientalista, eu defendo muito o patrimônio florestal – disse Serra, jurando sobre a Bíblia que desde criancinha está preocupado com o tema, com o qual não revela a menor intimidade segundo narra o enviado da Folha, órgão insuspeito nesse caso:
- O tucano falou sobre a necessidade de respeitar as diferenças ambientais de cada região, mas se atrapalhou. “Tem que levar em conta as biodiversidades regionais. Como é que eles chamam? Bio...?”, questionou. E foi ajudado por um assessor. “Hein?”. E o assessor soprou novamente. “O bioma de cada local” – disse o tucano.
Ou seja, Serra, que repentinamente se diz tão preocupado com o verde e com a vida, não sabe o be-a-bá ambientalista, não tem qualquer intimidade com os conceitos de uso corrente. Precisa de cola para falar sobre bioma, biota, biosfera, ambiente oligotrófico. Seu recente ambientalismo é de um oportunismo assaz atroz, soa tão falso quanto FHC lambendo os beiços depois de comer uma buchada de bode em Juazeiro (BA) na campanha eleitoral de 1994. O coração verde de Serra será porque ele torce pelo Palmeiras. Nada mais.
Serra e Dilma acreditam que Marina ganhou votos também de um importante segmento religioso e não apenas dos eleitores preocupados com a questão ambiental. Saíram, portanto, à caça desses votos. No dia de Nossa Senhora Aparecida, a Folha publicou na primeira página foto do Serra, no palanque, em frente à multidão, beijando o terço, com uma cara de fé de mais, levando o Macaco Simão a questionar esse tipo de catolicismo: “católico mesmo é o Roriz, que em tudo que faz leva um terço”.
Só existe uma forma de avaliar a fé e a devoção dos dois candidatos: aplicando o teste das irmãs Feitosa, que andam sempre com a fé, que não costuma falhar.
O teste das Feitosa
As irmãs Feitosa – essas sim, mulheres de fé – puxam os hinos nas novenas de terça-feira na paróquia de Aparecida, em Manaus. Elas seriam convidadas a abrir o debate de hoje, na televisão, entoando o hino “Viva a Mãe de Deus e noooossa, sem pecado concebiiiida...”. Ganharia o candidato que completasse: “Salve oh Virgem Imaculaaaada, oh Senhora Apareciiiiida”. Ou então elas atacariam com o outro hino: “Virgem Mãe Apareciiiiiiida...”. Quem continuasse: “Estendeeei o vosso olhaaar” provaria que conhece mais o babado e tem mais capacidade para governar o Brasil.
Dou o meu pescoço francês em praça pública se um dos dois candidatos passar no teste. Essa espetacularização da fé – a Dilma pelo menos foi mais discreta - é algo assustador e ofensivo para quem vive a religião cotidianamente. De qualquer forma, declaro o meu voto no segundo turno para que os poucos leitores saibam com quem estão falando e se defendam do texto que estão lendo: agora é Dilma. E isso porque estou reginaduartemente morrendo de medo, pensando no exemplo da Alemanha nazista.
Lembro que Hitler foi eleito com o voto popular, derrotando a Social Democracia nas eleições de 1932, quando os nazistas elegeram 230 representantes para o Parlamento. Hitler conseguiu isso por causa da omissão do Partido Comunista, que se justificou, alegando que “não votava em traidores”, que eram os sociais-democratas. Leon Trotsky que lutava contra a Social Democracia, considerou, no entanto, um erro do Partido Comunista, declarando – cito de memória – algo assim como: “É preciso saber diferenciar, de um lado o amigo que está traindo os princípios, e de outro o inimigo que te golpeia e apunhala”.
Dilma, certamente, não é o inimigo que nos apunhala. É preferível elegê-la e no dia seguinte berrar na oposição, cobrando uma postura coerente com o programa original do PT, do que permitir, com o voto nulo, a vitória do obscurantismo e do retrocesso.
P.S. – Pereira deu pera. O meu melhor amigo amazonense, o cara que eu mais admiro, se tornou avô pela primeira vez no dia 13 de outubro. Sua filha teve um parto natural, de cócoras. Meu voto “no Serra não” é um compromisso com a neta desse amigo, a Ana de Natal, a Ana da Vila Feliz, a Ana Pereira que não pode ver o Brasil regredir, que merece ter a felicidade de viver num Brasil melhor.
*José Ribamar Bessa Freire é antropólogo, natural de Manaus e assina no “Diário do Amazonas” coluna semanal tida como uma das mais lidas da região norte. Reside no Rio de Janeiro há mais de 20 anos e é professor da UERJ, onde coordena o programa “Pró-Índio”. Mantém o blog “Taqui pra ti” e é colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
Charge: Carlos Latuff
Fonte: Quem tem medo do Lula?
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