Fim da impunidade na fronteira do medo
Por cinco votos a dois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, na quarta-feira 27, federalizar a investigação do assassinato do advogado e vereador do município de Itambé (PE) Manoel Mattos, executado no litoral da Paraíba em janeiro do ano passado. Além deste homicídio, a Polícia Federal também ficará incumbida de averiguar outros crimes relacionados à execução, atribuída a um grupo de extermínio que atua na divisa entre Paraíba e Pernambuco.
De acordo com organizações civis que acompanham a situação na chamada “fronteira do medo”, este esquadrão, integrado por policiais, seria responsável por ao menos 200 mortes nos últimos dez anos. Muitos dos casos nem sequer tiveram boletim ocorrência registrado ou inquérito instaurado.
Reconhecido defensor dos direitos humanos, Mattos denunciava os crimes na região e passou a sofrer ameaças. Chegou a ter proteção de agentes da Polícia Federal, graças a uma recomendação feita pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2002, mas passou os últimos dois anos de sua vida sem a escolta, interrompida pelo governo. Em 8 de setembro, o STJ iniciou o julgamento do pedido de federalização com o voto favorável da ministra relatora Laurita Vaz. A audiência acabou suspensa graças ao pedido de vistas de Celso Limongi.
Com a federalização, a competência dos processos de investigação e de julgamento é deslocada da esfera local para a federal. O instrumento, conhecido pela sigla IDC (Incidente de Deslocamento de Competência), foi criado em 2004, durante a reforma do Judiciário. É previsto apenas nos casos de grave violação aos direitos humanos e na qual se comprova a omissão dos órgãos estaduais na punição aos responsáveis. Há cinco anos, o mesmo tipo de recurso foi avaliado pelo STJ no caso do assassinato da irmã Dorothy Stang, mas foi julgado improcedente. A morte de Mattos constitui primeiro pedido de IDC aprovado no País.
No pedido formulado pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e apresentado à Corte em junho de 2009, é requisitada a efetiva investigação dos agentes de segurança pública estaduais suspeitos de participar ou de serem complacentes com o grupo de extermínio. Também solicita a apuração da possível omissão de promotores e juízes na apuração.
Os ministros do STJ divergiram quanto a possibilidade de a federalização ser aplicada a todos os homicídios na região com suspeita de participação do grupo de extermínio. Prevaleceu o entendimento da relatora de que apenas o assassinato de Mattos e os demais crimes conexos deveriam ser objetos de investigação na esfera federal. Mesmo assim, as organizações que denunciam a atuação do esquadrão da morte mostram-se confiantes. “Se a Polícia Federal começar a investigar, perceberá que todos esses homicídios têm ligação. O Manoel Mattos só foi executado, na verdade, por denunciar a atuação desse grupo”, afirma a advogada Andressa Caldas, diretora da ONG Justiça Global, que propôs à Procuradoria-Geral da República a federalização desses casos.
Na avaliação dela, o resultado da votação representa uma grande vitória, até por ter rompido com a resistência no Judiciário em autorizar o deslocamento de competência. “Muitos juízes entendem que isso seria um reconhecimento da inaptidão da Justiça estadual e, assim, poderiam expor os colegas, mas não é caso. Muitos promotores cumprem o seu papel de fiscalização e esbarram nas deficiências do aparato policial local ou passam a sofrer ameaças. O IDC serve, inclusive, para proteger esses agentes estaduais de eventuais pressões.”
Como exemplo ela cita o caso da promotora Rosemary Souto Mayor, da comarca de Itambé (PE), que passou a ser ameaçada após investigar a atuação do grupo de extermínio. A OEA recomendou que ela passasse a contar com escolta policial. “O problema é que essa proteção é feita, hoje, por policiais militares, o que consideramos inadequado, tendo em vista que o grupo de extermínio é integrado por colegas de farda. O ideal seria uma proteção da Polícia Federal, que não tem envolvimento no caso.”
Em entrevista ao Correio Braziliense, em setembro deste ano, a promotora confirmou que, em grande medida, a omissão estatal se deve à intimidação. “As pessoas têm medo de sofrer represálias e até mesmo de serem mortas ao investigar.”
Com a Polícia Federal no caso, prevê a advogada da Justiça Global, os promotores terão mais condições de investigar os integrantes do grupo de extermínio e as testemunhas se sentirão mais a vontade para denunciá-los. “A expectativa é que os agentes da PF apontem não apenas os executores, mas também os mandantes dos crimes e todos aqueles que deram respaldo para o grupo permanecer impune por tanto tempo”, completa Caldas.
De acordo com organizações civis que acompanham a situação na chamada “fronteira do medo”, este esquadrão, integrado por policiais, seria responsável por ao menos 200 mortes nos últimos dez anos. Muitos dos casos nem sequer tiveram boletim ocorrência registrado ou inquérito instaurado.
Reconhecido defensor dos direitos humanos, Mattos denunciava os crimes na região e passou a sofrer ameaças. Chegou a ter proteção de agentes da Polícia Federal, graças a uma recomendação feita pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2002, mas passou os últimos dois anos de sua vida sem a escolta, interrompida pelo governo. Em 8 de setembro, o STJ iniciou o julgamento do pedido de federalização com o voto favorável da ministra relatora Laurita Vaz. A audiência acabou suspensa graças ao pedido de vistas de Celso Limongi.
Com a federalização, a competência dos processos de investigação e de julgamento é deslocada da esfera local para a federal. O instrumento, conhecido pela sigla IDC (Incidente de Deslocamento de Competência), foi criado em 2004, durante a reforma do Judiciário. É previsto apenas nos casos de grave violação aos direitos humanos e na qual se comprova a omissão dos órgãos estaduais na punição aos responsáveis. Há cinco anos, o mesmo tipo de recurso foi avaliado pelo STJ no caso do assassinato da irmã Dorothy Stang, mas foi julgado improcedente. A morte de Mattos constitui primeiro pedido de IDC aprovado no País.
No pedido formulado pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e apresentado à Corte em junho de 2009, é requisitada a efetiva investigação dos agentes de segurança pública estaduais suspeitos de participar ou de serem complacentes com o grupo de extermínio. Também solicita a apuração da possível omissão de promotores e juízes na apuração.
Os ministros do STJ divergiram quanto a possibilidade de a federalização ser aplicada a todos os homicídios na região com suspeita de participação do grupo de extermínio. Prevaleceu o entendimento da relatora de que apenas o assassinato de Mattos e os demais crimes conexos deveriam ser objetos de investigação na esfera federal. Mesmo assim, as organizações que denunciam a atuação do esquadrão da morte mostram-se confiantes. “Se a Polícia Federal começar a investigar, perceberá que todos esses homicídios têm ligação. O Manoel Mattos só foi executado, na verdade, por denunciar a atuação desse grupo”, afirma a advogada Andressa Caldas, diretora da ONG Justiça Global, que propôs à Procuradoria-Geral da República a federalização desses casos.
Na avaliação dela, o resultado da votação representa uma grande vitória, até por ter rompido com a resistência no Judiciário em autorizar o deslocamento de competência. “Muitos juízes entendem que isso seria um reconhecimento da inaptidão da Justiça estadual e, assim, poderiam expor os colegas, mas não é caso. Muitos promotores cumprem o seu papel de fiscalização e esbarram nas deficiências do aparato policial local ou passam a sofrer ameaças. O IDC serve, inclusive, para proteger esses agentes estaduais de eventuais pressões.”
Como exemplo ela cita o caso da promotora Rosemary Souto Mayor, da comarca de Itambé (PE), que passou a ser ameaçada após investigar a atuação do grupo de extermínio. A OEA recomendou que ela passasse a contar com escolta policial. “O problema é que essa proteção é feita, hoje, por policiais militares, o que consideramos inadequado, tendo em vista que o grupo de extermínio é integrado por colegas de farda. O ideal seria uma proteção da Polícia Federal, que não tem envolvimento no caso.”
Em entrevista ao Correio Braziliense, em setembro deste ano, a promotora confirmou que, em grande medida, a omissão estatal se deve à intimidação. “As pessoas têm medo de sofrer represálias e até mesmo de serem mortas ao investigar.”
Com a Polícia Federal no caso, prevê a advogada da Justiça Global, os promotores terão mais condições de investigar os integrantes do grupo de extermínio e as testemunhas se sentirão mais a vontade para denunciá-los. “A expectativa é que os agentes da PF apontem não apenas os executores, mas também os mandantes dos crimes e todos aqueles que deram respaldo para o grupo permanecer impune por tanto tempo”, completa Caldas.
Rodrigo Martins
Rodrigo Martins é repórter da revista CartaCapital há quatro anos. Trabalhou como editor assistente do portal UOL e já escreveu para as revistas Foco Economia e Negócios, Sustenta!,Ensino Superior e Revista da Cultura, entre outras publicações. Em 2008 foi um dos vencedores do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
Fonte: CartaCapital
Nenhum comentário:
Postar um comentário