Querida Marilia, não se assuste.
A Marina não engana ninguém
Publicado em 07/10/2010
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Marilia, você reconhece alguém ali em Hades ?
Este ordinário blogueiro toma a liberdade de reproduzir troca de e-mails com sua irmã, a muito inteligente Marilia, professora da Universidade de Paris e, quatro meses por ano, moradora de um simpático apê, diria o Ibrahim, em Ipanema.
Disse a Marilia:
Cher, acabo de chegar da Grécia. Foi tudo excelente, depois eu conto. Por ora, veja esse excelente artigo sobre o eco-capitalismo da Marina. Ele traça o perfil exato dos eleitores da Marina que estão, infelizmente, entre alguns dos meus amigos …
Bjs,
Marilia
(Leia o artigo de Vladimir Safatle logo abaixo da minha resposta)
Aqui, a resposta deste ordinário blogueiro:
Marilia, dear,
Eu tinha lido. O Safatle é ótimo.
Só que a questão política no primeiro turno mudou de curso, para o lado calhorda, sub-reptício: o do aborto.
É a treva absoluta.
E você sabe muito bem quem habita Hades.
Dear, os teus amigos são, agora, o que sempre foram, os da classe média da nossa Zona Sul: tucanos com a sunga do Gabeira.
Não mudam o resultado da eleição.
A Marina teve 20% dos votos.
Uns 5 ou 8% são lacerdistas (você sente o cheiro limpinho, Natural, de longe) que vão votar no Serra, como votam desde o Brigadeiro.
O resto, desviado momentaneamente pelo aborto, volta para a Dilma.
O aborto é a foto do dinheiro dos aloprados de 2006: assustou uma parte do eleitorado.
Com os esclarecimentos, volta tudo a se alinhar com o Lula, a Dilma.
Ainda mais agora que o Aécio conseguiu pendurar o FHC – e o Dantas, aquele velho amigo meu – no pescoço do Serra.
Quero ver o Serra levar o FHC para um comício ali no Pavão-Pavãozinho, atrás da tua casa, em Ipanema.
Eles sobem numa viagem do elevador do Rubem Braga e descem correndo na viagem seguinte.
Não se assuste.
A Marina não engana ninguém.
Aquilo ali não tem um pingo de consistência.
É vaidade pura, verde – e, agora, ressentimento roxo.
Da mesma natureza daquilo que o Iago instalou no peito do Otelo.
Bjs, saudades.
PH
Repassando texto do Prof. Vladimir Safatle, da USP.
Marina Silva em Wall Street
Com o programa econômico mais liberal entre todos, PV apresentou o novo centro, com roupagem “moderna”
Wladimir Safatle, Folha de S.Paulo, 4 de outubro de 2010
“Wall Street” é, entre outras coisas, o nome do novo filme do cineasta norte-americano Oliver Stone. Ele conta a história da crise financeira de 2008 tendo como personagem central um jovem especulador financeiro que parece ter algo semelhante ao que um dia se chamou pudor.
Sua grande preocupação é capitalizar uma empresa, que visa produzir energia ecologicamente limpa, dirigida por um professor de cabelos brancos e ar sábio. O jovem especulador é, muitas vezes, visto pelos seus pares como idealista. No entanto, ele sabe melhor que ninguém que, depois do estouro da bolha financeira, os mercados irão em direção à bolha verde. Mais do que idealista, ele sabe, antes dos outros, para onde o dinheiro corre. Enfim, seu pudor não precisa entrar em contradição com sua ganância.
Neste sentido, “Wall Street” foi feliz em descrever esta nova rearticulação entre agenda ecológica e mundo financeiro. Ela talvez nos explique um fenômeno político mundial que apareceu com toda força no Brasil: a transformação dos partidos verdes em novos partidos de centro e o abandono de suas antigas pautas de esquerda.
A tendência já tinha sido ditada na Europa. Hoje, o partido verde alemão prefere aliar-se aos conservadores da CDU (União Democrata-Cristã) do que fazer triangulações de esquerda com os sociais-democratas (SPD) e a esquerda (Die Linke). Quando estiveram no governo de Schroeder, eles abandonaram de bom grado a bandeira pacifista a fim de mandar tropas para o Afeganistão. Com o mesmo bom grado, eles ajudaram a desmontar o Estado do bem-estar social com leis de flexibilização do trabalho (como o pacote chamado de Hartz IV). Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do partido verde francês, fez de tudo para viabilizar uma aliança com os centristas do Modem. Algo que soaria melhor para seus novos eleitores que frequentam as praças financeiras mundiais.
No Brasil, vimos a candidatura de Marina Silva impor-se como terceira via na política. Ela foi capaz de pegar um partido composto por personalidades do calibre de Zequinha Sarney e fazer acreditar que, com eles, um novo modo de fazer política está em vias de aparecer. Cobrando os outros candidatos por não ter um programa, ela conseguiu esconder que, de todos, seu programa era o economicamente mais liberal. O que não devia nos surpreender. Afinal, os verdes conservaram o que talvez havia de pior em maio de 68: um antiestatismo muitas vezes simplista enunciado em nome da crença na espontaneidade da sociedade civil.
Não é de se estranhar que este libertarianismo encontre, 40 anos depois, o liberalismo puro e duro. De fato, a ocupação do centro pelos verdes tem tudo para ficar. Ela vem a calhar para um eleitorado que um dia votou na esquerda, mas que gostaria de um discurso mais “moderno”. Um discurso menos centrado em conflitos de classe, problemas de redistribuição, precarização do trabalho e mais centrado em “nova aliança”, “visão integrada” e outros termos que parecem saídos de um manual de administrador de empresas zen. Alguns anos serão necessários para que a nova aliança se mostre como mais uma bolha.
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VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP.
Fonte: Conversa Afiada
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