outubro 03, 2014

"A censura é criada no Pará antes do jornal a censurar", por Lúcio Flávio Pinto

PICICA: "A censura à imprensa foi estabelecida no Pará antes mesmo da publicação de qualquer jornal impresso. Esse extremado espírito repressivo se manteve durante a maior parte do desenvolvimento jornalístico no Estado. Ao mesmo tempo em que os jornais eram usados como autênticos centros de propaganda política, os donos do poder procuravam impedir as críticas e controlar o funcionamento da imprensa."

A censura é criada no Pará antes do jornal a censurar



Este é o último dos textos relativos à Cabanagem que escrevi para o suplemento de aniversário de O Liberal em 1978. Reproduzo apenas a parte relativa à trajetória da imprensa até a Cabanagem.

A censura à imprensa foi estabelecida no Pará antes mesmo da publicação de qualquer jornal impresso. Esse extremado espírito repressivo se manteve durante a maior parte do desenvolvimento jornalístico no Estado. Ao mesmo tempo em que os jornais eram usados como autênticos centros de propaganda política, os donos do poder procuravam impedir as críticas e controlar o funcionamento da imprensa.

Por isso, entre 1822 e 1908, período levantado pelo historiador Manuel Barata, existiram no Pará 494 publicações, a extrema maioria com vida curta, mas ao menos, no caso dos numerosos pasquins, intensa.

Foi a Junta Governativa Provincial, eleita em 1821, que decidiu instituir a censura à imprensa. Esse controle estatal da liberdade de pensamento era adotado justamente no momento em que o Pará aderia às ideias liberal da revolução do Porto, do ano anterior, paradoxo bastante caro aos regimes de então.


Primeiro, a censura

A junta censora foi criado antes do surgimento de qualquer jornal, mas demonstrava a preocupação dos comerciantes portugueses, muito conservadores, com o aparecimento de diversos pasquins, que corriam de mão em mão espalhando as novas ideias de libertação e atacando a classe dirigente.

Apesar de Belém ter nessa época menos de 15 mil habitantes, dos quais um terço eram escravos, reduzindo o público com acesso a esses escritos, a junta resolveu adotar medidas preventivas que impedissem a difusão de ideias contrárias ao regime. Assim, proibiu a publicação de artigos de crítica à religião católica ou aos bons costumes e à moral, além de ataques pessoais.

Para poder publicar seus artigos, o autor deveria apresentar aos censores três cópias do texto, também o copiador devia assinar o artigo e os autores e copiadores “ficarão responsáveis pelos fatos que nele se contiverem”.


A primeira junta de censura era integrada pelo chantre Joaquim Pedro de Morais Bittencourt, membro de uma família de senhores de engenho; pelo médico e naturalista português Antonio Correa de Lacerda e pelo frei João Antonio do Livramento Lacerda, homem de “estofo cultural”, segundo o historiador Arthur Cezar Ferreira Reis. Lacerda acabou renunciando ao cargo, mas ainda propôs quatro medidas para responsabilizar os jornalistas por artigos que divulgassem.

Arthur Reis acha que a criação da censura foi uma medida precipitada, já que não existia ainda publicação impressa, apenas pasquins feitos à mão e que circulavam clandestinamente. Eram panfletos incendiários, mas Ferreira Reis considerava que essa papelada “evidentemente não seria levada ao exame da censura”. Baseado nas suas pesquisas, ele concluiu que a censura não chegou a atuar.

Depois, o jornal 

Ainda que não tenha desempenhado realmente seu papel repressivo, a censura certamente causou intimidação à nascente imprensa paraense. O primeiro jornal, O Paraense, só apareceria em 1822, para servir à agitação de Felipe Patroni. Dois anos antes, João Francisco Madureira Pará abriu, moldou e fundiu caracteres e construiu um torculo, com dinheiro conseguido através de subscrição pública, formando uma oficina tipográfica, que começaria a funcionar em 28 de maio. Entre outros produtos, ela imprimiu o folheto O despotismo desmascarado ou a verdade denodada.

A gráfica que imprimiria o primeiro jornal foi adquirida em Lisboa, por associação de Patroni com um alferes de milícias baiano e um tenente de milícias paraense, Domingos Simões da Cunha e José Batista Camecran. Com a máquina vieram Daniel Garção de Melo, um português que chefiaria a oficina, um tipógrafo francês, Luiz José Lazier, e outro espanhol, João Antonio Alvarez. Seriam os primeiros operários especializados, de três nacionalidades distintas, que se responsabilizariam pela impressão de boa parte dos jornais desse período.

Apesar de oposicionista, O Paraense tinha, em princípio, uma linguagem moderada. Só quando Patroni foi remetido para Lisboa a fim de responder a processo por desacato ao rei, em novembro de 1822, Batista Campos assumiu o jornal e deu-lhe maior agressividade. Passou a atacar o virulento comandante das armas, brigadeiro José Maria de Moura.

Batista Campos procurava dosar os ataques pessoais ao português Moura com a reprodução de proclamações oficiais e artigos de jornais fluminenses favoráveis à independência. Perseguido, entregou o jornal ao também cônego Silvestre Antunes Pereira da Serra, de posições conciliatórias. Mesmo assim o jornal não suportou as pressões, deixando de circular em fevereiro de 1823, ao atingir a 70ª edição.


A sociedade foi então dissolvida e Daniel Garção assumiu o controle, criando a Imprensa Constitucional, que passou a editar O Luso Paraense, com posição diametralmente contrária: pela união do Pará a Portugal. A mesma tipografia editaria ainda O Independente, terceiro jornal paraense, e O Verdadeiro Independente, primeiro órgão oficial, pró-Portugal.

Combate no começo

Até a eclosão da Cabanagem, circulariam em Belém 31 jornais, dos quais 22 entre 1831 e 1835. Os mais duradouros foram O Verdadeiro Independente (1824/27) e o Correio do Amazonas (1831/34). Todos os jornais desse período são partidários, dividindo-se no apoio intransigente à continuidade dos vínculos com Portugal, pela independência completa ou por uma posição conciliadora, combinando os interesses opostos.

Boa parte deles pertencia a um mesmo grupo, que apenas trocava o nome do jornal para escapar às perseguições. As principais figuras dessa etapa são o cônego Silvestre, conciliador, o cônego Batista Campos, pela independência, e José Ribeiro Guimarães, colonialista, que trocavam entre si, pelos jornais que dirigiam, ideias e insultos.

Depois de O Paraense, o jornal de maior impacto foi a Sentinela Maranhense na Guarita do Pará, dois números escritos por Vicente Lavor Papagaio, mulato panfletário que acompanhava Batista Campos. Circulando em 1834, o jornal combatia ferozmente o presidente da província, Bernardo Lobo de Sousa, incitando a população à rebelião. Lavor Papagaio foi deportado para o Maranhão, sua terra natal, onde morreu pouco depois, assassinado pelos seus inimigos.

No ano em que rompeu a Cabanagem, circularam em Belém apenas três jornais, dois dos quais oficiosos. Os cabanos provavelmente não chegaram a lançar um jornal, restringindo suas comunicações a ordens e manifestos. De 1837, quando foi lançado um novo jornal, até 1870, registra-se uma fase menor da imprensa, embora com 89 novos periódicos. O primeiro dos grandes jornais daria sua partida em 1840, o Treze de Maio, fundado por Honório José dos Santos como órgão oficial, mas restringindo bastante o noticiário político-partidário para dar mais destaque às notícias. Foi o jornal de mais longa duração desse período: 22 anos. A história já era outra.

Fonte: CABANAGEM

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