outubro 08, 2014

"Tenho muitas razões para não votar em Dilma. Mas tenho todas para não querer a vitória de Aécio", por Adriano Pilatti

PICICA: "Tenho muitas razões para não votar em Dilma. Mas tenho todas para não querer a vitória de Aécio. E não tenho como não tentar fazer o que de decente houver ao meu alcance para ajudar a evitar que ele vença, a começar pelo voto."
Tenho muitas razões para não votar em Dilma. Mas tenho todas para não querer a vitória de Aécio. E não tenho como não tentar fazer o que de decente houver ao meu alcance para ajudar a evitar que ele vença, a começar pelo voto.

Num sistema presidencialista, personalidades contam, e muito, por isto me permito dizer: não gosto de Dilma. Para falar a verdade, entre junho do ano passado e julho deste, instalou-se em mim uma verdadeira ojeriza dela. Para persistir no voto, talvez tenha até de deixar de assistir as “eleições da TV”, para não me irritar com seu jeito burocrático, pretensioso, autoritário e estúpido de ser, no duplo sentido do último termo. Vou votar nela apesar dela e dos governistas. Já depositei minha confiança nela uma vez e seu desempenho me decepcionou muito.


Não votei nela no primeiro turno, votei à esquerda dela, coisa que ela e seu séquito sequer reconhecem que existe. E uma das razões de não votar foi a estratégia barraqueira que adotaram para escolher o adversário no segundo turno – e escolheram muito mal, em todos os sentidos. Vou tentar ajuda-los a enfrentar as consequências de mais esse erro sem esperar sequer a correção de rumos que desejaria em tantas questões. Porque sei que não virá: meu voto não será uma renovação de confiança nela; meu voto será um veto a Aécio. Não vou escolher quem vai me representar, vou escolher o adversário que considero menos nefasto para os movimentos e as lutas por direitos.


Mas meu voto tem também uma dimensão de confiança que me alegra. Não no governo, nem nos governistas. É um voto de confiança na esquerda do PT e na brava juventude do partido – uma juventude tão porreta quanto a do PSOL, como a presença de ambas, lado a lado com o(a)s menino(a)s desobedientes nas ruas, demonstrou belamente. Confiança de que ele(a)s não só manterão como tentarão ampliar a capacidade de funcionar como contrapeso pró-movimentos diante da ativismofobia de sua presidentA e dos governistas. Como o fizeram em pelo menos três momentos cruciais na resistência à repressão das manifestações, e tenho certeza do que falo. É também um voto de esperança de que a esquerda do PT consiga preservar esse belo experimento de organização popular, face ao processo de degradação interna que o governismo lhe está impondo.


Só o voto de esquerda pode tirar Dilma e o governismo do atoleiro em que se meteram. E, se conseguirmos fazê-lo, podemos estar certos de que ele(A)s não reconhecerão isso. Mas para mim e para muito(a)s não vale a máxima: “agora que sabemos quem é o culpado podemos ficar tranquilos – e omissos”. Compreendo que muito(a)s militantes de esquerda, que não votaram, ou votaram em Marina ou em outro(a)s, tenham, pelo menos desde junho de 2013, feridas ainda abertas e difíceis de cicatrizar. Eu mesmo as tenho, e não tenho sequer a certeza de não vir a adquirir novas depois que outubro passar. Mas para mim e muito(a)s, não se trata disso agora. Trata-se de decidir se contribuiremos ou não para livrar o povão da peste que será o retorno de um governo demofóbico açulado pela horda de predadore(a)s que botou a cabeça pra fora de domingo pra cá.


É por isso que louvo o desprendimento da atitude exemplar de Freixo – espero que a restante cacicada do PSOL o acompanhe, porque a militância o fará, com ou sem os caciques. Esse e outros posicionamentos demonstram que existe um campo de esquerda consequente e responsável que atravessa o PT, alguns partidos e outras forças à sua esquerda, inclusive da própria Rede. E a possibilidade de que essa militância – que já esteve lado a lado em tantas lutas, continua a fazê-lo pontualmente, e o fez corajosamente nas ruas – volte a agir em conjunto representa uma alegria que por si só atenua os dissabores da empreitada. Daí podem nascer experimentos de composição que permitam a reconfiguração do campo de esquerda de 2015 em diante. O que será inevitável, ganhe quem ganhar.


O(a)s que não nos deixamos dobrar pelo medo não devemos nos deixar dobrar agora pelo ressentimento. Algo maior está em jogo. Algo muito muito maior que a pequenez de Dilma e do governismo. Não “apenas” a preservação das políticas inclusivas e redistributivas: uma nova maré montante de mobilizações irá se desencadear mais cedo ou mais tarde, e não será inútil ter, “do lado de lá”, um governo em cujo partido existem forças capazes de sustentar uma luta interna que impeça desatinos repressivos – como, repito, já impediu nos últimos 16 meses. Desatinos repressivos que um eventual governo Aécio não vai querer nem poder evitar, porque não tem qualquer contrapeso dessa natureza. Como Marina também não tinha. Ninguém gosta, mas de vez em quando é inevitável: chegou a hora de engolir sapo(A) – é a condição para manter o jacaré no pântano. Então deixemos as mágoas de lado somente por três semanas e vamos à luta. Agora é Dilma. E, em 27 de outubro, oposição. Vou nessa, fui.


Fonte: Adriano Pilatti

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