Foto: Colégio Dom Bosco, Manaus-AM, Cartão Postal - A Favorita
Na Manaus dos anos 50/60, educação de qualidade
estava presente tanto nas escolas públicas quanto
nas escolas particulares, como o Colégio Salesiano
Dom Bosco. Memorialistas da infância dizem que
este colégio só era "freguês" do Colégio Estadual do
Amazonas na festa cívica do 7 de Setembro.
Nota: O jornalista amazonense Diocleciano Bentes de Souza, antes de se aposentar como professor da Universidade Federal do Amazonas trabalhou em São Paulo na Folha de São Paulo nos anos 70/80; presidiu, por duas vezes, o Sindicato dos Jornalistas do Amazonas, e esteve à frente da criação de pelo menos dois jornais em Manaus. Reconhecido memorialista da vida política e social de Manaus, seu livro "Por trás das Rotativas" é aguardado com grande expectativa. Mantém em sua casa um pequeno cinema - Cine Yayá, em homenagem à proprietária do extinto Cine Avenida -, aberto às terças-feiras para os amigos diletos. Na sua última gestão frente ao Sindicato dos Jornalistas, abrigou a Associação Chico Inácio - ong composta por familiares, usuários e técnicos de saúde mental - que passaram a dispor de uma base física para organização do movimento por uma sociedade sem manicômios: por um cochilo histórico, esse movimento simbolicamente criado em São Paulo em 1987, só passou a despertar os corações e mentes dos amazonenses a partir dos anos 2000. Leia o seu depoimento sobre os loucos de rua, enviado por e-mail: uma pequena amostra do exercício de tolerância praticado na acolhedora cidade da Manaus dos anos 50/60.
Depoimento de Deocleciano Bentes de Souza
Meu caro Rogelio,
Ela perambulava com seu filho no colo no centro de Manaus nos idos de 60. Vivia próxima dos veículos de comunicação que a cidade possuía. Na Eduardo Ribeiro, a Rádio Baré, o Jornal do Commércio, o Jornal e o Diário da Tarde. Na Saldanha Marinho, A Gazeta. Na Henrique Martins, A Tarde. Na Joaquim Sarmento, a Rádio Difusora e na Lobo D'Almada, A Crítica. Era a "Nega Maluca" uma mulher de cor que carregava seu filho de um ano de idade para todo o canto, caracterizando muito bem o personagem da marcha de carnaval "Nega Maluca" cantada pelo Black-out, com acompanhamento de Severino Araujo e seu conjunto, sucesso do carnaval daquele ano, e que chegava a Manaus através das chanchadas da Atlântida que faziam sucesso nas sessões das 16 horas no luxuoso cinema Odeon, o único lugar em Manaus que tinha um clima decente.
"Nega Maluca" vivia da caridade das pessoas sensibilizadas com a criança, que com seu amor de mãe ela não largava para nada. Suas refeições eram feitas com as sobras da Pensão Maranhense, ali na Eduardo Ribeiro. Seu filho mamava café com leite em uma garrafa de refrigerante com um bico de borracha vermelho, que ela conseguia na Leiteria Amazonas, uma das lanchonetes chiques. No finalzinho das tardes ela ia até a Rua Tapajós, levar o seu filho, para o padrinho, o Desembargador André Vidal de Araujo, ver, quando ganhava de dona Milburges algumas roupas.
Era gostoso quando a malta gritava "Nega Maluca"e ela respondia com os mais cabeludos impropérios de seu parco vocabulário, fazendo as alunas da Escola Normal ficarem ruborizadas, naquela provinciana e ingênua Manaus. Não sei do seu fim nem do seu filho.
O outro era de família tradicional de Manaus, tinha estudado música, e morava em uma bela residência na Av. Joaquim Nabuco. Todas as manhãs, bem cedinho conseguia driblar a vigilância da familia e ia para a Praça da Polícia. Era o Bombalá, o melhor maestro que a Banda de Música da nossa briosa Policia Militar já teve. Marchava garbosamente com sua batuta à frente da banda durante os exercícios de formatura que a PM realizava com seus oficiais e praças pela Av. Floriano Peixoto.
Aos domingos, Bombalá exercitava o seu trabalho de maestro durante as apresentações que a banda fazia no coreto da Praça Eliodoro Balbi. Não fazia mal a ninguem, e quando recebia aplausos respondia com um sorriso alegre com sua boca desdentada. Era o tempo em que a operação mais perigosa que a Polícia Militar executava era correr atrás dos empinadores de papagaios. Nas paradas cívicas do 5 e do 7 de setembro, lá estava o Bombalá, envergando seu pijama de listas azuis, como um prisioneiro de seus próprios sonhos. Pela sua dedicação, acredito que tenha sido reformado como oficial músico.
Tinha outro maravilhoso. Era o Tom Mix, que fazia ponto na porta do Cine Gaurany, nas sessões das 13 horas, impecavelmente vestido com seu chapéu de vaqueiro, sua blusa quadriculada, seu colete, sua calça de brim azul, suas longas botas e suas cartucheiras com os dois coltes 45 da Estrela na cintura. O filme do Roy Rogers levava uma multidão de garotos ávidos por aventura para o cinema, e ao encontrar o Tom Mix na porta do cinema fazia a nossa imaginação acreditar que o artista estava ali, vivo e a cores. Eu mesmo tinha esperança de um dia encontrar o Tom Mix montado em seu cavalo. Tom Mix era irmão do Coronel Trigueiro, comandante da Policia Militar do Amazonas, que era vizinho do Colégio Estadual e seu Velho Oeste estava restrito aos cinemas Polyteama e Guarany, onde perseguia os bandidos e os índios sioux de seus devaneios. Até hoje quando cruzo a esquina da Getúlio Vargas com a Sete de Setembro vejo o Tom Mix, com seus revólveres de espoletas, perseguindo uma quadrilha de malfeitores.
Foi uma época muito boa de Manaus.
Um abraço,
Deocleciano Bentes de Souza
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