Cartum: Rio de Janeiro-RJ, Cidade Maravilhosa
O Rio de Janeiro continua lindo, o que não presta
é a impunidade, o crime organizado e os políticos
oportunistas - praga disseminada por todo o país.
Nota: Itamara Scaini viveu parte da infância e da adolescência no Rio de Janeiro e reside em Manaus uma pá de tempo (gíria, hoje usada raramente). Psicóloga, acaba de descobrir as cidades do interior do estado do Amazonas. Seguramente está surpresa com o que viu, pois quem só conhece a beira do Rio Negro, que banha a cidade de Manaus, ainda não pode dizer que conhece a diversidade cultural indígena do estado do Amazonas. Leia seu depoimento, enviado por e-mail.
Depoimento de Itamara Scaini
Minha primeira experiência?
Claro que lembro!
Foi algo estarrecedor. Tinha 7 anos e minha família acabara de mudar de SP para o RJ. Depois de alguma procura encontramos um ótimo apartamento em Laranjeiras.
SP e RJ em 1960 eram duas cidades absolutamente diferentes e apesar de termos saído de um bairro de classe média para outro, a diferença no vestir, no relacionar-se com os vizinhos, na estrutura do bairro eram enormes.
Certo dia, indo para o Colégio - minha mãe levava diariamente minha irmã e eu - ao atravessar a Rua Gago Coutinho senti uma "presença" do meu lado e um aperto de mão da minha mãe. Olhei. Deparei-me com um enorme, mas enorme mesmo, homem de cor preta, careca, vestindo um sobretudo que lhe chegava nas canelas - era um dia de calor insuportável, e por baixo vestia uma calça amarrada por uma corda. Não vestia camisa.
A primeira coisa que me lembro é ter pensado que não havia diferença entre a cor do homem e a cor da roupa que vestia. Ele, além de falar sózinho, olhava as pessoas com um olhar de muita raiva, de provocação, de intimidação.
Aberto o sinal minha mãe quase nos fez voar para o outro lado da rua e para o outro lado ainda, oposto ao que o homem andava.
Não precisamos perguntar nada. Logo ela nos explicou que se tratava de um louco e que poderia nos fazer algum mal e que nunca, jamais, nos aproximassemos dele.
Durante décadas percorri a Rua das Laranjeiras em ambos os sentidos. Duas ou três vezes por semana encontrava com ele. Sempre vestindo as mesmas roupas. Às vezes andando frenéticamente em linha reta , falando muito e encarando todos; outras sentado, comendo um pedaço de pão.
O lugar onde ele costumava sentar-se, embaixo de uma árvore, fedia. Ele urinava, defecava e dormia sobre seus excrementos.
Alguns meninos, pequenos , às vezes gritavam com ele - não me lembro o que, e ele ameaçava jogar pedras.
Nunca soube quem o alimentava, de onde vinha, quem era.
Um dia , sem esta nem aquela, dei-me conta de que há algum tempo ele sumira. Desapareceu assim como desapareceu a lembrança dele até o momento em que recebi sua mensagem.
Tinha muito medo daquele homem, mas sempre tive muita pena também.
Um grande abraço,
Itamara
Manaus, 22 de Junho de 2006.
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